Todos os holofotes direcionados para a moda digital, que é sinônimo de verdadeira revolução em alta potência. Desde o início da pandemia, em 2020, é gigantesco o número de empresas de moda que se aproximaram dos estúdios de games, por exemplo, produzindo skin para jogos, porque este mercado alcançou recordes de lucros, superando o faturamento da própria indústria da moda e o consumo de entretenimento, incluindo o universo musical e cinematográfico. Temos observado também que a sinergia entre moda digital e os NFTs, os tokens não fungíveis, é verdadeiro novo horizonte repleto de identidade. No caso dos NFTs, os tokens funcionam como ativos únicos e insubstituíveis. Uma espécie de certificado digital, estabelecido via blockchain, que define originalidade e exclusividade a bens digitais. Logo, ao comprar um NFT, você detém a propriedade deste bem. E o SENAI CETIQT nos proporcionou uma verdadeira imersão sobre o contexto atual da Moda Digital para NFTs durante a live apresentada por Victoria Fernandez, analista da Coordenação dos Cursos de Design do SENAI CETIQT, e que contou com a palestra de Karina Wolff, designer no digital fashion hōl studio.
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“Na parte de comunicação da moda, o NFT cria o senso de comunidade e a fidelização do cliente. Se ele comprou o NFT da marca significa que acredita no que é produzido e quer estar mais próximo. Marcas que estão vendendo NFTs encaram os clientes, digamos, como “investidores”. Isso cria senso de comunidade e fidelização do cliente”, avalia Karina Wolff.
Acrescenta ainda que os games proporcionam customização e distinção no meio digital. “Ainda mais agora, com o cada vez maior número de metaversos surgindo. Em torno de uma vida puramente digital, ninguém quer ser aquele bonequinho básico do login. Todo mundo quer se distinguir da pessoa que está do lado. A moda nos games entra muito nessa vertente também”.
Um dos primeiros trabalhos que Karina desenvolveu na label Dress To – antes de integrar o time do digital fashion hōl studio – foi tentar recriar digitalmente modelagens que já tinham sido usadas pela empresa. Ela criou um gráfico para entender visualmente a diferença entre uma prototipagem tradicional e uma digital. O gráfico também ajudou a saber quanto custa a peça-piloto que, no final, é aprovada, mas que, geralmente, dá várias voltas na confecção até ser batido o martelo e a entender o quanto disso poderia ser cortado com uma prototipagem digital.
“O gráfico mostra que uma peça-piloto geralmente leva quatro “repilotagens” partindo do estilo, dando a volta por toda a produção até voltar para o estilo e ter a aprovação para ser produzida. Representa tempo, hora extra dos funcionários (o que mais pesa). É muito oneroso para a empresa e péssimo para os funcionários, pois o que mais os desmotiva é terminar de fazer a modelagem, costurar e, na semana seguinte, a peça voltar. A prototipagem digital corta esse ciclo vicioso de ida e volta. A peça só vai para a mão da costureira depois de ter sido aprovada”, observa.
O trabalho do designer digital
Karina Wolff nos conta o processo do trabalho de um designer digital de moda: “Temos setores ou fases como a criação/estilo, a modelagem/encaixe, o enfesto/corte e a costura/acabamento. Essas fases são refletidas quando se passa para um design digital, mas são um tanto diferentes. A primeira coisa que precisamos fazer ao começar a produção de uma peça digital é criar o avatar, pois não temos o modelo de provas, não temos um corpo pronto”, observa. Logo depois, passamos à modelagem propriamente dita. Para isso, temos softwares, como o Clo, superotimizados para a área de moda: você trabalha com modelagem plana e vê a modelagem 3D se formando. E há outros softwares que são mais técnicos, para trabalhar o relevo da peça. Passamos para a parte dos tecidos. É aí que criamos o tecido, escolhemos a fibra, a textura, a cor, se vai ter brilho, se vai ter metal. E, por último, usamos os motores de render para fazer o set up de câmeras e iluminação. É como se fosse um ensaio fotográfico”.
Resumindo: o designer começa com o modelo de prova, passa para a modelagem, escolhe os tecidos e, por último, faz o ensaio fotográfico.
Fases de desenvolvimento de uma peça 3D
O desenvolvimento de uma peça 3D sempre começa pela ficha técnica, geralmente enviada pelo cliente. É lá que estão todos os dados necessários para se começar a construção. Logo em seguida é preciso fazer uma blocagem, ou seja, customizar bases para fazer a modelagem plana daquilo que o cliente quer. Depois disso, vem a etapa do detalhamento – colocação de aviamento, escolha de tecidos, aplicação de pespontos, limpezas e botões. Em seguida, escolhe-se uma pose (ou o cliente diz que pose ele quer em seu ensaio fotográfico) e colocam-se todas as peças nessa posição. Passa-se para a texturização, que é a escolha do tecido e a aplicação de todas as propriedades que o cliente quer usar. E, por último, vem o render ou ensaio fotográfico, onde haverá luzes, ângulos de câmera, todas as situações verificadas num ensaio fotográfico.
