*Por Rafael Moura
O ferro é um elemento químico dos mais abundantes no universo, afinal o núcleo da Terra é principalmente composto por ele e por níquel. ‘Ferro‘ é o novo álbum do cantor Romero Ferro, o qual o site Heloisa Tolipan teve a oportunidade de ouvir, numa audição especial na Vila Aymoré (um casarão super charmoso no bucólico bairro da Glória, no Rio de Janeiro, que mistura galerias de arte, restaurante, escritórios de co-working e espaço de eventos) em que pudemos conhecer esse segundo trabalho que está sendo lançado pelo selo Altafonte. O disco traz a força e a intensidade de ritmos, mostrando um novo olhar do pop que mergulhou no brega, em hits que prometem dominar as pistas de dança pelo país por sua porção mais eletrônica e dançante. Com uma massa atômica bem diversa que traz a combinação de referências que incluem David Bowie, Kraftwerk, Depeche Mode, Reginaldo Rossi, Ritchie, axé music, tecnopop, reggaeton, bolero, house, tecnomelody, funk, pagode, trap e Zezé di Camargo & Luciano, para ‘viver uma parada louca’.
Esse ‘verdadeiro amor’ se solidifica logo na capa de forma explícita com a arte de Tomaz Alencar sobre fotos de Lana Pinho, com efeitos de luz néon, figurinos e um colorido cítrico e intenso remetem à new wave da década de 1980, que também está na base da sonoridade do álbum. Nascido em Garanhuns, interior de Pernambuco, Romero vem de família tradicional e teve uma criação rígida. “Esse coração de ferro é muito simbólico. Eu estava ali meio duro e, agora, estou me deixando mergulhar mais e falando da minha vida e do que eu sou. A gente precisa sofrer pra aprender certas coisas. O que não posso é perder a vontade de mergulhar e viver intensamente”, diz esse fã do “exagerado” Cazuza. Essas revelações dão o tom libertário do álbum, tanto nas letras das canções quanto na sonoridade sem fronteiras. Amor e dor, o corpo e o prazer são as hastes de sua bandeira ‘pra te conquistar’.
‘Pra te conquistar’ Romero fez um mix com parceiros, os conterrâneos Barro, Duda Beat e Leo D. (também responsável pela mixagem e masterização do álbum), além do paraense Felipe Cordeiro, em cinco das nove composições autorais e inéditas. Para deixar ‘o corpo em brasa’,Ferro trouxe o pernambucano Otto, Duda Beat (expoente da brega wave), a cantora Mel (Ex-Banda Uó) e o rapper gay baiano Hiran (que esteve no palco do Circo Voador com a cantora Majur), além de uma reinterpretação estilosa de ‘Você Vai Ver‘ (Elias Muniz e Carlos Colla), lançada por Zezé di Camargo e Luciano em 1994, que remete à infância de Romero. “Esse é um trabalho em que realmente permiti que meu coração fosse aberto de forma muito honesta, falando sobre meus sentimentos, minha sexualidade, meus posicionamentos políticos sem medo”, ressalta Romero.
Mostrando ‘tolerância zero’ a faixa, composta por Barro, Felipe Cordeiro e Romero Ferro, é um manifesto contra a ignorância que recai sobre o que foge dos padrões, pela irreversível soberania da diversidade de toda forma de amor. Romero diz que faltava a ele entender seu “lugar no mundo” junto com tantos outros artistas brasileiros, mesmo tendo lançado um primeiro álbum promissor. “Só tive esse know how quando comecei a pesquisar… O “Ferro” veio num processo muito passo-a-passo, não foi uma virada de uma hora para outra. Tanto pelo entendimento de que seria um disco pautado em cima da new wave e do brega, embora pra mim ele seja tropical, como pelo entendimento de como usar minha sexualidade a meu favor, sem parecer que eu estava me aproveitando da questão LGBTQI+, sem parecer que eu estava levantando uma bandeira de forma vazia. Isso tudo veio com o tempo nos meus cinco anos de carreira. Calhou que juntei todas essas mudanças em mim e joguei com força no disco”, reflete.
Dois nomes são de suma importância neste disco para sentir esse ‘love por você’ – o diretor e empresário Maurício Spinelli e o produtor Patricktor4, sempre antenado sobre tudo do universo musical, desde linguagens sonoras até questões de mercado,’um aprendendo muito com o outro’. “A gente sabe que existe no Brasil uma dificuldade muito grande de se compreender pop e de se trabalhar música comercial de uma maneira bem feita, arrojada, mesmo tendo potencial gigantesco para isso. Os americanos, ingleses e suecos fazem isso muito bem. A experiência que eu trago do Pará, por ter trabalhado com Felipe Cordeiro e indiretamente com Gaby Amarantos, por ter contribuído ali para estruturar a cena, me deram suporte para arriscar a fazer esse trabalho com Romero”, explica Patrick, e completa: “Partimos de algo que eu imaginava que era a cara dele. Encontrei a intersecção entre o brega e a new wave, que é tanto estética em termos de timbragens quanto é de temática, dessa novela latina que fica falando do amor incompreendido, de dor-de-cotovelo, da saudade. Isso está na new wave também muito forte. Sugeri a ele fazer esse encontro que é super ousado”, prossegue Patrick, que cunhou o termo brega wave, mas prefere “onda nova” para essa fusão.
As faixas ‘Pra Te Conquistar’, ‘Acabar a Brincadeira‘ e ‘Corpo em Brasa‘ que foram lançadas paulatinamente são importantes para definir as soluções sonoras de todo o trabalho. “Tem gente que critica essa forma de trabalhar, mas para mim funcionou muito bem lançar os singles. Nem penso em fazer diferente. Primeiro que a gente aproveita melhor o trabalho, porque hoje as músicas estão sendo consumidas muito rapidamente e, um mês depois do lançamento o álbum, já está frio. Soltar de forma quebrada com singles para depois sair com ele completo é uma forma de prolongar a durabilidade, digamos. E também a gente vai entendendo melhor se aquilo está funcionando. Hoje penso muito no meu público quando estou escrevendo, quando a gente está produzindo, se quem está ouvindo vai curtir. Não deixo que isso seja um ponto principal para me fazer desistir de algo, mas preciso levar isso em consideração”, reflete Ferro.
Ele sabia que o segundo álbum ia ter mais balanço do que o anterior “Arsênico” por ter “essa veia latina forte de percussão e desse suingue quebrado, mas não sabia como ia ser”. “Maurício tinha sugerido que eu fizesse um disco voltado para o brega. Eu não sabia se isso ia dar certo, mas sou louco pelos anos 80 e também Patrick sugeriu misturar tudo. Encontramos com Leo D. e colocamos todas essas referências na mão dele pra testar. Ao mesmo tempo, eu comecei a compor pensando nessa estética e foi um exercício”, diz Romero. Bem diferente do “Arsênico“, em que já tinha as canções prontas.
E ‘pra acabar a brincadeira’ Ferro conta que é um disco para tocar nas pistas das festas e sentir a resposta das pessoas. “Nunca tinha feito algo assim e isso foi dando ideia dos caminhos que a gente ia seguir mais para frente. Esse jeito de trabalhar me deixou mais seguro, mais tranquilo. E acredito que meu próximo trabalho vai ser também dessa forma de sair pesquisando”. Esperamos ouvir muitos desses hits nas baladas de todos o Brasil. Axé!
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