*Por Simone Gondim
Não era a primeira live de Marcelo Falcão, mas certamente foi a mais longa. O show no terraço da Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, começou com o dia ainda claro, se estendeu pela noite de domingo (19 de julho) e atravessou a madrugada de segunda. Foram mais de 10 horas de música, com arrecadação destinada à CUFA (Central Única das Favelas) e aos técnicos da banda de Falcão, o pessoal da graxa. Batizada de “Louco pra voltar”, a apresentação foi coerente com o lado crítico, combativo e solidário do artista, que começou fazendo um minuto de silêncio pelos mais de 75 mil mortos por Covid-19 no Brasil. Fazendo um trocadilho com o nome de um dos álbuns da antiga banda de Falcão, pode-se dizer que foi o silêncio que precedeu o esporro: do primeiro acorde em diante, o cantor, os músicos e o DJ Negralha praticamente não tiveram descanso.
O repertório, variadíssimo, teve espaço para músicas do primeiro disco solo de Falcão, “VIVER (mais leve que o ar)”, sucessos d’O Rappa, reggae de Bob Marley e Gregory Isaacs, participação do rapper Filipe Ret e até uma versão de “Morena tropicana”, de Alceu Valença. Embora não houvesse público presente do lado de dentro da Fundição Progresso, por questão de segurança, dava para perceber que um grupo grande de fãs, chamados de Família MF, acompanhava a live lá embaixo, na rua mesmo. Entre feliz e preocupado, o cantor agradecia a presença, mas fazia questão de reforçar a importância do distanciamento e do uso de máscara e álcool gel como forma de proteção contra o coronavírus. Em um determinado momento, alguém da produção desceu e entregou máscaras e álcool gel a alguns integrantes dessa plateia improvisada.
Além de cantar as músicas previstas, Falcão fez homenagens a Marcelo Yuka, Chorão, Tom Capone, Mano Oroshi, Perfeito Fortuna e Francisco Brennand, entre outros. Ao começar a cantar “Podes crer”, do Cidade Negra, o ex-vocalista d’O Rappa não segurou a emoção. “Não consigo cantar essa música. Acho foda, tem um poder violento”, explicou, enxugando os olhos marejados.
Na banda de Falcão, tirando o cantor e o trio de sopros, todos estavam de máscara. As poucas pessoas que podiam ser vistas por trás das câmeras, também. Antes de tocar a música “Ladrões”, o artista fez duras críticas ao superfaturamento de material de saúde em plena pandemia, chamando de “almas sebosas” os responsáveis pelo desvio de dinheiro que seria destinado a hospitais de campanha. “Trabalhei em CTI e UTI, sei o desespero das pessoas ao verem alguém da família internado em estado grave”, garantiu.
Para demonstrar sua gratidão aos fãs, em mais de uma ocasião Falcão foi até a beira da grade cantar de costas para as câmeras, mas de frente para o público. Na primeira vez que apresentou “O que sobrou do céu”, sucesso d’O Rappa, ele foi acompanhado apenas pela guitarrista Juliana Vieira, um dos destaques e a única mulher da banda.
A atuação de Filipe Ret foi além de dividir os vocais com Falcão em sucessos como “A minha alma” e “Rodo cotidiano”. Tecendo vários elogios a Filipe, o dono da live cantou, mais de uma vez, “Louco pra voltar”, do repertório do convidado. Além disso, saiu de cena para o rapper brilhar sozinho com “Ilusão” e “Invicto”. Ao longo da noite, Filipe voltou ao palco, com a anuência de Falcão, para mais participações.
O público que ainda estava assistindo lá pela sexta hora foi brindado com belas versões para músicas de Tim Maia, como “Você” e “Eu amo você” – embora Falcão não chegue nem perto do vozeirão de Maia, ele não fez feio. Novamente, Juliana Vieira brilhou na guitarra, junto com o trio formado por Vinicius, Lucas Lima e Arimatéia, responsável por saxofone e metais.
Mas, em uma live tão extensa, também houve espaço para erro. Nas vezes em que Marcelo Falcão foi fazer intervalos um pouco mais longos, deixou o irmão, Vinicius Falcão, cantando músicas do Cidade Negra, banda do baixista Bino Farias. Não dava para saber se faltou ensaio a Vinicius ou era o caso de desconsiderar o microfone de vez, embora ele tenha participado dos Loucomotivos como backing vocal. A única certeza é que os momentos de Vinicius no palco eram ótimos para levantar e ir buscar algo para beber, fazer um lanchinho ou ir ao banheiro. Teria sido melhor que Marcelo deixasse o irmão restrito aos bastidores, cuidando do marketing da live.
Outro problema da live de Falcão foi justamente a duração. É praticamente impossível que alguém tenha aguentado acompanhar o show do começo ao fim. Eu, por exemplo, desisti depois de nove horas seguidas. Quando fechei a janela do YouTube, Marcelo Falcão fazia rap em “Me dê motivo”, de Tim Maia, depois de apresentar uma versão reggae para “Como é grande o meu amor por você”, sucesso de Roberto Carlos.
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