Existem funções diferentes na modelagem 3D. O foco e o objetivo delas são distintos. Elas são modeladas de formas parecidas, mas, conforme o trabalho avança, é preciso focar em propriedades muito específicas. “Quando o designer começa um projeto, uma das primeiras providências a tomar é perguntar para qual área será, porque, dependendo, tem detalhes diferentes. Pode-se fazer uma modelagem 3D para confecção, com o foco todo da peça na modelagem, pois o produto que está sendo prototipado será reproduzido. É fundamental tomar muito cuidado com medidas, dimensões, aplicações de margem de costura. Vamos aplicar estampas e essa gradação vai fazer encaixe. É um processo muito cuidadoso para não fugir daquilo que o cliente pede, das medidas do cliente”, pontua Karina Wolff.
Segundo ela, existe também uma modelagem mais voltada para a comunicação, cujo foco é a imagem. “Então você faz uma animação ou vai ter uma foto com todas as propriedades do tecido e com detalhes da peça. É o desenvolvimento de uma peça de publicidade. Aqui, nosso maior cuidado é sempre na construção do tecido e no detalhamento. E a publicidade geralmente termina com uma animação ou uma pose estática, o que faz com que tenhamos que nos preocupar com esse cuidado final”.
A terceira usabilidade que temos para a modelagem 3D é a parte de games. “Aqui o foco fica, geralmente, com a performance. É um equilíbrio, a peça tem que parecer muito realista e ser muito leve. É difícil de conseguir e é a modelagem de uma peça que estará dentro de um universo; ou seja, ela vai interagir com outros objetos 3D. Isso também tem que ser levado em conta. Tem que ser uma peça simples”, observa a designer.
Dito assim, pode parecer que são necessários vários conjuntos de softwares para lidar com cada realidade de projeto: “Não precisamos de conjuntos diferentes, mas temos uma paleta de softwares. Cada um serve para uma função. Geralmente ficamos com quatro ou cinco abertos ao mesmo tempo e passamos arquivo de um para o outro. Para fazer textura, eu tenho dois softwares; para fazer a modelagem em si eu uso basicamente o Clo, às vezes o Blender, se eu tiver acessório ou sapatos para fazer. Vamos passando essas peças por todos os softwares até ficarem exatamente como queremos. Mas o software que a gente mais usa para fazer modelagem é o Clo 3D. Ele é o mais otimizado para isso. Fazemos a modelagem inteira com o Clo e, dependendo de para onde o molde vai, temos que usar softwares diferentes”.
Aqui, Karina volta a ressaltar que “as labels já começaram a fazer acordos com os estúdios de game para lançar suas roupas digitais nos personagens para que os jogadores possam comprar, além de ser uma propaganda no metaverso quando eles estiverem jogando e para que possam criar, também, esse gostinho de quero mais para que a peça fique nas mentes das pessoas e elas queiram ir à loja comprar a roupa física”.
“Quando uma loja chega ao ponto de comprar a peça física de um look que já foi usado várias vezes num videogame, é quase um meme. É uma coisa divertida, até: você quer usar, porque todo mundo tem a sua peça quando está jogando. E quando você aparece no mundo físico em um grupo de amigos com uma roupa que está sendo usada num game tem um impacto muito forte”, analisa a designer de moda digital.
Moda & NFT
Para tratar da relação entre moda e NFT, nossa palestrante começa definindo o que é Non Fungible Token (Token Não-Fungível, em português): “Ele é um arquivo digital. Se eu quiser enviar um arquivo digital que tenho no computador, dou Ctrl C + Ctrl V e mando por e-mail para dez pessoas. Um arquivo vira dez. Non Fungible Token significa exatamente que isso não é possível. Ele é um arquivo único, não pode ser copiado, não pode ser distribuído e eu não posso compartilhá-lo com ninguém. Se quiser passar para outra pessoa, terei que transferir todos os direitos sobre ele, que não será mais meu”, lembra.
“Eu preciso de um local seguro para guardar esse tipo de ações. Com NFT é a mesma coisa, precisa ter uma carteira digital e, nessa carteira, além de moedas digitais, você tem uma área para usar o NFT que eu já comprei. Isso é transferível: se eu escolher mudar de banco ou de carteira, todas as minhas informações serão transferidas, escolherei quem será o intermediador dessas minhas informações – mas elas são minhas”, explica Karina Wolff.
Se eu faço uma xilogravura, por exemplo, se tenho a matriz e faço várias cópias, como dar valor à obra se ela pode ser reproduzida várias vezes? A partir do momento em que assino o trabalho e que eu ponho o número de série, ele se torna único. Isso a arte já faz há muito tempo. Como sei que é original? A gravura tem a assinatura do artista e é a número 26 de 30. Significa que só existem 30 gravuras dessa no mundo e que você é dono da número 26. Isso faz com que essa reprodução, que poderia não valer nada, não seja a mesma reprodução que o meu amigo tem. Isso já torna esse objeto único.
