*Por Brunna Condini
Alexandre Nero retoma sua carreira como cantor e compositor mais de 10 anos após o último disco, ‘Vendo amor em suas mais variadas formas, tamanhos e posições‘ (2011). Nesta terça-feira (12), ele lança ‘Quarto, suítes, alguns cômodos e outros nem tanto‘, com participações icônicas de Elza Soares (1930-2022) e Milton Nascimento. Além de ter dividido uma composição com Aldir Blanc (1946-2020). Nesta entrevista exclusiva, Nero fala, entre outros temas, sobre assédio e a superexposição. “Essa questão de não saber lidar com isso tem a ver com a minha personalidade, eu sou uma pessoa muito tímida. A capa do meu disco é uma representação clara disso! Como artista, vivo essa tensão de querer me comunicar e querer me esconder, ao mesmo tempo. Tem gente que tem essa habilidade de ser celebrado e tenho uma inveja tremenda de quem sabe fazer isso. Não tenho e isso vem desde da minha infância. A superexposição acabou fazendo com que eu me fechasse ainda mais”, comenta. E, Alexandre, costuma se arrepender muito das respostas que dá em entrevistas? “Sempre acho que poderia articular melhor, mas fico ansioso, quero responder rapidamente, e depois penso: ‘Por que eu falei isso, porque usei essa palavra’? (risos)”.
Ele também comenta o fato de ter produzido um trabalho mais melancólico. “Meu disco é extremamente esperançoso. Mas, nasceu da tristeza, e a partir daí, achei relevante frisar isso para que tratemos a tristeza como algo normal. Ela nunca pode ser um problema. Quem não passou por momentos de tristeza, seja por conta da pandemia ou do momento político que estamos vivendo, está em um universo paralelo. Não entendeu o que está acontecendo”, frisa.
“O disco aponta um caminho de esperança sem negar a tristeza, e também o lugar da calma, do respiro, do silêncio. Vivemos um momento no qual tudo tem que ser pra cima, dançante, alegre, feliz o tempo todo, 24 horas por dia – um mundo que está o tempo inteiro, de maneira direta ou indireta, nos negando esse sentimento primário que é a tristeza. Tento apontar muitas coisas, entre elas, que o mundo não é só euforia e excitação. Que as coisas não precisam se opor. Podem e devem andar juntas”. Depois de mais de uma década se dedicando à atuação, ele volta a se encontrar com a música em um álbum que fala de pandemia, religião, depressão e filhos, entre outros temas que o afligem: “O trabalho foi e ainda é uma tábua de salvação pra mim – vira e mexe eu recorro a ele, como se fosse um livro de autoajuda meu, para mim mesmo (risos). Todas as coisas ao redor me afetam”.
Apesar de ter começado a carreira como músico há mais de 30 anos, o ator tomou o protagonismo da vida de Nero. “Em outros tempos, quando eu chegava em um hotel, me registrava como ‘músico’. Hoje, eu escrevo ‘ator’. Mas o fato é que a gente não deixa de ser músico ou se torna músico, de uma hora pra outra – o mesmo com o ator. Eu continuo sendo músico, sempre serei, mas é claro que o foco maior tem sido para o ator nesses últimos anos, e, ambos, necessitam de profunda e integral dedicação. Por isso demorei tanto a fazer esse novo disco”, observa.
“Hoje sou um compositor, um músico, movido unicamente pela inspiração, pelo amor à arte. O meu sustento não vem mais da música, diferente de anos atrás. Talvez esse seja o primeiro disco que eu fiz sem pensar em qualquer tipo de retorno financeiro. É um projeto feito com todo o aparato técnico, com o profissionalismo de todas as pessoas envolvidas, mas que foi feito tentando resgatar a palavra ‘amador’ em sua origem, do latim, que é ‘aquele que ama o que faz’. Estou apaixonado pelo disco. Considero o meu melhor trabalho musical, sem dúvida alguma”.
Transformando dor em arte
Ao longo da sua trajetória, Nero tem feito arte de muito o que o inquieta. E começou cedo. Perdeu o pai e a mãe para o câncer, quando tinha 14 e 17 anos. Depois, acabou cantando na noite por 20 anos e fazendo disso seu ganha-pão. E fez teatro, cinema, mas, desde 2008, é a TV que vem dando visibilidade para o ator, versão sua mais popular. De alguma forma, foi a morte dos seus pais que o guiou para a carreira artística? “Não sei se a morte dos meus pais está diretamente ligada ao meu desejo artístico, mas foi sem dúvida a ausência deles que me deu coragem para enfrentar esse meio. Na verdade, são conjecturas, suposições, mas olhando para trás, não vejo aquele menino, que perdeu os pais cedo, tendo coragem de falar para o pai que desejaria encarar a vida artística”.
