*Por Rafael Moura
O músico Dossel apresenta uma sinergia entre a arte e a espiritualidade, gerando uma energia singular. Nascido Roberto Barrucho, o cantor lança, no dia 06 de novembro, ‘Filhos da Aldeia‘ um single em parceria com Jam da Silva que propõe um respiro em meio ao caos, um suave mergulho profundo na ancestralidade e contundente reconexão com as raízes. A faixa é uma celebração fragmentada do trabalho que o artista vem desenvolvendo e já antecipa seu novo álbum, Pouco Sol. “A música é inspirada em um provérbio africano que nos ensina que é preciso uma aldeia inteira para se educar, para cuidar de uma criança. Fala desse filho que virá, no caso, o futuro, e que precisamos preservar nessas possibilidades de vida. Nos abrir por inteiros, dançar com as nossas sombras. É um chamado sincero para a plenitude do ser”, explica Barrucho.
E, apesar do nome do álbum, ainda sem previsão de lançamento, ainda mostra os raios de sol para produzir muitas vitaminas, estimular a melanina e aumentar a saúde mental e a sensação de bem-estar. “O que posso adiantar é que ele acaba sendo fruto desse período de maior recolhimento, que nos permitiu um contato com o nosso íntimo e nos convidou a olhar cada cantinho da alma, das feridas, possíveis obstruções, traumas, enfim, o autocuidado, acolhimento das sombras enfrentamento dos ‘demônios’. Ele pulsa no sentido da esperança, da beleza e da contemplação, passeia entre o claro e o escuro, buscando a luz, mas abraçando a escuridão. Gosto dessa dualidade e contrastes. Repare. Não é sem sol”, revela.
A faixa também é um mergulho por nuances escolhidas com delicadeza e nos convida a olhar por uma fresta de luz e adentrar numa floresta musical pulsante. Pelos versos que seguem, a canção invoca a criação de uma realidade onde mora um povo que olha para o passado, apontando para o futuro. “Precisamos imaginar essa dança que é capaz de acolher nossas próprias sombras. Fincada na nossa própria história. A força motriz está na busca pelas raízes outrora esquecidas. É um convite para transmutar a um mundo novo, que fará seus próprios caminhos: essa criança que nos devora”, ressalta Dossel, citando a letra da música construída através de encontro de timbres vocais e sedimentada a partir de elementos percussivos, que vão nos fazendo firmar a pisada na melodia, nos conduzindo a um exercício leve e etéreo de espiritualidade.
O músico fala sobre a parceria com Jam da Silva, e nos conta detalhes sobre essa construção musical inédita que aconteceu de maneira fluida entre os dois. “Já tinha feito a harmonia de Filho da Aldeia. Pensava algo com piano e percussão. Logo depois conheci o Jam, no Baixo Botafogo, em 2019. Neste mesmo dia, já rolou uma super troca, nos identificamos nesta minúcia de lidar com os detalhes. Ele tem uma sensibilidade refinada, uma preocupação bonita com timbres, é exigente com nuances, e curte bastante minhas mixagens. Assim aconteceu. Fui cantando intuitivamente, sampleando a base que ele fez. A música foi crescendo, o Jam chegou com a melodia, além de tocar também. Certeza que é só o início de uma parceria”, ressalta Barrucho, que também contou com a participação do músico Pai Guga, vocalista da banda Amplexos e com baixo, synths e efeitos de Pipo Pegoraro.
Ao site Heloisa Tolipan, o músico revelou que o processo de ‘transformação’ de Roberto Barrucho para Dossel é constante e muito intenso. “Foi como um processo de renascimento, de saída do casulo ou de troca de pele, muitas vezes também encaro como um lugar que habito, uma espécie de atmosfera, camada ao qual visito para dar vazão a uma voz interna, a um olhar para o sensível e escuta do invisível. Roberto e Dossel tramam uma relação de coexistência e coabitação, dependem um do outro no sentido de suas expertises e acessos. Aos poucos fui me permitindo e experienciando me abrir a estar no lugar do artista, que propõe uma leitura e visão de mundo compartilhada, que traduz a vivência e os sentidos em sons, palavras, melodias e sonoridades”, explica.
Considerado um dos grandes nomes nesse cenário musical ‘místico’, Dossel revela que esse mergulho faz parte da sua essência. “Foi um processo que percebi conforme foi acontecendo, não foi uma escolha racional ou pensada. Meu trabalho nasce sempre sobre uma olhar das minhas vivências e necessidade de expressão e organização dos processos artísticos. Pode ser que eu consiga fazer de outras maneiras, mas até agora esse mergulho tem sido como uma ferramenta de acesso a algo que considero raro e caro, no sentido de grandioso para o meu ser, e que por isso chega a um lugar de experiência e criação a ser compartilhada”, frisa, acrescentando: “É um exercício constante de aprender e desaprender, de limpar o campo de visão e se atentar ao que realmente importa, para que a coisa toda não perca o sentido. Penso que a existência desse projetos e suas músicas passam por buscar essa conexão com o sensível e o aprendizado com as nuances e o espectro de energias que nos atravessam”.
Como já dissemos algumas vezes aqui no site HT, neste ano, por conta da pandemia causada pelo novo coronavírus, descobrimos uma imensidão de novos artistas por conta das plataformas digitais. Então perguntamos a Dossel como é a relação dele com esses meios. “A internet e suas ferramentas de comunicação e distribuição de conteúdo vêm influenciando o surgimento de novos artistas e isso é maravilhoso. Ao mesmo tempo – esse espaço que nasce para democrático e de construção de novas comunidades e espaços virtuais – acaba sendo mais uma máquina onde o capital atua e acaba influenciando o comportamento dos usuários”, reflete.
No entanto para o músico existe um lado extremamente positivo para essas mídias: o de ser um canal direto dos artistas com o seu público. “A rede acaba sendo uma janela direta do artista com seu público, sendo possível através de um trabalho contínuo e planejado, a construção de público e uma relação com o mesmo. Temo um pouco como o imediatismo das redes pode afetar nosso comportamento e a interferência disso na produção (já há indícios e sinais dessa influência direta). Busco ter uma relação saudável com as plataformas, no sentido de não me sentir trabalhando para ela e estabelecer uma relação de ferramenta, com uso tanto quanto planejado quanto natural de acordo com o que há de se pretender compartilhar e construir a partir desses meios”.
No fim dessa conversa, Barrucho fez uma reflexão sobre um dos pensamentos do poeta Ferreira Gullar (1930 – 2016), ‘A arte só existe porque a vida não basta’. Para o música a arte tem um papel fundamental em nossas vidas. “Antes dessa dicotomia, eu penso que arte e vida são complementares e inerentes entre si. Acho difícil dissociar uma coisa da outra. A arte só existe por conta da vida, e a falta dela nos mata por dentro. Ela nasce da nossa humanidade e nos alimenta mutuamente. Há quem viva sem arte num cotidiano burocrático da vida na cidade, afastado da ideia de se expressar artisticamente, por diversos e peculiares motivos, e essa vida dissociada da experiência do consumo de arte não bastaria à nossa existência, morreríamos de inanição. A arte ocupa um lugar comum de despertar e acesso a sensibilidade humana, nos invade por inteiro com a sua potência e movimento, tal como nos afaga e abraça com sua ternura. Fora desse lugar comum há uma relação muito pessoal que é construída a partir dos próprios hábitos familiares, costumes que passam ao longo de gerações, influências e estímulos que moldam de maneira ímpar como nos relacionamos com a linguagens artísticas”, conclui.
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