“André Midani – Do Vinil ao Download” começou como um livro lançado em 2008 que encantou a diretora Mini Kerti e seu parceiro de projeto, Andrucha Waddington. A história da vida de um dos grandes executivos da indústria da música no Brasil virou série no canal fechado GNT e, agora, chega ao Festival do Rio como um dos títulos mais aguardados. “Li o livro e fiquei muito impressionada. Eu e o Andrucha já conhecíamos o André e, um dia, jantando juntos, decidimos fazer um documentário sobre a vida dele. Gravamos um piloto, o GNT adorou e viraram coprodutores”, contou.
Enquanto a série foi dividida em cinco episódios, o filme tem 120 minutos de duração e reúne artistas e intelectuais em encontros informais. De Caetano a Ney Matogrosso, de Marisa Monte a Arnaldo Antunes, quase todo mundo que importa da MPB está na tela. “Foram oito dias de gravação ao longo de um ano, juntamos agendas difíceis. O roteiro só foi estruturado na ilha de edição, mas as conversas já tinham temas e levamos câmeras para filmar”, explicou a diretora. O longa, que revela a história da música tendo como pano de fundo a vida e as relações de André Midani entre 1950 e 2000, aborda a questão das mudanças que a indústria fonográfica tem passado ao longo dos anos. Para o executivo, o veículo é só um detalhe. “Não tem indústria. O que existe é música que ainda não achou seu caminho e ferramenta. Em cinco, dez anos vai desenvolver”, analisou. Ao lado, Roberto Menescal, um dos grandes nomes da Bossa Nova e amigo das antigas de Midani, emendou que a mudança é positiva e a crise é comum e superável: “É uma evolução. A música está em uma crise normal, porque as pessoas ainda não sabem muito como proceder. Lá pelos anos 20 já estará melhor. Os profissionais se reinventam, mas a arte continua”.
A opinião da diretora Mini Kerti vai além. “Todas as indústrias estão mudando. Não só a fonográfica, mas a televisão, o cinema, jornalismo, o mundo. Temos que ser flexíveis para nos adaptarmos e encontrarmos o jeito de fazer nos novos formatos, mas tomar cuidado de não ceder e abrir mão de características fundamentais e perder qualidade e conteúdo”, disse. Midani concordou, ressaltando que o desespero só piora a situação: “O pessoal se apavorou demais. É como o Brasil hoje, não está bom, mas todo mundo é pessimista, então fica pior”, comparou.
Perguntado se as novas mídias fizeram com que a música perdesse a qualidade, Midani foi enfático: “Sempre teve gente com talento e sem. Outro dia eu estava vendo o programa do Chacrinha e o que tinha de porcaria é até engraçado. Só que as pessoas não querem lembrar. Sempre existiu música de terceira. Não tem mais hoje do que tinha antes. É igual”, afirmou. Para Roberto Menescal, as muitas plataformas são só um meio de divulgação e quem não tem talento não sobrevive. “Não perdeu qualidade, o disco vai andando. Há um século atrás não tinha nada e cada hora vem um formato novo, já passamos por tantos”, disse ele, que acredita que a recente moda do vinil é passageira. “Eu não acho que pega, é coisa de colecionador. Se botar na ponta do lápis percentualmente é uma brincadeira. Tem uma fábrica só, que produz e tira 1000 exemplares. Não é nada. Eu dei todos os meus, foi fácil, não era apegado, não é prático”, contou, dando um exemplo de aceitação da modernização.
Menescal, que ainda tem CDs em casa, acredita que ainda é possível ganhar dinheiro na arte e que a época é especial para mostrar tudo o que já foi feito na área. “Dá para viver de música. Estamos em um processo de passar a limpo, em filmes, shows e musicais, tudo o que foi feito no século passado. Tem muita coisa boa sendo mostrada”, afirmou.
Já o homenageado Midani, executivo que moldou diversas carreiras e foi um dos grandes responsáveis pelo crescimento da área, contou que ter um filme sobre a sua vida no Festival do Rio é uma conquista enorme: “É muito bom. Só uma mente perturbada diria que não gosta”, brincou. Já Mini emendou que a responsabilidade de retratar uma vida é enorme, mas o resultado é emocionante. “O André é uma pessoa maravilhosa, nunca teve estresse, era uma comunhão. Temos momentos inesquecíveis registrados”, antecipou. Perguntada se alguma cena a tocou em especial, a diretora destacou pedaços que a fizeram chorar: “Toda a parte do exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil, com o André contando. E quando ele diz, emocionado, que os primeiros amigos brasileiros dele são o Menescal e o grupo da Bossa Nova. O final também é incrível, com uma música linda e emocionante pouco conhecida do Gil”, listou.
A relação da diretora com a música fica só nas telonas. Ela, que já tocou flauta transversa e piano, declarou não ter talento, mas se considera uma apaixonada por canções brasileiras. “É um elemento forte da nossa cultura, conhecido no mundo todo, pulsante”, disse Mini, que no ano que vem finaliza um documentário sobre o Barão Vermelho. Se o CD virou museu, a divulgação de novos talentos ainda é confusa e os meios mudam a cada instante, algo ainda é certo: a boa música não sai de moda nunca.
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