SENAI CETIQT: Case da Ecomaterioteca, acervo itinerante de eco materiais para fomentar prática sustentável na moda


A Ecomaterioteca torna-se a ponte entre a indústria têxtil e a indústria de confecção, entre a academia e o mercado, entre o mercado e o consumidor ao propor a discussão sobre as possibilidades da moda e do design responsáveis, disponibilizando o conhecimento sobre novas formas de criar produtos mais sustentáveis

De onde vem o meu tecido? Do que é feito o meu tecido? Como é feito o meu tecido? Perguntas importantíssimas para mapear a moda mais responsável que tanto defendemos. A indústria da moda é uma das mais poluentes do planeta, com emissões de gases do efeito estufa, consumo de água excessivo e uma produção de resíduos monumental: 175 mil toneladas por ano só no Brasil, segundo dados da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil). Por conta de uma ação premente por práticas ecologicamente responsáveis de produção, as empresas vêm buscando minimizar seus impactos negativos através da implementação de práticas mais sustentáveis. Para apoiar a transição da moda brasileira para um modelo mais circular, o SENAI CETIQT e a Laudes Foundation criaram, em parceria, o Projeto Moda Circular: O Início de Um Novo Ciclo para a Indústria da Moda, que vem promovendo lives sobre o tema. A de hoje, “Moda Circular – Esse é o Futuro da Moda”, trata do case de sucesso da Ecomaterioteca, que, alinhada com as políticas da ONU e sua Agenda 2030, tem o objetivo de socializar e democratizar o conhecimento, a pesquisa e a inovação de práticas sustentáveis a partir de “um acervo itinerante de ecomateriais têxteis e não-têxteis disponíveis no mercado nacional”, como pontua Gabriela Marcondes Schott, idealizadora e CEO da empresa, uma das nossas palestrantes junto com sua sócia, a designer e diretora-executiva Denise Frade. A mediação do encontro coube a Michelle Souza, consultora do Instituto SENAI de Tecnologia Têxtil e de Confecção.

Gabriela Marcondes Schott e Denise Frade à frente do projeto Ecomaterioteca (Foto: Divulgação)

“Em 2016, percebemos que os designers desejavam criar projetos mais sustentáveis e responsáveis. No entanto, não tinham conhecimento dos materiais que podiam utilizar, pois estes não eram catalogados ou reunidos em um acervo acessível a todos. Nós criamos a Ecomaterioteca com o objetivo de torná-la um apoio fundamental para quem faz moda”, conta Denise Frade. “Esse acervo de ecomateriais têxteis e não-têxteis disponíveis no mercado nacional é itinerante. O projeto é inovador e, melhor, é totalmente made in Brasil. Tudo começou na Faculdade UNA (União de Negócios e Administração), em Belo Horizonte. Com alguns alunos, criamos um coletivo que foi desenvolvendo peças com os tecidos que tínhamos disponíveis. As criações deles serviram de base para um desfile. Desse projeto nasceu a ideia da empresa”.

A Ecomaterioteca, portanto, voltando a frisar, é acervo itinerante no qual estão sendo reunidos, catalogados e classificados materiais têxteis e não-têxteis responsáveis, com a intenção de fomentar práticas sistêmicas de produção de vestuário, acessórios de moda e design, bem como de produtos de outras áreas do conhecimento, pesquisa e consulta ao acervo, em constante renovação. “E, principalmente, trazemos luz para os tecidos, os aviamentos, os componentes – para as matérias-primas produzidas no Brasil. Essa é a nossa missão, valorizar a indústria brasileira, valorizar a cultura do algodão brasileiro responsável, o algodão orgânico brasileiro. Estamos sempre com o pensamento da valorização do “feito no Brasil”, pontua Gabriela Schott.

Materiais têxteis e não têxteis responsáveis catalogados na Ecomaterioteca (Foto: Divulgação/Ecomaterioteca)

Estão disponíveis na Ecomaterioteca cerca de 800 amostras de fios, tecidos, telas, etiquetas, aviamentos, embalagens e componentes ecológicos, biodegradáveis, orgânicos, sustentáveis e biotêxteis de fornecedores da indústria brasileira que investem em matérias-primas mais responsáveis. Tudo é catalogado e classificado como ecológico, biodegradável, orgânico, sustentável e, mais recentemente, biotêxtil. Ao todo são mais de 50 indústrias nacionais parceiras. A Ecomaterioteca torna-se a ponte entre a indústria têxtil e a indústria de confecção, entre a academia e o mercado, entre o mercado e o consumidor ao propor a discussão sobre as possibilidades da moda e do design responsáveis, disponibilizando o conhecimento sobre novas formas de criar produtos mais sustentáveis.

Durante a live, Gabriela Marcondes Schott e Denise Frade explicaram que os materiais ecológicos (podem ser tecidos, aviamentos, etiquetas) são feitos de fios produzidos com menor impacto que os convencionais encontrados no mercado. Parte da composição é certificada, parte não é. Há vários exemplos, como os biocorantes, os bioamaciantes, as fibras celulósicas de baixo impacto, incluindo ainda especificações sobre fios produzidos com economia de água ou de energia, aqueles com menor uso de matéria-prima virgem, os que são feitos com redução ou ausência de produto químico.

