*Por Barbara Tenorio
Político do início ao fim, o novo álbum da cantora paulistana Ana Cañas, “TODXS”, lançado no último dia 9, é um marco na carreira da artista. Além das letras com discurso feminista e social, a forma como o disco foi elaborado também expressa o ativismo de Ana. O quinto álbum de sua carreira é o primeiro lançado de forma totalmente independente. “Por não ser produzido por uma gravadora, a minha liberdade é total em relação aos discursos. Foi uma escolha minha. Eu precisava fazer esse disco dessa forma, com essas letras explícitas, eu precisava muito poder falar essas coisas e quebrar esse tabu. Tirar desse lugar que mulher não fala de sexo, e mostrar que podemos, sim, falar sobre prazer feminino”, afirma a cantora.
Desde jovem, Cañas soube da necessidade de usar a arte como resistência. Formada em Artes Cênicas pela USP, a artista sempre participou de teatro e movimento independentes, mas só de dois anos para cá ela levou para a música a voz política. “Eu fiz um show no Rock in Rio no ano passado e eu já falava da questão da atividade militar. Cantei ‘O Bêbado e o Equilibrista’ para lembrarmos que a ameaça fascista está sempre presente. Tinha um telão com imagens de tortura e depois algumas pessoas disseram que talvez eu estivesse exagerando, mas agora temos o presidente eleito com um discurso de ódio, discurso de opressão às minorias e eu sou totalmente contra isso. E a arte é necessária nesse momento. Eu estou com a Nina Simone, quando ela diz ‘eu não posso ser uma artista e não refletir o meu tempo’”, relata Cañas.
Foi o impeachment da Presidente Dilma, em 2016, o divisor de águas para a cantora deixar o lugar de mera espectadora para mudar as atitudes, os discursos nas redes sociais e nas letras de suas músicas. “A partir do momento que a gente tem uma voz mais ativa e mais direta, eu achei necessário por tudo que vinha acontecendo no país. Eu me vi na obrigação de tomar uma posição”, completa. Para além das influências musicais, a artista destaca que o novo álbum é fruto do ativismo e da sua participação em movimentos feministas, negros, sem teto e de periferia. “A maior influência desse disco é a minha vivência pessoal, foram essas experiências dos movimentos e ocupações. Minha realidade mudou muito. Fiz um show no interior do Rio Grande do Norte, há 8 meses, e cantei num assentamento, o que me transformou de forma profunda, conhecer a realidade do país de forma presencial, com o meu corpo”, diz.
Como posicionamento político, a paulistana fez nos últimos dois anos cerca de 40 shows em movimentos sociais sem receber cachê. “Isso me tira desse lugar do artista que só sai de casa para cantar se for pago. É um posicionamento de que a música é algo que eu tenho e eu posso contribuir ainda mais no momento em que a gente vive”, declara. A capa do disco têm vários significados, mas, de acordo com Ana, um sentido principal: a questão do patriarcado. Para ela a imagem dialoga com a opressão das mulheres, do lugar de fala, do corpo e da sexualidade feminina. “Somos estupradas desde os tempos imemoriais da humanidade, somos silenciadas, sofremos assédio e todo tipo de violência para que a nossa força não surja. Recebemos salários menores, criamos nossos filhos sozinhas. Então a imagem, o principal significado dela é uma resposta a essa cultura patriarcal opressora”, completa. A cobra é simbólica na humanidade e, segundo a artista, tem relação com a mulher ser acusada de ter aceitado da serpente a maçã envenenada e, por isso, a expulsão do paraíso é culpa unicamente de Eva. Através desse simbolismo a cantora quis retratar esse lugar condenatório da mulher perante à sociedade. A sensualidade e sexualidade feminina também está expressada na capa do novo disco.
Produzido pela cantora ao lado de Thiago Barromeu, “TODXS” também se destaca pelas participações. Tais como Arnaldo Antunes, parceiro de longa data de Cañas, Taciana Barros e Lúcio Maia. O rapper Sombra, do grupo SNJ, divide os vocais na música que dá nome ao álbum – e que ganha clipe dirigido pelo coletivo Farpa, lançado também no dia 9.
Ao inserir a letra X no lugar de todas ou todos, Ana propõe a universalidade de sua obra e usa o título como mais uma expressão do discurso político. Aspirante da liberdade e igualdade entre as pessoas, a intérprete buscou romper com os limites das classificações de gênero, uma importante bandeira defendida pelos ativistas. “Do mesmo jeito que abarca todos os gêneros, derruba as fronteiras de delimitação. Será que definir o sexo masculino ou feminino é tão importante? Será que não existem subjetividades nas personalidades que são mais relevantes do que a definição de gênero? É sermos vistos como seres humanos. Não importa qual é a sua sexualidade, importa como discurso, mas não importa para mim. Você pode ser o que quiser e deve ser o que quiser ser”, enfatiza.
O CD traz ainda “Tua Boca” um dueto com Chico Chico, filho da cantora Cássia Eller e a música cantada por eles é uma das preferidas da artista. Depois de um ano de produção, Cañas se diz satisfeita com o resultado, e que, de 40 músicas gravadas, foram escolhidas e pensadas as 12 faixas. Receosa com o futuro da política brasileira, a data de lançamento, logo após as eleições, foi proposital. “Eu achava que eu tinha que lançar o disco agora, porque depois quando o presidente eleito assumir, a gente não sabe que tipo de censura que vai acontecer ainda mais para um disco explícito nos discursos”, diz.
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