SENAI CETIQT: Live ‘Oportunidades para a Economia Circular no Brasil’ e o case de sucesso da Cotton Move


A live abordou a questão da reciclagem pré e pós-consumo, o ecossistema de inovação, a transparência na cadeia de fornecimento e as estratégias para o desenvolvimento de produtos circulares e ambientalmente responsáveis a partir de fibras recicladas nas ações da Cotton Move, empresa que desenvolve tecidos sustentáveis a partir da reciclagem. O fundador da empresa, José Guilherme Teixeira, pontua: ‘Vamos levar ao consumidor a ideia de tornar os próximos anos melhores para nós, com soluções mais limpas. O descarte pré-consumo no país é gigantesco, pois a indústria funciona aqui. É diferente da Europa, que compra produtos prontos. Por isso, criamos ferramentas para recolher esse material das indústrias parceiras e utilizá-lo em nossa cadeia produtiva. Para material do pós-consumo, nós nos conectamos aos operadores de varejo e recebemos um determinado fluxo de peças para desenvolver novos produto”

Temos visto os importantes exemplos de empresas que estão implementando em seus parques industriais o modelo de produção circular. Incentivador de primeira hora, justamente, da produção não-linear, que levará a indústria têxtil e de confecção a um importante patamar de colaboração para um mundo mais sustentável, o SENAI CETIQT promoveu a live “Oportunidades para a Economia Circular no Brasil”, dentro do Projeto Moda Circular: O Início de um Novo Ciclo para a Indústria da Moda, realizado em parceria com a Laudes Foundation visando apoiar a transição da moda brasileira para o novo modelo de produção e consumo. Ao longo de uma hora, a pesquisadora do Projeto Moda Circular Maria Eloisa Conceição e a consultora do Instituto SENAI de Tecnologia Têxtil e de Confecção Michelle Souza tiveram uma conversa esclarecedora com José Guilherme Teixeira, fundador e gestor da Cotton Move, empresa que elabora projetos e desenvolve tecidos sustentáveis a partir da reciclagem.

A live abordou a questão da reciclagem pré e pós-consumo, o ecossistema de inovação, a transparência na cadeia de fornecimento e as estratégias para o desenvolvimento de produtos circulares e ambientalmente responsáveis a partir de fibras recicladas. O Brasil representa hoje a quinta maior indústria têxtil do mundo, o segundo maior produtor de denim e o terceiro na produção de malhas. A pesquisadora Maria Eloisa dá mais detalhes: “A cadeia produtiva de jeanswear brasileira é uma das principais do mundo, pois vai da produção das fibras à confecção das peças. Um dos princípios da Carta da Indústria da Moda para a Ação Climática, atualizada na COP26, é o de comprometer-se a priorizar materiais de baixo impacto climático sem afetar negativamente outros aspectos da sustentabilidade – o que inclui explorar todo o ciclo de vida da fibra. É isso que a Cotton Move faz ao produzir a partir da reciclagem de resíduos têxteis”.

 

A empresa surgiu graças à demanda de um grande varejista que buscava reduzir os impactos da cadeia de suprimento reaproveitando o descarte do pré-consumo. “Mas a minha história com produtos sustentáveis é bem anterior, vem desde o final dos anos 90. Em 1998 já estávamos tentando emplacar nossos produtos, como algodão orgânico, tingimento de baixo impacto etc. Tentamos ao longo dos anos, mas o mercado ainda não estava maduro. Não havia a adesão que percebemos hoje, e não apenas no varejo”, conta o criador da Cotton Move. “O varejo puxa a indústria, é o grande agente transformador. E o agente transformador do varejo é o consumidor, que opta, cada vez mais, pelo consumo consciente”.

O hábito de o consumidor optar por produtos sustentáveis amadureceu muito rapidamente, inclusive durante a pandemia. E, no final de 2020, a Cotton Move lançou o primeiro jeans pós-consumo. Foram aplicados processos regenerativos e de logística reversa em todas as etapas industriais: fiação, tecelagem, confecção e pós-consumo. E, assim, construído o produto, ou seja, a peça pronta com os resíduos das etapas industriais e o descarte do consumidor. “Acho que foi o primeiro das Américas. Um grande trabalho de manufatura reversa e enfrentando uma série de desafios. E foi ótimo”, revela José Guilherme Teixeira, acrescentando que, a partir desse lançamento, o cenário mudou. “Começamos a ter escala, volume, massa física. Tudo aquilo de que o ambiente Industrial necessita para colocar os projetos em prática. Hoje temos várias marcas e organizações de varejo trabalhando com a gente. E o desejo é ampliar a rede, o movimento, principalmente nessa matéria-prima que é uma matriz brasileira. O Brasil detém a cadeia completa da indústria têxtil”.