Os biodegradáveis têm a homologação da Rhodia, criadora do fio de poliamida biodegradável Amni Soul Eco. Essa matéria-prima tem uma tecnologia que se decompõe em menos de três anos em condição de aterro. Trata-se de um fio muito específico. As duas especialistas à frente da Ecomaterioteca afirmam que, diferentemente do que as pessoas imaginam, o biodegradável não é uma fibra natural que se biodegrada, mas uma fibra sintética produzida com uma tecnologia de biodegradabilidade. Indústrias que têm algum artigo com esse fio (aviamento, linha, elástico, microfibras, malharia, tecido plano) precisam ter a certificação de que o material passou por alguma identificação – e aí temos a rastreabilidade, a transparência, a procedência.

Para serem classificados como orgânicos, os materiais devem ser produzidos com fibras naturais e manejo responsável. Não podem conter agrotóxicos e produtos químicos, nada nocivo à saúde humana, à natureza e ao planeta. Alguns exemplos seriam o algodão orgânico, a juta orgânica, a lã, a seda e o cânhamo.

Produtos sustentáveis (tecido, aviamento etc) certificados são feitos de, no mínimo 85% de fio reciclado, sem uso de água e produtos químicos e que não emitem carbono são os sustentáveis. Nos 15% restantes pode haver fios naturais, virgens, orgânicos. Aqui entram os fios feitos de garrafas PET, os reciclados de aparas de algodão, seda, linho.

A classificação de material mais recente trata dos biotêxteis. São matérias-primas para uso têxtil produzidas a partir de células vivas ou micro-organismos como, por exemplo, colônias de bactérias e fungos, entre outros. O material pode ser parcial ou totalmente derivado de biomassa (de origem vegetal, animal, bacteriana e fúngica) podendo ter passado por tratamento físico, químico ou biológico. “Temos exemplar de biotêxtil da empresa Ponto Biodesign, que produz a partir de colônias de bactérias. Estamos testando plasticidade, elasticidade e durabilidade, além de verificar em que se aplica, se apenas em acessórios ou se podemos usar em vestuário. Essa é uma classificação supernova, ainda estamos em processo de entendimento, de pesquisa”, observa a CEO da Ecomaterioteca, Gabriela Schott.

O objetivo principal da Ecomaterioteca é democratizar tudo que envolve produção de conhecimento para a indústria da moda e do design. Para isso, trabalha com serviços como consultoria para marcas que querem fazer alguma transição ou para quem já tem uma marca e quer ampliar, fazer uma coleção específica, criar um nicho dentro da marca ou experimentar novos materiais; e mentoria, para quem está começando: “Quando fazemos mentoria, partimos do zero e vamos até o lançamento da primeira coleção. Muitas vezes a pessoa não é da área de moda e precisa de um passo a passo para o desenvolvimento da coleção, do conceito, para a construção da própria marca. E também fazemos curadoria têxtil para alunos de universidades que querem conhecer esse material”, explica Gabriela.

A Ecomaterioteca gera conhecimento a partir da compreensão e da percepção de um sistema complexo (da lavoura à passarela) e proporciona oportunidades de mudanças e desenvolvimento de abordagens diferentes para empreender na moda brasileira mais sustentável” – Gabriela Marcondes Schott

Para alcançar o objetivo de compartilhar conhecimento, o projeto também se vale do seu lado itinerante: “Levamos a materioteca às universidades. Em 2019, passamos três meses em cada universidade de Belo Horizonte. Ficou na Estácio, no Centro Universitário UNA e na FUMEC (Fundação Mineira de Educação e Cultura). Como a Ecomaterioteca trabalha basicamente com amostras de materiais, é relativamente fácil levar o acervo da empresa ou parte dele a lugares distantes da sede.

O compartilhamento de conhecimento veio, também, na forma de oficinas, oferecidas durante a Brasil Eco Fashion Week e no Minas Trend, maior Salão de Negócios da América Latina. No momento, as sócias tentam colocar em prática cursos online e presenciais, além de promover palestras, talkings e lives. A ideia é levar ao conhecimento da cadeia da moda e do público as matérias-primas responsáveis produzidas no país, unindo as duas pontas: fornecedores da cadeia têxtil brasileira e fabricantes de produtos. Vale salientar que é preciso reunir quem está fabricando e quem está criando. Isso se torna cada vez mais imprescindível e urgente na moda.

Gabriela e Denise perceberam a importância de comercializar kits de cortes de tecido menores para novos empreendedores, alunos e artesãos. De outra forma, eles teriam que arcar com o custo de adquirir peças de 50 metros, nem sempre necessárias ao que pretendem produzir. “Temos uma parceria forte com a EcoSimple (empresa paulista que produz tecidos a partir da coleta de sobras e aparas descartadas por confecções), que disponibiliza os cortes que selecionamos para atender pequenos e microempreendedores de todo o Brasil”, conta Denise Frade. “Começamos a fazer esse trabalho em maio de 2020, durante a pandemia. Sabíamos que que as pessoas tinham dificuldade para comprar pouco. As quantidades eram muito grandes e muitas vezes isso tornava o negócio inviável. Nos propusemos a executar mais essa tarefa e deu supercerto”.

As palestrantes fazem questão de frisar que indústria de confecção, além de escolher materiais mais responsáveis, precisa pensar em processos produtivos mais eficientes e limpos, dentro do conceito de Produção Mais Limpa (PML), em uma gestão mais inovadora no âmbito da não geração de resíduos e numa modelagem próxima de zero waste: “Devemos pensar em atender a essas demandas de maneira mais competitiva, mais responsável e sustentável a longo prazo. Não dá para pensar a curto prazo, sustentabilidade não é curto prazo. Precisamos buscar soluções de médio a longo prazo para efetivamente fazer a diferença”, afirma Gabriela Schott.