*Por Carlos Lima Costa
Manifestações religiosas como o Círio de Nazaré também não passam ilesas diante da pandemia do Covid-19. As procissões dos fiéis que anualmente lotam as ruas de Belém na tradicional romaria de devoção à Nossa Senhora de Nazaré não irão acontecer este ano. Desta vez, a fé cristã deste evento declarado, em 2013, Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, será exercida com ajuda da tecnologia. Embaixadora do Círio no mundo, a cantora Fafá de Belém vai comandar uma live de abertura do Círio de Nazaré 2020, nesta segunda-feira, dia 5.
“Momento estranho que estamos vivendo. Eu e todo povo do Pará esperamos sempre o mês de outubro para estarmos nas ruas ao redor de Nossa Senhora de Nazaré levando nossas promessas, nosso agradecimento, gratidão e fé. Então, há um sentimento de frustração grande, com certeza, mas também temos a consciência de que precisamos ficar em casa. Esse ano, o Círio será comemorado com a família dentro de casa assistindo pela televisão, pela internet. Vamos reverenciar o nosso Círio particular para que em 2021 possamos estar nas ruas novamente, agradecendo a nossa saúde, a da família e a dos amigos”, ressalta a estrela paraense.
“A procissão estará dentro de nós. Acho que ninguém imaginou que viveria esta situação completamente inusitada onde o inimigo está no ar. Você não vê. Ele ataca uns, não ataca outros. Mata uns, não mata outros, se manifesta fortemente em uns, em outros é assintomático. É tudo muito estranho”, acrescenta a cantora sobre o Covid-19.
O evento vai ser realizado no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, com a participação do Padre Fábio de Melo e do maestro João Carlos Martins, com transmissão pelo canal do Youtube de Fafá e pelo canal da TV Círio. “Vai ser lindo esse encontro. Padre Fábio é um ícone em Belém, o povo do Pará adora ele, que fez alguns hinos para o Círio. Com ele, serão canções de seu repertório e outras cirianas. E o grande maestro e pianista maravilhoso vai nos dar a honra de tocar com a gente Ave Maria e também peças eruditas, de Villa-Lobos e de Waldemar Henrique, nosso grande compositor erudito da Amazônia. Vai ser muito emocionante”, assegura ela que teve a ideia deste espetáculo, após o padre lhe revelar que gostaria de participar da festa, este ano, mesmo que fosse virtualmente. O cenário desta apresentação será composto por projeções de momentos de fé da procissão.
Fafá, que tem participado de várias lives e aos poucos vai retomando a carreira, relata como encarou este novo normal. “Eu enfrentei a pandemia serenamente. Cheguei em casa dia 20 de março. No dia 19, eu estava fora de São Paulo, pedi que meus funcionários fossem para suas casas, deixassem a minha limpa e do lado de fora desinfetante, um saco e um roupão. Quando cheguei, tirei toda roupa, coloquei no saco, passei desinfetante nos pés, nas mãos, entrei em casa, joguei essa roupa no tanque de lavar roupa, tomei banho e fiquei quatro meses sem ir para a rua”, relembra. E prossegue seu relato: “À princípio foi estranho, mas depois comecei a enfrentar alguns questionamentos, a descobrir a minha casa. Ano passado, se eu dormi na minha cama 60 dias foi muito. Acho desde os meus 17 anos eu não passava quatro meses fechada comigo na minha casa. Claro que tem momentos que a gente fica mais angustiada, mas não dei nenhuma surtada. Fiquei no tripé de fé, esperança e alegria”, pontua ela, que sofreu ao saber de conhecidos que perderam a luta para o Covid-19. “Eu perdi muitos amigos, em Belém, além de Ercília, uma moça que me ajudou a cuidar da minha filha, Mariana. Ela foi atropelada pelo coronavírus. Foi muito violento e doloroso”, desabafa.
Mais do que nunca não podemos perder a fé? “Ela é fundamental em todos os momentos da vida da gente, principalmente quando tudo parece desandar. Acho que só a fé pode segurar a nossa esperança por novos tempos, apesar de tempos difíceis e complicados”, pondera.
