Aos 50 anos de carreira, Simone fala da evolução do feminismo: “Quem botava a cara, ou levava tapa ou saía vitoriosa”


A cantora que encarnou diversas mulheres em suas músicas, metamorfoseando-se como uma cigarra que enche de som o ar, trocou o basquete pela música, emergindo como uma das vozes mais emblemáticas do Brasil, especialmente no movimento feminista dos anos 70. Em 1992, abriu-se sobre sua sexualidade em uma entrevista com Marília Gabriela. Nesta entrevita, Simone compartilhou os desafios da solidão que acompanhavam seu sucesso. “Eu acredito que algumas vezes eu me senti muito sozinha. Mas tem uma diferença entre a solidão de estar sem ninguém e querer ficar só. Muitas vezes eu passei pelas duas coisas”, revela. Atualmente, após sua turnê de cinquentenário, ela trabalha em um projeto colaborativo e planeja novos lançamentos, reafirmando sua capacidade contínua de inovar e se conectar com diferentes gerações de artistas

*Por Vítor Antunes

“Ela já foi Luísa, Lígia, Yolanda. Não que fosse uma atriz. É uma cantora e, mais que isso, exaltou em suas músicas todas essas mulheres. Tanto que metamorfoseou-se como uma cigarra – ‘que arrebenta de tanta luz e enche de som o ar’. Mulher que passou com bravura pela Bahia do passado, que abandonou o basquete para dedicar-se à carreira de cantora e dedicou-se a ser para sempre ‘uma nova mulher’, Simone é uma das vozes mais emblemáticas do Brasil e continua a impressionar com sua dedicação incansável à música. Além disso, foi uma figura central no movimento dos anos 70 que deu voz às mulheres na música brasileira.

Justo ao fim da turnê celebrativa dos 50 anos de sua carreira, a ‘Tô Voltando‘, Simone promete um novo lançamento e revela: “Estou trabalhando em um projeto colaborativo com compositores e cantores maravilhosos! A intenção é iniciar os lançamentos neste segundo semestre. Além disso, estou escolhendo as músicas para o próximo trabalho, que virá no ano que vem”. Este projeto colaborativo promete trazer uma nova dimensão à sua já extensa discografia, demonstrando sua capacidade contínua de inovar e se conectar com artistas contemporâneos.

Nesta sexta, 19/07, Simone encerra a temporada do show “Tô Voltando” (Foto: Lorena Dini)

Em 1979, uma forte onda feminista tomou conta, especialmente da cena musical. ‘Vivíamos ainda sob uma ditadura muito forte, a liberdade era escassa para muitos, e ainda mais difícil para as mulheres. Tinha inclusive uma série chamada “Malu Mulher, que levantou essas questões. Falava sobre a mulher desquitada, morando sozinha, independente. Não me lembro se levantavam as questões da mulher gay, da mulher trans, mas tudo isso sempre existiu. Só era mais velado e quem botava a cara ou levava tapa ou saía vitoriosa, ou ambas as coisas’. Simone, inclusive, foi uma das primeiras mulheres da MPB a falar abertamente sobre ser LGBT. Em 1992, falou com tranquilidade sobre seu relacionamento com uma mulher, de quem estava separada, à jornalista Marília Gabriela, no “Cara a Cara“. Ao passo que cantoras contemporâneas requerem esta primazia…

Ainda sobre esta fase da carreira, na qual o sucesso era grande e a solidão também, Simone confidenciou à amiga compositora Fátima Guedes que o sucesso a deixava só. Daí, surgiu a canção ‘Eu’, na qual a letra dizia que, no quarto, no espelho e no colchão, a solidão não permitia que as horas a tocassem. Diante de uma carreira longeva e com todo tipo de experiências, perguntamos se esse sentimento ainda permanece. ‘Eu não saberia responder hoje essa pergunta, porque não é o que representa a realidade. Durante muitas vezes da minha vida, eu saía dos shows, pegava meu carro e ia sozinha para minha casa. Eu acredito que algumas vezes eu me senti muito sozinha. Mas tem uma diferença entre a solidão de estar sem ninguém e querer ficar só. Muitas vezes eu passei pelas duas coisas.’

Simone vive a liberdade de ser o que é (Foto: Divulgação)

FACE A FACE

Simone coloca-se também como num ‘lugar de memória’. Testemunhou muitos momentos importantes da história da música. Há quem diga que, além dela, só Elis Regina (1942-1982) emprestavam suas vozes de forma interpretativa, como atrizes, vivendo a história das canções. Ao comparar sua trajetória com a da falecida cantora, ela aborda a tensão entre técnica e emoção na música: “Tive a oportunidade e sorte de estar no espetáculo “Falso Brilhante” (1976). Eu fui no último antes da pausa e no primeiro retorno do show. Lembro de ouvir a Elis e o César cantando e tocando naquele espetáculo e meu Deus do céu! Ali ela juntou tudo. Técnica, emoção, chorou, borrou o rosto, sofreu. Ambos foram inesquecíveis”. Segundo ela, a combinação de técnica e emoção é o que realmente define uma performance memorável.

Simone vê com naturalidade a, suposta, hiperexposição do álbum 25 de dezembro (Foto: Lorena Dini)

Sobre o álbum ‘25 de Dezembro’, Simone expressa uma conexão profunda. Não só por ser o primeiro disco natalino brasileiro e um dos maiores sucessos de venda até hoje e ser uma referência a ela própria, já que nasceu neste dia. Porém, especialmente nos últimos anos, o álbum ganhou a fama de ser uma ‘marca do Natal’, especialmente por conta da faixa ‘Então é Natal’. Infinitos memes brincam com o fato de que o Natal só é válido se a canção tocar. Simone tem uma relação tranquila, amigável com seu maior sucesso. “Eu adoro esse disco. Nasci no dia do Natal e tenho uma conexão muito especial com a data. Quando algum projeto ganha essa dimensão de sucesso, é impossível não ficar feliz. Sou muito grata pelo legado dele e fico contente que ainda seja ouvido por tanta gente.’ Este álbum, apesar de qualquer estigma que possa ter carregado, permanece como um marco em sua carreira, refletindo sua habilidade de se conectar com o público em um nível pessoal e emocional”.

Simone, com sua voz poderosa e presença cativante, continua a ser uma força vital na música brasileira. Seus projetos futuros e suas reflexões sobre o passado mostram uma artista em constante evolução, sempre buscando novas formas de expressar sua arte e tocar o coração de seus fãs.