* Por Jamari França
Há um tempo, um amigo do Facebook me perguntou se Erasmo Carlos era realmente o rei do Rock Brasil ou se o título lhe era dado por carinho e admiração. Aquilo ficou circulando na minha cabeça, lembrei da imensa admiração e até devoção por Raul Seixas (1945-1989) em shows e festivais onde sempre se ouve o grito de guerra “Toca Raul!!!!”. Daí, resolvi colocar em votação na minha comunidade do Face: “Quem é o verdadeiro Rei do Rock Brasil, Erasmo Carlos ou Raul Seixas?”
Com 160 votos válidos (teve gente que votou de Cauby Peixoto a Serguei) em 306 comentários, Raul venceu com 107 votos contra 34 de Erasmo. Eu não gosto desse negócio de rei e rainha, seja lá do que for, mas acho que a pergunta foi pertinente, apesar de o vencedor, em vida, claro, ser avesso a coroações. Adoro o Erasmo, tenho por ele o maior respeito, beijo-lhe a mão quando o encontro, todo o rock brasileiro sente a mesma coisa. Mas basta ver nos festivais e nos shows o Vox Populi soltar o grito de guerra “Toca Raul!” para saber quem é o favorito da massa.
Como disse um eleitor: “Já ouviram alguém gritar Toca Erasmo!”. A votação consagrou a minha opinião. A obra de Raulzito é atemporal, mesmo citações da época não lhe tiram o valor. A rainha inconteste é Rita Lee. Quanto a ela creio que não há dúvidas. Dos anos 70 em diante, o trabalho de Erasmo Carlos não pode ser considerado rock. Ele trilhou outros caminhos, enquanto Raul se mantinha fiel ao rock’n’roll. Erasmo teve o pioneirismo, fez parte da turma da Zona Norte do Rio que implantou o rock no Brasil. É mais importante do que Roberto Carlos, porque este queria ser cantor de MPB e só embarcou no rock por oportunismo. E saiu assim que possível para se tornar um cantor romântico e canastrão. Falaram muito nos comentários sobre Raul ter uma maior postura rock contestadora e ter músicas profundas, algumas com verdades eternas como Metamorfose Ambulante. A Jovem Guarda era revolucionária por sua própria existência, o que lhe valeu muitas críticas, preconceitos e até uma passeata da MPB contra a suposta invasão alienígena.
Mas esta postura só valeu naquele momento. Como não soube evoluir, ficou dela um repertório datado que não seduz as novas gerações, apenas os saudosistas. Já Raul continua atual e pertinente como se viu no último Rock in Rio com a homenagem dos Detonautas e convidados, acompanhados pela massa nos vocais. O guitarrista Rick Ferreira, que tocou em todos os discos do Raul de 1976 em diante e em todos do Erasmo, fez um depoimento definitivo em minha opinião. Transcrevo: O Raul nunca suportou MPB e bossa nova então, odiava. Chamava até de bosta nova, sacaneava no show quando cantava a música As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor no trecho que dizia: “Acredite que eu não tenho nada a ver com a linha evolutiva da Música Popular Brasileira.” Nessa hora rolava Garota de Ipanema e ele fazia aqueles acordes de bossa nova com todas as sétimas, oitavas, nonas, décimas primeiras e décimas terceiras possíveis, acordes a que ele tinha verdadeiro horror. Já o Erasmo gosta de uma MPB, gosta de João Gilberto, Nana Caymmi e coisas assim. Nada contra, gosto é gosto e não que isso influencie na música. O Erasmo é do rock também, total, mas como eu gravei praticamente tudo dos dois, arrisco dizer que o rock’n’roll correu mais nas veias do Raul do que nas do Erasmo!!”.
Pois é, mas aí outra pergunta continua perturbando minha cabeça. Até que ponto (odeio essa expressão) o fato de Raul não mais estar entre nós influencia esta avaliação? Who knows, Who cares.
* Jamari França é jornalista, escreve sobre pop rock desde 1982. Cobriu exclusivamente o Rock Brasil para o Jornal do Brasil nos anos 80, quando se dividia entre o Caderno B e a Editoria Internacional. Trabalhou no Globo Online de 2001 a 2009. É autor da biografia dos Paralamas, Vamo Batê Lata, e tradutor de livros sobre música e política.
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