De acordo com Karina Wolff, “o NFT funciona da mesma maneira. Ele nada mais é que um código que será colocado dentro da sua obra. Você vai passar pelos mesmos processos. Vai fazer um esboço da peça que planeja criar, vai construir a modelagem 3D, vai fazer o seu arquivo digital (que pode ser uma imagem, um vídeo ou o próprio objeto 3D) e, depois, vai fazer a assinatura digital para ele. Você vai colocar um código embutido na estrutura da sua peça. E é esse código que vai dar o valor de raridade para a sua obra. Só vai existir um. Se você fizer cinco cópias ou seis haverá as cópias um, dois, três… Tem um número restrito – e é esse número que dá valor ao NFT e cria interesse de a pessoa consumir esse tipo de arte”.
E como funciona o valor do NFT efetivamente para a moda? Pegando aquelas três áreas de que falamos antes (confecção, comunicação e games), como o NFT se encaixa? Na parte de confecção, ele se encaixa com a transparência, porque o NFT só trabalha a partir do blockchain. “Você tem uma peça e, no blockchain, cada passo que essa peça der vai deixar um rastro. Esse rastro é transparente para qualquer pessoa. Eu sei exatamente na mão de quantas pessoas essa peça passou, sei de onde ela veio, sei o que foi feito com ela. Tudo isso é transparente. Quando pensamos na indústria da moda, um dos maiores problemas é conseguir a transparência da linha de produção – de onde veio, como foi feita, quem confeccionou, como era o trabalho realizado por esta pessoa”.
Na parte de comunicação da moda, o NFT cria o senso de comunidade e a fidelização do cliente. Um cliente que chega ao ponto de comprar o NFT da sua marca, comprou aquele NFT porque acredita em algo que você faz e quer estar mais próximo da sua marca. As pessoas detentoras de um NFT da sua grife são quase suas investidoras. Marcas que estão vendendo NFTs estão encarando os clientes que os compram como investidores. Isso cria senso de comunidade e fidelização do cliente.
E os games são a área de customização e distinção no meio digital. “Ainda mais agora, com o cada vez maior número de metaversos surgindo. Em torno de uma vida puramente digital, ninguém quer ser aquele bonequinho básico do login. Todo mundo quer se customizar e se distinguir da pessoa que está do lado. A moda nos games entra muito nessa vertente também”.
A designer de moda digital comenta, ainda, dois casos interessantes de uso de NFTs na moda. O primeiro é o da grife Reserva, que, neste ano, lançou uma nova vertente da marca: a Reserva X, voltada apenas para NFTs e coleções digitais de maneira geral. Os clientes são a comunidade dos investidores. Quem acredita na Reserva pode comprar um pica-pau (símbolo da marca) de NFT. Só existe um de cada e oferece uma série de vantagens.
“Ele dá acesso a um canal exclusivo para falar diretamente com os estilistas de criação para dar suas opiniões, dizer o que acha das coleções, apontar o que deveria mudar, dar sugestões. Você tem acesso a uma loja com produtos exclusivos que ninguém mais vai poder comprar, só quem for detentor de um pica-pau; e também vai ter a peça antecipada na pré-venda de lançamento da empresa. Além disso, eles às vezes oferecem bônus para quem tem esses NFTs. Por exemplo, distribuição de ingressos para shows a fim de incentivar a fidelização”, conta Karina Wolff.
O segundo case é o da The Fabricant, primeira e maior empresa de moda digital do mundo. Sempre há um designer convidado que faz a modelagem. Em seguida, as pessoas são convidadas a entrar no estúdio e customizar essas peças com todos os tipos de materiais e cores possíveis. Depois elas vão montar. Então, terão um NFT personalizado da peça que customizaram.
Após a peça ser customizada, esse NFT pode ser usado como uma skin em avatares em vários metaversos e jogos diferentes. Eles lançam as coleções como uma experiência imersiva 3D no metaverso. Fazem uma exposição, uma festa, tudo ao mesmo tempo. Várias pessoas vão no metaverso para visitar o showroom ou a casa que eles constroem para entender toda a linha de raciocínio da construção daquela coleção. Eles apresentam o tema, a paleta de cores, o mood board (3D, basicamente) para que a pessoa entenda como aquilo se construiu. Fazem um desfile de moda com essas peças. E ainda tem as pessoas que têm NFTs que vão para esse tipo de evento como convidadas VIP, pois vestem as peças que estão desfilando na passarela.
E qual o caminho que está sendo desenhado para o futuro? “Eu acredito que o metaverso cada vez mais, com o passar dos anos, vai se tornar uma realidade mista. Não vou precisar me isolar do mundo físico para entrar no metaverso. Ele vai fazer parte do meu dia a dia em realidade aumentada”.
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