E acrescenta que buscou no mercado pessoas do setor têxtil – varejistas, indústrias, produtores – que acreditavam que já deveria existir um ponto de mudança em tudo que sempre foi feito de forma linear. “Na realidade, fomos costurando, fizemos uma grande coleta juntando indústrias, varejistas pequenos, marcas, designers. Cada um colocando seu tijolinho para montar o alicerce e fazer o movimento”, diz.

Nesse ponto, a consultora Michelle Souza levanta uma questão extremamente relevante: como as pessoas podem contribuir efetivamente para que produtos reciclados voltem para o ciclo produtivo? “Antes de mais nada, é preciso ter em mente que a valorização da sustentabilidade é uma questão cultural. O cidadão precisa entender o problema e se envolver com a busca de soluções sustentáveis”, observa.

“Vamos levar ao consumidor a ideia de tornar os próximos anos melhores para nós, com soluções mais limpas. O descarte pré-consumo no Brasil é gigantesco, pois a indústria funciona aqui. É diferente da Europa, que compra produtos prontos, Mas, como se tratam de sociedades consumistas, o cenário pós-consumo lá é imenso. O nosso é igual, mas não é organizado”, compara José Guilherme Teixeira. “Por isso, criamos ferramentas para recolher esse material das indústrias parceiras e utilizá-lo em nossa cadeia produtiva. Para material do pós-consumo, nós nos conectamos aos operadores de varejo utilizando algumas iniciativas deles e recebemos um determinado fluxo de peças para desenvolver novos produtos”.

Para acelerar a transição da indústria têxtil brasileira para o formato circular, porém, ainda temos bastante chão pela frente. Uma pesquisa realizada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) em 2019 mostrou que mais de 76 por cento das indústrias nacionais adotam alguma prática de economia circular. No entanto, a maior parte dos empresários não faz ideia de que suas iniciativas se enquadram nesse conceito: nada menos que 70% dos que responderam à pesquisa sequer tinha ouvido falar sobre o assunto antes de participar do levantamento. No entanto, durante a pandemia, houve um novo olhar para os negócios: assim como os consumidores mudaram, as empresas precisaram se reinventar para encarar o mundo novo que foi se formando ao longo desse período.

Uma das soluções encontradas pelo setor foi cooperar entre si para manter suas entregas, numa espécie de concorrência colaborativa. “Sabemos que a complexidade da cadeia de suprimentos da indústria da moda torna essa articulação mais difícil. As partes envolvidas ainda estão pouco articuladas, enquanto falamos muito em ecossistemas de Inovação”, adverte Maria Eloisa Conceição. Para o gestor da Cotton Move, o material humano é de suma importância.

Reaproveitar peças do vestuário e sustentar seu valor pelo máximo de tempo possível para, depois, reincorporá-las à cadeia de consumo ao invés de descartá-las é o suprassumo da circularidade. Mas os produtos manufaturados de forma ecologicamente responsável, tendo sempre a sustentabilidade em mente, têm uma “questão”: “Não existe produção de roupa de forma correta que seja barata. Para confeccionar roupa de baixo custo, será preciso romper um elo em alguma etapa industrial. É inevitável. Em dezembro, vamos conectar os atores e lançar um aplicativo tanto na web como no celular contando sobre o privilégio dessa nossa cadeia. Precisamos explicar tudo para o consumidor e até para a própria indústria. O objetivo desse aplicativo é educar o consumidor no descarte consciente. E espero que a gente também possa aplica-lo na questão do plástico na área de alimentos”. A realidade é que a indústria e o varejo de moda são muito cobrados, mas o consumidor também tem o papel dele. A proposta é envolver o cliente nesse movimento para termos essa adesão.

