SENAI CETIQT: como tecidos feitos a partir de fibra de bananeira contribuem para a diminuição do impacto ambiental


“Algumas propriedades da fibra de bananeira são o fato de render um tecido quase neutro em carbono; uma textura mais delicada quando comparada ao cânhamo e à juta; ser suave, flexível e brilhante: a coloração natural dela é bem legal, não utilizamos nenhum tipo de tingimento, fizemos testes e obtivemos resultados. Além disso, é biodegradável e tem a resistência da própria fibra, que é alta”, pontua Leandro Alves, sócio-fundador da MusaFiber, pioneira no Brasil no ramo de produção de tecidos ecológicos feitos a partir de fibras da bananeira

Já contei em primeira mão para você, leitor, sobre o projeto do SENAI CETIQT com a empresa MusaFiber que resultou no desenvolvimento de produtos têxteis sustentáveis a partir da fibra da bananeira. Hoje, proponho fazermos uma imersão na linha do tempo da pesquisa e como, a partir de uma produção em larga escala, a indústria e consumidores de artigos têxteis poderão contribuir para o meio ambiente. Antes de se graduar pela USP, em 2018, o engenheiro mecânico Leandro Alves conheceu um professor colombiano que desenvolvia embalagens biodegradáveis a partir do caule da bananeira. Essa foi a inspiração para ele tornar-se sócio-fundador da MusaFiber, empresa que desenvolveu um projeto em parceria com o Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras (ISI), do CETIQT, e tornou-se pioneira no Brasil no ramo de produção de tecidos ecológicos feitos a partir de fibras da bananeira. Do caule descartado nas plantações, obtém-se a fibra, que é transformada em tecido.

“Desde o começo, eu estava interessado em saber mais sobre a fibra que constitui esse caule e suas aplicações no ramo têxtil e em como tornar isso viável economicamente para gerar valor para toda a cadeia e poder disponibilizar para o mercado. O tecido vem para agregar uma nova possibilidade para a indústria, dando possibilidade das pessoas consumirem esse produto, e assim, diminuir o consumo de outros tecidos e materiais que causam maior impacto no meio ambiente. Na Índia, por exemplo, os produtores de artigos têxteis que tentam usar o caule como matéria-prima faziam de forma muito manual, o que deixava o produto caríssimo. Uma pena, pois a fibra é de altíssima qualidade. O Brasil é o quinto maior produtor de banana do mundo e gera 20 milhões de toneladas desses resíduos descartados das plantações. Precisávamos fazer algo significativo para obtermos a fibra e ela ser transformada em tecido para os mais diversos produtos”, comenta Leandro Alves, que foi convidado para falar na live “Gerando Valor na Biodiversidade Brasileira“, promovida pelo Projeto Moda Circular: O Início de Um Novo Ciclo para a Indústria da Moda, fruto de uma parceria entre o SENAI CETIQT e a Laudes Foundation. Conduzida pela consultora do Instituto SENAI de Tecnologia Têxtil e de Confecção Michelle Souza, a live contou, também, com a participação pesquisador na Coordenação de Inovação em Fibras do SENAI CETIQT, Ricardo Cecci.

A produção mundial de bananas é de 125 milhões de toneladas por ano. No Brasil esse número gira em torno de 7 milhões de toneladas anuais. Se produzimos esta quantidade e para cada bananeira temos um caule descartado para que outro cresça e dê mais bananas, a quantidade de resíduo gerado é imensurável. E temos muitas possibilidades para explorar a fibra a partir do caule da bananeira. “Algumas propriedades da fibra de bananeira são o fato de render um tecido quase neutro em carbono; uma textura mais delicada quando comparada ao cânhamo e à juta; ser suave, flexível e brilhante: a coloração natural dela é bem legal, não utilizamos nenhum tipo de tingimento, fizemos testes e obtivemos resultados. Mas ela aceita diversos tipos de corantes. O próprio resíduo gerado no tratamento da fibra foi utilizado para tingimento. Ele gera um líquido, nós aquecemos e constatamos uma boa aderência também em outros tipos de fibra, além de ser um possível aproveitamento do que é gerado no processo”, explica o sócio-fundador da MusaFiber. “Além disso, é biodegradável e tem a resistência da própria fibra, que é alta”.