Agora, em 2020, Fafá tinha muitos planos para celebrar dez anos do Varanda de Nazaré, espaço onde ela reúne personalidades para homenagear Nossa Senhora de Nazaré. Trabalhava nisso há dois anos. “Nossa programação teve que ser adaptada, vai ser transmitida também de forma virtual pelas mídias sociais. A Varanda é um instrumento para que as pessoas entendam a nossa religiosidade. A nossa fé, ela é feliz. Então, duas vezes por semana desde agosto fazemos lives falando dessa cultura, desse ser paraense”, explica. “Eu acho que até o final desse ano a gente vai adequando os nossos sonhos dentro das possibilidades possíveis”, completa.
E conta como o povo de sua terra natal se envolve com o Círio de Nazaré. “Todo paraense quando nasce assiste o primeiro Círio no colo de alguém. No ano seguinte, vai estar no parapeito com alguém segurando, sempre com as asinhas e a coroa de anjo. Então, todos nós não passamos sem”, frisa. Com as netas Laura e Júlia, de 8 e 4 anos respectivamente, não foi diferente. “Antes de completarem um ano, as meninas já estavam lá. Laurinha com oito meses, Juju com seis, sete meses. Maricota (a filha, Mariana Belém, mãe das netinhas) é quase uma paraense, que acompanha desde cedo também. O Círio tem uma corrente de amor muito forte. Por exemplo, A Juju já canta na procissão (risos). E, na realidade foi a Laura que pediu para cantar com a gente a música do padre Fábio”, explica sobre o encontro musical entre ela, a filha e a neta mais velha na canção Círio Outra Vez, em 2018.
Ao falar das netas, Fafá se desmancha. “Ser avó é uma delícia e minhas netas são maravilhosas, muito engraçadas, diferentes uma da outra. Laurinha é uma princesa, enquanto Juju é uma guerrilheira e é muito bom, porque a gente se diverte, dá risada. Somos transgressoras e brincamos muito. Elas participam bastante da minha vida e eu procuro participar da vida delas também de forma leve e generosa. É assim que temos que estar com as netas, com a vida, com a filha, enfim, de uma maneira cada vez mais leve tentando entender o universo delas e se fazendo entender por elas”, aponta.
A distância das três foi uma das partes mais complicadas decorrentes da quarentena. “Foi um tempo longo sem encontrá-las, até que eu e Mariana fizemos nosso primeiro exame PCR. Repetimos uma semana depois e aí ela veio morar na minha casa. As meninas estavam no sítio dos avós paternos assim que foram suspensas as aulas e até que a gente estivesse juntas demorou um tempo. Estou com elas menos do que eu gostaria, mas entendo que é fundamental. São novos tempos de adaptações para todo mundo, não é?”, questiona ela.
Não faltavam planos para Fafá nesta fase de seus 45 anos de carreira. “Tinha programado uma série de projetos e aí veio essa pandemia que fez com que a gente repensasse tudo. Eu atribuo ao amadurecimento a capacidade de me adaptar e me reinventar. Quando a gente acha que sabe tudo, se joga. Continuo me jogando, mas tentando cada vez mais entender como é que está ao meu redor. Não sou de ficar sentada sobre o meu baú, contando histórias do que eu já fui. Entendo que nós somos e seremos eternamente se a gente continuar caminhando e olhando para o mundo de frente e com abertura”, assegura a estrela que já tem feito espetáculos com o público. “Eu fiz em Portugal, dia nove de agosto, uma live, em Fátima, uma coisa muito emocionante e importante na minha vida. A primeira brasileira a fazer uma live em streaming mundial. Tivemos casa lotada, tanto presencial quanto a venda foi maravilhosa do evento. Então, já tive o público. A gente sente falta do aplauso, dos olhos, do bate e volta. Agora, acabei de fazer outro show, em Lisboa, foi maravilhoso. Então, aos poucos a gente vai voltando ao normal. Mas sou de um tempo onde a gente lançava os nossos clipes no Fantástico. O público estava nos olhos e na lente da câmera da televisão. Então, fiz uma viagem para esse tempo. Cada live que eu faço, imagino que estou fazendo um clipe do Fantástico, onde eu tinha que me comunicar através da lente da televisão lançando uma nova música, um novo disco. Assim tenho feito e tenho ficado muito feliz”, conta.
E Fafá já sabe a primeira providência que vai fazer quando a pandemia passar. “Quero dar uma festa na minha casa, daquelas festas que eu adoro realizar, que começam, às 11 da manhã, tem um grande almoço e a gente vai dançando até às três da madrugada. Esse é o meu compromisso com os meus amigos para quando tudo isso acabar”, finaliza.
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