O tema “descarte” nos remete imediatamente à questão da rastreabilidade. Afinal, como conferir transparência ao processo? Como informam que certa peça foi reciclada de pós-consumo ou de pré-consumo? Afinal, muitas vezes, a informação chega ao consumidor, mas ele não entende. “Desde o surgimento da Cotton Move, buscamos certificações nas áreas ambiental e social. Nossos parceiros idem. Fomos a primeira empresa das Américas a ter um produto pós-consumo certificado em toda a cadeia, não num sentido linear, mas no sentido circular”, explica José Guilherme Teixeira. “Contamos todo esse esforço na web, na página da empresa, no Instagram etc. Mas o cliente, quando está consumindo, não consegue absorver essa informação. Então, resolvemos buscar parceiros no mercado. A Rastra lançou um aplicativo com tecnologia de blockchain que reúne todos os atributos de sustentabilidade em um produto. Além de contarmos um pouco da história daquele produto, vamos contar os atributos de sustentabilidade”.

O criador da Cotton Move chama a atenção, também, para o brainwashing, que é o uso de imagens e textos para divulgar ações que determinada empresa, na realidade, não realiza: “Infelizmente, na indústria têxtil temos degraus gigantescos entre empresas que realmente realizam ações de sustentabilidade e economia circular e empresas que renegam isso. O Senado votou a Lei 6.545, que dá apoio a várias iniciativas de reciclagem, porque, para chegarmos a um processo circular, a primeira etapa é termos uma estrutura de reciclagem em matéria-prima. Estamos até criando novas etapas, novos indicadores para poder contar para o consumidor que aquela peça já foi outra coisa, economizou X de água e gastou tanto de energia. Precisamos desenvolver todos esses OCDs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) porque não há estudo publicado”.

“Sempre trabalhamos por esse processo evolutivo para haver transparência e informações e no produto. Queremos entregar a informação para o consumidor para ele sentir que realmente é um valor percebido de sustentabilidade e tomar a decisão certa”, pontua José Guilherme. Dá para imaginar o grau de informação que teremos quando as peças vierem com QRs Codes contendo todas as informações sobre quando surgiram e de onde vieram. A ideia aqui é fazer com que o consumidor sinta que realmente é um valor percebido de sustentabilidade e tome decisões corretas: “Eu poderia simplesmente contar de onde a peça veio. Mas acho importante contar que veio do organismo de varejo X, na data Y, e se transformou naquela outra peça. O importante é integrar a cadeia. A transparência precisa existir, porque, se a informação estiver errada, alguém vai responder por isso”.

E, com isso, chegamos ao fator humano, essencial em debates sobre sustentabilidade e circularidade: quem responde por todo o processo? “Nós começamos pela mentalidade das pessoas, com o gestor. É assim: 100 por cento são as pessoas. O maquinário ajuda, mas quem está operando, criando, costurando é humano. Sem o fator humano não roda. Eu não sei te dizer o que é ter uma fábrica supermoderna onde não preciso nem falar com as pessoas. Já há fábricas onde você coloca a matéria-prima de um lado e o produto sai pronto do outro. Nós precisamos fazer o trabalho de base de convencer as pessoas para fazer o que fazemos. O valor das pessoas é muito importante no projeto”, faz questão de frisar José Guilherme Teixeira. “O aspecto social é, inclusive, um dos três pilares de sustentabilidade (os outros dois são o ambiental e o econômico), mas ainda falamos muito do produto, porque é ele vendendo lá na ponta que faz a roda girar”.

A concorrência é, em diversas ocasiões, injusta e descabida. O produto circular não deve, por exemplo, ser comparado ao convencional. “A origem da matéria-prima é diferente. É algodão, mas um algodão com outras características: a fibra é mais curta, tem incidência de cor, os lotes não são padronizados. Muitas vezes fazem comentários inadequados desmerecendo o trabalho de todo um grupo que se esforçou para colocar aquele produto na área de vendas. A questão social é um alicerce. Não existe sustentabilidade sem o olhar social e sem o controle”, desabafa José Guilherme. “Por que temos que evidenciar, por exemplo, a questão legal de um documento social do DNA da peça? Porque temos concorrentes que fazem aquilo sem conformidade social vendendo pelos mesmos preços que eu. Temos um controle muito rígido, tanto que queremos utilizar a tecnologia de blockchain para controlar isso e informar ao consumidor que ele está comprando um produto feito de forma ética”.