“A música está uniformizada.Temos que garimpar, porque existe som bom que não possui visibilidade”, diz MV Bill


O rapper fecha um ciclo de lançamentos com uma música em homenagem a Tim Maia com o objetivo de reverenciar ainda mais a obra desse grande músico brasileiro que marcou gerações. “Temos que garimpar mais e tentar descobrir novos artistas que estão no Brasil com vários ritmos diferentes e que não têm a mesma visibilidade de quem está no hype”. Ele ainda frisa que, atualmente, sente falta de questionamentos nas músicas, visto que tem encontrado muito conteúdo apenas de entretenimento

*Por Domênica Soares

Apesar de não ter vivido o cenário da música da década de 70, MV Bill sempre foi apaixonado por todo uma geração e sua sonoridade característica. E decidiu lançar single e clipe “Tim Maia” com o intuito de homenagear o cantor, morto em 1998, considerado uma lenda da música nacional e um dos grandes nomes que inspiraram e inspiram a jornada de MV Bill. “O single encerra uma empreitada de lançamentos que comecei no final do ano de 2018. De lá para cá, eu contabilizo uma música e videoclipe por mês”, comenta. A composição foi em parceria com seu amigo, DJ, produtor português Tom Enzy e inclui o trap como uma sinergia do passado e presente. O clipe, produzido por Fabrício Figueiredo é super característico e traz o público de volta aos embalos dos 70’s, com visual e o próprio Tim, representado por Babu Santana, que interpretou o ícone no longa de 2014 “Tim Maia”.

“Queríamos retratar um momento da vida do Tim, quando ele ainda não tinha se estabelecido totalmente na música. Estava na luta mas já era reconhecido por ser uma grande voz. Então, para isso, tivemos que fazer uma viagem no tempo. A caracterização foi essencial. Foram muitas pesquisas feitas pela equipe e esse trabalho é de extrema importância. Apesar de escutar toda discografia, li o livro escrito por Nelson Motta sobre o Tim e isso me abriu muito a cabeça, aprendi coisas que não tinha acesso e me tornou ainda mais fã da obra e do ser humano Tim Maia”, analisou MV Bill. 

Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, MV Bill explica que para ele a década de 70 é muito rica artisticamente, Ouve e assiste muita produção audiovisual produzida nesse período e, por isso, ao fazer essa homenagem, tudo casou de forma espontânea. “Foi um grande desafio, mas o resultado está sendo ótimo. Além de toda caracterização, a presença do Babu Santana foi essencial. Ele consegue representar o Tim de uma forma muito autêntica. Quando estávamos gravando na praia, as pessoas até se referiam a ele como Tim, e não pelo seu próprio nome”.

MV Bill comenta que ele e sua equipe também mergulharam nos anos 80, uma época que mexeu muito com a cabeça do Tim Maia. O artista ainda pontuou que o objetivo era fazer uma homenagem diferente e única, produzindo algo do zero e fazer do seu jeito usando elementos do rap com a vertente mais atual, o trap. Um casamento dos aspectos modernos da sonoridade com o vintage das imagens. “Quando decidi fazer a música para o Tim foi justamente por perceber que após ter passado duas décadas de seu falecimento, havia poucas manifestações de lembranças da obra dele e da importância de sua figura na sociedade. Quis resgatar e tentar imortalizar esse fato para estimular ainda mais que os jovens busquem por essas referências que são excelentes na construção de cada repertório”.

Artista fala sobre sociedade e carreira (Foto: Rodrigo Freitas)

Sobre o cenário da música atual, MV Bill descreve que está “uniformizado”, com produções parecidas e que, apesar do estilo musical ser diferente, ainda assim existe esse padrão estabelecido, que é a caixa que puxa tudo para o pop com o objetivo de alcançar mais público. Contudo faz questão de lembrar que esse fator não anula os ótimos sons que estão sendo feitos e explica que as pessoas não devem ficar à mercê da inteligência artificial para mapear uma música que pode ser de seu gosto, mas que, ao invés disso, deve ser feita uma pesquisa de novas descobertas e artistas.

“Temos que garimpar mais e tentar descobrir novos artistas que estão no Brasil com vários ritmos diferentes e que não têm a mesma visibilidade de quem está no hype”. Ele ainda frisa que, atualmente, sente falta de questionamentos nas músicas, visto que tem encontrado muito conteúdo apenas de entretenimento. 

Rapper comenta sobre homenagem ao Tim Maia e retrata importância da obra do ícone (Foto: Rodrigo Freitas)

Sempre antenado com as novas tecnologias e formas de fazer música, ele destaca alguns prós e contras sobre essa questão. Para o rapper, o aspecto positivo é que as pessoas e artistas conseguem ter uma comunicação direta e mais rápida, como por exemplo em relação ao feedback a lançamentos. Ele relembra que, na era analógica, distribuía singles gravados em CDs na esperança de atingir um número maior de público e a internet quebrou essas barreiras aumentando cada vez mais as formas e opções de disseminação de conteúdo. Contudo, aponta que ainda há aspectos negativos e destaca que as pessoas ruins estão por toda parte. Racistas, homofóbicos, xenofóbicos e outros grupos opressores se unem para causar o mal e dissipar o ódio pelos locais onde passam. 

MV Bill frisa que a música está em um cenário novo e com grandes oportunidades (Foto: Rodrigo Freitas)

De forma descontraída, quando perguntado sobre o que admira em si mesmo, ele reflete muito antes de disparar: “Autoavaliações sempre são difíceis, mas acho que tenho a sagacidade de me adaptar a situações. Comecei no rap na época que ninguém conhecia muito. N,ão tinham artistas estourados ainda no Brasil. Passei por uma fase de CDs, e o ritmo não era popular. Hoje em dia a grande massa já escuta o rap e tenho orgulho de ter conseguido passar por essas fases e sobreviver na carreira. Muitos da minha geração não chegaram até aqui. Estou vivendo o melhor momento da minha vida. É um disparate pelo fato de eu não ter gravadora, mas é minha melhor fase. Tenho total liberdade e isso me faz muito bem”. 

MV Bill lança clipe “Tim Maia” (Foto: Rodrigo Freitas)

Sempre ligado ao social, ele comenta que felicidade para ele é estar cercado de quem ama. “Me ligo muito nas coisas simples, gosto de estar na Cidade de Deus com meus amigos e familiares e andar pelo lugar que vivi. Nas minhas letras costumo falar muito sobre aspectos sociais, minha doação é dessa forma, através de palestras, visitas a instituições e contato direto com as pessoas”. Durante 20 anos, o artista militou na CUFA (Central Única das Favelas), ajudando a construir essa instituição.

“Foram muitos anos de trabalho e aprendi demais. A doação foi uma via de mão dupla. Meu olhar social mudou e essas experiências são sempre agregadoras para o ser humano”. Ligado às pessoas, ele garante que seu maior sonho não é individual mas, sim, coletivo. “Sonho em ver o Brasil como um país no qual as pessoas tenham condições de disputar vagas em pé de igualdade pelas oportunidades que aparecem e de seguir boas carreiras dentro do país. Meu maior sonho é que as pessoas possam fazer escolhas”.