Enredo da Portela neste Carnaval, Clara Nunes (1942-1983) foi reverenciada em show-tributo, ontem à tarde, durante a tradicional Feijoada da Família Portelense, na quadra da Portela, em Oswaldo Cruz. O evento marcou o lançamento da segunda edição da biografia “Clara Nunes, guerreira da utopia”, do jornalista e pesquisador Vagner Fernandes, e contou com a Velha Guarda da Portela e as participações especiais de Alcione e Roberta Sá.
“É uma felicidade ver Clara sendo exaltada por sua escola de coração. Era uma amiga, uma irmã, merece todos méritos e infindas celebrações sempre. A biografia do Vagner é uma obra de respeito, porque retrata a vida daquela que foi uma das maiores e mais importantes cantoras da música brasileira”, exaltava a Marrom, antes de subir ao palco para abrir os trabalhos com “Canto das três raças”.
Roberta Sá, diva da nova geração de intérpretes femininas, também irradiava alegria por participar da homenagem ao maior ícone feminino portelense de todos os tempos. Roberta, aliás, vem estreitando laços com a escola e será a atração do camarote comercial da azul e branco, na segunda-feira de Carnaval, no Sambódromo. Com look assinado pelo stylist Rogério S., a cantora desfilou um repertório impecável, sugerido pelo próprio Vagner Fernandes, que incluiu “Conto de areia”, “Coroa de areia”, “A deusa dos orixás”, “Apesar de você”, “Na linha do mar”, “Peixe com coco”, “Embala eu” e “Guerreira”.
“Clara tem uma obra singular. E perpetuar o seu legado é missão dos que a amam e também a música brasileira. É uma mulher que atravessa gerações, uma referência, uma desbravadora”, destacou Roberta.
Enquanto os artistas se apresentavam, uma enorme fila de amigos do jornalista e fãs da guerreira se formava para compartilhar da felicidade do biógrafo com a nova edição, que está sendo lançada pelo selo Agir, do Grupo Ediouro. Mais de 300 livros foram vendidos, uma marca expressiva para uma sessão de autógrafos nestes árduos tempos em que editoras e livrarias vêm encerrando as atividades diante da crise que assola o setor. Aliás, a Livraria da Travessa, uma das mais importantes do Brasil, foi à quadra Portela exclusivamente para comercializar a obra. Segundo o autor, faz parte de seu posicionamento político lançar livros no subúrbio da cidade, território em que nasceu e foi criado.
“Clara é um personagem vivo no inconsciente coletivo dos brasileiros. E no subúrbio do Rio, ela não morreu. Por outro lado, as pessoas que vivem fora do eixo Centro-Zona Sul não têm oportunidade, majoritariamente, de ir a lançamentos de livros. Então, decidi que deveria lançar a nova edição mais uma vez em Oswaldo Cruz, na Portela, como da primeira vez. A Travessa entendeu a proposta e saiu da Zona Sul para vender o livro em uma quadra de escola de samba, para o povão. Isso é uma vitória, é uma ação de extrema sensibilidade da Travessa”, ressaltou Fernandes.
Otimista com o processo de criação de Rosa Magalhães, carnavalesca da Portela, para o desfile, Luís Carlos Magalhães, presidente da agremiação, enfatiza a imprescindibilidade do resgate da memória de Clara Nunes para a escola, os portelenses e a cultura do Brasil.
“Vivemos uma crise identitária no país. Clara Nunes é um personagem fundamental neste momento para compreendermos a atual conjuntura sociopolítica brasileira. Foi pioneira em uma série de discussões que sempre nos foram tão caras. Será um desfile para reverenciá-la, mas também refleti-la”, assinalou Luís Carlos.
Fernandes faz coro à análise do presidente, destacando que a mítica artista, morta em 1983 em decorrência de um choque anafilático durante uma cirurgia de varizes, tem uma obra atemporal justamente por discorrer sobre temas que jamais deixaram de estar na pauta do dia: “Clara sempre foi politizada sem ser panfletária. Com a sua arte levantou debates acerca da identidade de gêneros, do preconceito étnico-racial e de credo. O Brasil não mudou: continua misógino racista e intolerante religioso”, destacou o biógrafo.
Artigos relacionados