O jovem engenheiro mecânico decidiu estudar todos os processos da plantação e colheita da banana. E deparou-se com a questão dos resíduos: “Você tem o pé de banana. Ele cresce, dá uma penca e, quando ela é colhida, o pseudocaule precisa ser cortado junto. Aí, nasce outro. Os pseudocaules que já tiveram as pencas colhidas ficam descartados no meio da plantação se decompondo e gerando nutrientes. Mas podem gerar problemas também, como fungos, se não forem bem cuidados”. Leandro pensou nos milhões de toneladas de bananas que são produzidos todos os anos no país. Se para cada penca um caule é descartado, a quantidade de matéria-prima, somente no Brasil, é imensa. “Formado por fibras celulósicas de boas características morfológicas, o caule é como uma composição de folhas: são várias camadas que vão se sobrepondo para formá-lo”, observa Alves, lembrando que há 300 anos o Japão já utilizava a fibra de bananeira para fazer tapetes, cordas e até para substituir a seda.

De acordo com o palestrante, a fibra desenvolvida na Índia tem um aspecto rústico, que lembra o sisal e a juta, mais adequado a cortinas e tapetes, não sendo exatamente indicado para o contato com a pele. Para se fazer os vestidos japoneses usava-se um método bem trabalhoso: eles pegavam fio por fio e emendavam um no outro. Acabavam com um tecido mais delicado, mas com um trabalho muito grande por trás, que é dar um nó fio por fio.

À época das pesquisas, Leandro Alves diz que se deparou com artigos sobre como utilizar a fibra da polpa, formar uma base celulósica para produzir fios também. Mas essa produção não era viável. A quantidade de celulose que vinha do pseudocaule era muito baixa quando comparada com outras plantas. Não era rentável trabalhar em cima disso, havia mais espaço para pensar em novas possibilidades. “Havia uma empresa na França que fazia compósitos com o pseudocaule, mas, desde o começo, eu estava interessado na questão da aplicação têxtil e em como tornar isso viável economicamente para gerar valor para toda a cadeia e poder disponibilizar para o mercado de uma maneira mais acessível”.

Leandro Alves, então, teve contato com pesquisadores do SENAI CETIQT. “Havia um edital aberto para quem quisesse desenvolver o produto têxtil junto com a instituição. Nosso projeto foi aprovado e, com o auxílio de especialistas, as pesquisas começaram a andar. Foram muitos aprendizados, viagens, opiniões, artigos, testes. Desbravamos o que era possível e constatamos que realmente conseguiríamos trabalhar no Brasil com a fibra curta para poder usar equipamentos nacionais”, revela, acrescentando que foi necessário aperfeiçoar processos para torná-la mais macia e fiável. Com a pesquisa foram desenvolvidos protótipos, com espaço para novas possibilidades em um processo sempre sustentável”.

E ainda pontua: “Nós conseguimos gerar os protótipos, aprendemos muito sobre a fibra, entendemos como funcionava e como poderíamos trabalhar com ela. Envolvemos a UFRJ e o IME, fizemos parcerias para alguns testes. Conseguimos desenvolver uma pesquisa como poucos lugares no mundo fazem. Hoje temos um conhecimento bem maior. Se você quer explorar o resíduo do pseudocaule, a fibra corresponde a dois, três por cento dele. Noventa e sete por cento da massa podem ser explorados de outras formas, como cosméticos, perfumaria, comida etc. Existem ‘N’ possibilidades”.

“Para poder fazer a fiação em fibra curta, foi necessário compor com outras fibras, pois a fibra de bananeira, por mais que tratada tenha propriedades semelhantes à do algodão, tem um pouco mais de dificuldade na hora de formar a manta. Quando forma a manta, não tem capacidade tão alta de entrelaçamento. É preciso trabalhar com outra fibra para aumentar a possibilidade de uma melhor fiação. Sempre visando ter uma fibra de bananeira cada vez melhor, mas também pensando no custo-benefício. Deve-se tentar encontrar esse equilíbrio, regular a composição para gerar um fio cada vez melhor. E dá para ser criativo com a outra fibra: já foram feitos trabalhos com lã, algodão, PET – com ‘N’ fibras curtas. Importante é aproveitar essas composições para chegar a um produto final que atenda às suas necessidades”, diz Leandro.

