Os ventos que sopram na Indústria da Moda em direção a 2026 são compostos por tendências de consumo e insights que estamos alinhavando. Tais como a hiperpersonalização (a IA para previsão de desejos individuais), a sustentabilidade, a economia compartilhada, a integração digital, as microtransações (compras de lotes menores de produtos), saúde e bem-estar, trabalhos flexíveis e economia granular – caracterizada por serviços e produtos personalizados, sob demanda, e possibilitada por tecnologia avançada e análises de dados. A partir deste cenário, o 32º Encontro Nacional de Tecelagem e Confecção (ENAT), promovido pelo SENAI CETIQT, nos proporcionou uma imersão no contexto de mercado e consumo, nas tendências de materiais e na cartela de cores para 2026. O ENAT reúne profissionais em busca de novas tendências, acesso à matérias-primas para as coleções e oportunidade de network entre grandes empresas do mercado resultando em parcerias estratégicas. O diretor-executivo do SENAI CETIQT, Sergio Motta, ressaltou o “momento especial em que temos a oportunidade de trazer todas as novidades com relação às tendências e inovações para todos os que integram a cadeia têxtil e de confecção”.
Marcelo Ramos, antropólogo e gerente de Desenvolvimento Estratégico Sustentável do SENAI CETIQT, deu as boas-vindas e falou sobre o tema-central [IN]VISÍVEL de inspirações para 2026 para todo o setor moda. Propôs lançarmos luz sobre os cenários que vêm sendo desenhados nos âmbitos sociais, econômicos, tecnológicos e relacionados ao meio ambiente, decodificando realidades em direção ao futuro. “Somos seres de cultura, de palavra, vivemos em um mundo simbólico e nossas heranças ancestrais são internalizadas em nós pela cultura e exige um auto-conhecimento. E podemos promover performances diversas e inovar” , pontuou. Consultor do SENAI CETIQT, Antônio César Berenguer ressaltou que “o Brasil é um país completo e tem sua posição rankeada no mundo como quarto maior produtor têxtil. E tem a cadeia produtiva completa: desde a fibra até o produto final na passarela”.
O tema-central [IN]VISÍVEL abrange a integração da ciência moderna com práticas tradicionais de bem-estar, enfatizando abordagens holísticas e funde biotecnologia com saberes ancestrais, incentivando os designs que honram ciclos e materiais naturais. Tudo em sinergia com as tendências atuais em desenvolvimento de produtos, com foco em fibras naturais e sustentáveis, considerando bio regiões para fornecimento. A líder do ENAT, Michelle Souza, conduziu as pesquisas e abordou durante uma palestra magistral os três conceitos que permeiam o tema-central: Patrimônio Ancestral, Quimera Regenerativa e Alquimia Nuclear. Neste artigo, eu vou abordar o primeiro deles, e tratarei dos outros dois em mais duas análises. Assim, leitor (a) que ama moda e trabalha na indústria, você terá a oportunidade de ter acesso a conteúdo mais detalhado sobre cada conceito. Vamos lá:
PATRIMÔNIO ANCESTRAL
Adote uma abordagem holística ao desenvolvimento de produtos, integrando a ancestralidade e os saberes da natureza com tratamentos biotecnológicos e ingredientes eco e social friendly. Valorize heranças culturais, explorando regionalidades e materiais orgânicos, crus e não acabados, fabricados em monofibras. Promova o localismo, respeitando ciclos naturais e incentivando práticas sustentáveis que reflitam as necessidades e ciclos da natureza. Busque um equilíbrio entre inovação tecnológica e tradições milenares, criando produtos que respeitam tanto o meio ambiente quanto as comunidades locais.
CASES DE PATRIMÔNIO ANCESTRAL
Michelle Souza fala a respeito dos consumidores cada vez mais cansados da cultura de produtividade excessiva e métricas de desempenho. De acordo com a líder do ENAT, eles tendem a buscar “produtos e serviços que equilibrem intuição e ciência. A personalização será uma tendência-chave, oferecendo soluções que respeitam os ritmos naturais de cada indivíduo”.
Além disso, haverá uma rejeição de métricas externas de sucesso, dando espaço para a celebração de marcos pessoais e menores conquistas – cada um no seu próprio tempo e em seus próprios termos. A proposta é cultivar uma nova mentalidade que valoriza a jornada, não apenas o destino, fomentando conexões autênticas e sustentáveis com o mundo ao redor.