E tenta buscar recordações desta época: “Tenho poucas lembranças. Com a morte deles, desenvolvi uma memória seletiva, travei as minhas memórias. Depois de mais velho, passei a tentar resgatar essa memória e, quando ela vem, sempre me emociona. Durante um tempo, eu tinha uma certa vergonha de falar dessas coisas, não queria que as pessoas me vissem como vítima, mas agora não mais. É uma maneira que eu encontrei de exorcizar tudo isso e uma forma de cura também”, pontua Alexandre Nero.
O que ficou como aprendizado de quem teve que se virar sozinho tão cedo? “Se aprendi algo é que não adianta muito o que se aprende na vida, pois ela vai te dar um drible. Isso é desesperador, mas talvez seja a graça dela. A vida foi muito dura pra mim. Claro, também tive muita sorte. Encontrei muitas pessoas que me guiaram artisticamente, profissionalmente, mas a dureza ficou no corpo. O meu aprendizado é diário para tentar quebrar a casca grossa emocional causada por tudo o que vivi. Quando os meus filhos vieram, me dei conta de que estava na hora de me esforçar para quebrar essa carcaça e de acreditar um pouco mais na doçura”.
Tentando a ternura
Aos 52 anos, ele é pai de Noá, de 6 anos, e Inã, de 3, do seu casamento com a figurinista Karen Brusttolin, e afirma que tanto ele, quanto a parceira se preocupam muito em não passar para os filhos o ‘peso’ das suas angústias, medos e questões. “Eles ainda são muito pequenos. Venho descobrindo que eu sou vários tipos de pai. Acho que nós, como sociedade, deveríamos nos preparar melhor para receber os filhos. A gente os educa como os nossos pais nos educaram, e eles também não foram preparados. Então, a gente vai aprendendo meio no solavanco”, reflete.
“Se é preciso aprender a construir um prédio para que ele seja sólido, acho que acontece o mesmo com as pessoas. A sociedade precisa pensar em criar mecanismos que ajudem a educar nossos filhos com mais amor, mais carinho. E não basta só dizer essas coisas da boca para fora: precisamos saber educar de forma afetiva, é uma questão bem mais profunda. E eu estou falando de mim, também: muitas vezes eu simplesmente não sei o que fazer, fico totalmente perdido”.
Sonhos não envelhecem
O artista celebra ainda as presenças ilustres no atual trabalho. “Ainda estou processando tudo isso. É muito difícil colocar em palavras. A frase que me vem à cabeça é aquela da canção do Milton: ‘Sonhos não envelhecem’. É quase inalcançável pensar naquele menino, que hoje é um homem, participando de um disco no qual assina uma parceria com Aldir Blanc – que pra mim foi um norte como compositor, letrista, poeta, escritor. E com Elza Soares e Milton Nascimento! É muito surreal. Ainda não sei dizer como isso reverbera em mim, mas é muito potente. Me emociono toda vez que ouço. E me sinto muito orgulhoso da forma como os inserimos ali. Quem ouvir o disco vai ver que eu fiz questão de colocá-los da maneira mais elegante possível nas canções, como artistas divinos que são. Eles não estão nas chamadas ‘músicas de trabalho’ ou nos videoclipes: eu não quis de forma alguma explorar essas presenças tão especiais. É uma homenagem a eles. Não o contrário”.
Na canção ‘Virulência’, que tem letra de Aldir Blanc – que morreu aos 73 anos vítima de Covid – Alexandre Nero canta sobre esse cenário dos últimos dois anos com a pandemia. “Falamos do coronavírus, mas em se tratando de Aldir, que para mim é a personificação da poesia, é sempre bom pensar além da Covid-19. Para o poeta, uma pedra nem sempre é só uma pedra. Pode ser, quem sabe, até uma pessoa. Ele fala de um governo deserto, Moby Dick, Tiranossauro Rex, das coisas terríveis que estamos vivendo ao redor. Aldir me mandou um texto inicial e, a partir daí, fomos trocando palavras, mexendo nele. A letra acabou sendo construída depois da sua morte, costurando várias coisas que ele mandava, como poemas e frases tiradas de e-mails. Aldir estava desesperançoso com o nosso país, com o abismo que crescia, especialmente o caminho do pensamento fascista que surgia. Falamos de um ‘lado de fora’ na letra, que é o desejo de inventar um lugar que não fosse aquele que a gente estava vivendo”, detalha.
“Eu poderia ficar aqui divagando e falando horas sobre o que eu ou o Aldir pensamos ou queremos dizer, mas, agora que o disco saiu da minha bolha, que deixou de ser uma propriedade minha e vai para o público, ele ganha novos autores. As pessoas vão começar a descobrir milhões de significados que não são somente os nossos, e isso é o que faz uma obra ser instigante”.
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