O pesquisador na Coordenação de Inovação em Fibras do SENAI CETIQT, Ricardo Cecci fala sobre o desafio de lidar com o projeto: “Tivemos que adaptar os equipamentos de uma fiação de algodão. O primeiro desafio foi extrair a fibra. Não só por uma questão de característica química, mas também pelo tamanho. Mas há processos para se eliminar um pouco da lignina do material. Desenvolvemos processos químicos para deslignificar o material e deixá-lo com uma textura próxima à do algodão. O segundo passo foi fazer o escalonamento industrial e conseguimos criar um lote-piloto”.

Leandro Alves conta que está chegando a um processo de produção mais barato e que, em breve, terá o processo acessível. Assim será possível montar uma produção para disponibilizar para o mercado. De qualquer forma, hoje a MusaFiber consegue produzir tecido plano e malha. Os protótipos foram executados principalmente com tecido plano. No entanto, como foram utilizados equipamentos voltados para a fiação de fibra de lã, o resultado foi interessante. Hoje daria para produzir tranquilamente chapéu, bolsa, cabedal para sapato, shorts – possibilidades atraentes, além de itens de decoração em geral, como sofás, estofados etc.

Produtos têxteis a partir resíduo agrícola da bananicultura

Produtos têxteis a partir resíduo agrícola da bananicultura

Temos um mercado enorme para o têxtil brasileiro e as fibras naturais vêm crescendo cada vez mais nesse mercado, pois as pessoas estão mudando seus hábitos de consumo e buscando produtos com menor impacto. Isso tem contribuído para esse projeto avançar cada vez mais. O mercado têxtil brasileiro está em crescimento. O faturamento da cadeia têxtil e de confecção foi de R$ 177 bilhões em 2018 para R$ 185,7 bilhões em 2020, um crescimento de 5%. O mercado de fibras ecológicas também cresce em escala global: tem crescimento previsto de mais de 4,5% ao ano entre 2020 e 2027. Ao mesmo tempo, 42% dos consumidores brasileiros estão mudando seus hábitos de consumo para reduzir seu impacto no meio ambiente.

“No Brasil nós temos todas as matérias-primas possíveis para avançar no mercado de moda sustentável. Temos muito a explorar e a tentar desenvolver. A banana é uma das fibras naturais, temos outras já utilizadas. O sisal é uma super referência no país, como a juta. Mas ainda há muitas a serem exploradas. Temos iniciativas com a fibra de abacaxi, com a de coco. São muitas outras fibras que ainda temos para desenvolver, aperfeiçoar, tornar cada vez mais populares. E o país tem tudo para se destacar globalmente nessas iniciativas”, aposta Leandro Alves, lembrando que o Brasil é um dos únicos países que possuem toda a cadeia de moda internamente, desde a plantação da matéria-prima até a venda. “Essa é uma mega vantagem competitiva que devemos aproveitar”.

No entanto, há questões da indústria da moda que precisam ser trabalhadas. Na produção de algodão, por exemplo, temos consumo super elevado e desperdício de água, além de um uso altíssimo de agrotóxicos. Já as fontes de fibra sintética, os combustíveis fósseis, não são renováveis: temos o consumo e depois não conseguimos mais reutilizar, têm impacto no meio ambiente, pois não se degradam.

Transportando o pseudocaule

Como qualquer plantação, a banana tem seu momento de ser colhida. Junto com ela vai o pseudocaule, como já sabemos. Caso o pseudocaule fique na plantação por muito tempo, ele apodrece rapidamente, inutilizando a fibra. Leandro Alves explica como fazer: “Trabalhamos um cronograma com as propriedades. Fazemos um pré-agendamento da extração com o produtor. O produtor passa a data em que fará a retirada dos pseudocaules e o equipamento já vai para a fazenda para extrair a fibra. O trabalho é sincronizado para que a gente não perca esse material orgânico que se decompõe rapidamente”.

A partir do momento em que é extraído, lavado e se torna fibra limpa para ser processada, a velocidade de degeneração não é mais tão rápida. Mantida num ambiente reservado, ela não apodrece tão rapidamente. É necessário tomar cuidado com fungos, por exemplo, por ser uma fibra natural. Tem fibras que podem ficar armazenadas por meses até se fazer o tratamento delas para as próximas etapas. O cuidado é nessa fase inicial, de conseguir coordenar com a fazenda o período adequado entre a colheita e o período que vai ficar no campo, para não apodrecer.

Em busca da escalabilidade da fibra

Quais seriam os próximos passos da MusaFiber para aumentar a escalabilidade da fibra? “Precisamos melhorar o processo atual, por isso estamos aperfeiçoando o tratamento. Já temos processos muito mais acessíveis em relação a temperatura, gasto de materiais e gasto de energia. Estamos chegando a processos muito mais interessantes economicamente. Em paralelo, temos feito orçamentos, porque para a produção vamos precisar de vários equipamentos”.

Os sócios da MusaFiber também têm conversado com produtores para fazer parcerias nos bananais, para ter acesso a eles e poder elaborar uma produção. “A gente tem tido várias conversas com as marcas, também. Essas marcas se interessam bastante pelo produto pela questão de ser de origem da banana”, garante Alves. “A gente tem buscado esse desenvolvimento, a melhoria do processo e a habilidade dele. Temos orçado equipamentos para colocar isso de pé o quanto antes. Vamos fazendo aos poucos, fazendo bem feito para não lançar um produto no mercado e se queimar por não conseguir atender as expectativas. A gente tem feito isso com calma. A expectativa é que já em 2023 esse produto se torne acessível para que as marcas produzam coleções com ele”.

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As dicas de ouro

Para começar, você precisa ter um objetivo, um sonho, alguma coisa que você imagina e em que esteja muito disposto a investir. Sempre que tiver um objetivo, um sonho, invista: “Nunca engavete, sempre vá avançando, desenvolvendo, pesando, melhorando com esperança de que possa se tornar real. Faz parte do processo. Essa é a base de tudo|”, comenta Leandro.

Mas há outras dicas importantes. “Aposte sempre no longo prazo, não podemos querer ser imediatistas, querer que tudo mude, que tudo ao nosso redor aconteça da forma que desejamos. As pessoas mudam, a cultura muda, oportunidades aparecem. Precisamos sempre estar com isso em mente”, aconselha Leandro Alves, acrescentando que é fundamental dividir nossas ideias com pessoas em quem confiamos: “Ao longo do processo, meu pai contribuiu muito com o projeto. Sempre acreditou, me incentivou. Quando o SENAI CETIQT entrou, ele apoiou dando ideias, ajudando. Quando estamos perto de pessoas que acreditam e nos ajudam, isso vai nos motivando para continuar”.

Ricardo Cecci acrescenta a importância de se dar um passo de cada vez: “A partir do momento em que caminha e vai subindo degrau por degrau, você vai construindo. A partir da ideia, vai construindo meios e caminhos para que ela se torne realidade. É isso: pensar em passos pequenos até atingir o seu objetivo”.

O sócio-fundador da MusaFiber encerra ressaltando a importância da paciência para que o negócio dê certo: “É preciso ter calma para aproveitar as oportunidades que aparecem, sejam oportunidades governamentais, sejam de empresas, sejam de pessoas interessadas. Sempre ter conversa, sempre ter um bom relacionamento. As oportunidades vão aparecendo e você vai conseguindo avançar cada vez mais. No final é sempre compensador observar e ver aquilo que conseguiu deixar para trás, que conseguiu criar e desenvolver. Nem sempre acaba dando certo como resultado financeiro, mas sempre vai deixar impacto, seja com uma nova tecnologia, seja com inovação ou com pessoas que vão ter outras ideias em cima da sua e vão aperfeiçoar o processo para levar adiante. Nunca é desperdiçado, sempre vale a pena a gente correr atrás. É isso que move o mundo para a frente”.