Conheço o trabalho de label Marina Bitu que Michelle Souza citou como case de Patrimônio Ancestral. Marina Bitu celebra moda que valoriza a artesania cearense e desenvolvimento sustentável. Nascida no Ceará, a designer Marina Bitu herdou das avós o gosto e a habilidade pelo fazer manual. E, tendo esse legado afetuoso como inspiração, ela se especializou em design de moda e também em gestão de negócios do setor para, depois de adquirir experiência nas equipes de estilo de outras marcas. Em 2017, fundou a sua própria. Na trajetória, a designer Marina Bitu tornou-se sócia de Cecília Baima, cirurgiã dentista apaixonada por moda, arte e música.
As peças icônicas valorizam as técnicas manuais ancestrais, que a consolidou como uma potência na moda nacional, tendo como forte pilar o trabalho com associações de artesãs nordestinas, impulsionando sempre a cultura brasileira. A partir da prática do slow fashion, a produção das peças acontece em baixa escala utilizando matérias-primas naturais e reutilizáveis, além de mão de obra local, em uma relação justa e aberta entre produtores e consumidores.
Para Marina Bitu, “a moda brasileira está indo para um caminho bem interessante e bonito. Vemos cada vez mais a mistura do tradicional com o moderno, com uma pegada sustentável e local. Os designers estão resgatando cada vez mais suas vivências e memórias, tornando a moda plural como o país é de fato e como merece ser visto e reconhecido”. Acrescenta ainda que a moda do Nordeste é uma importante mola propulsora para o Brasil. “O Nordeste é um polo têxtil super rico. Temos aqui grandes talentos e uma cultura incrível. É muito gratificante ver a região tomar o destaque que merece, pois a moda nordestina não só valoriza e preserva as tradições e o artesanato local, como também cria oportunidades de emprego e renda para milhares de pessoas”.
Ainda de acordo com Marina, “a crescente demanda por produtos autênticos e sustentáveis está levando a moda nordestina a conquistar mercados nacionais e internacionais, atraindo investimentos e promovendo o turismo. Além disso, iniciativas de capacitação e apoio aos pequenos produtores e artesãos estão fortalecendo as cadeias produtivas locais, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social da região”.
Outro case é o trabalho do estilista João Pimenta, cuja trajetória acompanho desde o início. Nunca deixei de ficar impactada lá atrás com o convite do Green Nation Brasil ao estilista que, com um olhar criativo, sempre, já linkava sustentabilidade, economia circular, redução de energia e produtos tóxicos no processo produtivo. Criou verdadeiras obras de arte com algodão colorido no jacquard com desenhos africanos e tribais, utilizou palha africana com textura de tecido… uma maravilha.
De acordo com o relatório de macrotendências batizado [IN]VISÍVEL, no São Paulo Fashion Week N58, o estilista destacou-se ao adotar uma abordagem ousada e consciente em sua coleção. Ele utilizou materiais inovadores, como couro ambiental, que se alinha com as tendências de moda sustentável e de baixo impacto. O couro ambiental, também conhecido como couro ecológico ou sintético sustentável, é desenvolvido com foco em minimizar danos ao meio ambiente, substituindo o uso de couro tradicional por materiais alternativos e éticos.
PATRIMÔNIO ANCESTRAL: MATERIAIS
Fibras naturais e acabamentos alternativos são destacados como produtos de baixo impacto ambiental, que valorizam a imperfeição e promovem ecossistemas sustentáveis por meio de parcerias regionais. Texturas elementares e símbolos antigos remetem à essência da terra, inspirando-se no conceito de cocooning e no aconchego, com materiais que traduzem suavidade em fios delicados e cores naturais, como tons crus, marrons e desbotados. Já os talismãs do futuro e o mistério noturno evocam símbolos atemporais e a serenidade das noites frias, proporcionando uma estética reconfortante em um planeta marcado pelo aquecimento.
TEXTURAS
Adota-se uma abordagem artesanal e não tradicional para materiais têxteis, explorando pontos funcionais e robustos que são transformados por texturas táteis. As malhas Fair Isle, conhecidas por seus padrões coloridos e repetitivos, preservam uma tradição transmitida de geração em geração. Para criar conforto, prazer, alegria e surpresa, utilizam-se materiais supersensoriais com texturas únicas, como superfícies peludas, felpudas, penteadas ou escovadas. O luxo pode ser adicionado por meio de fibras texturizadas ou felpudas. Ousadia se expressa em jacquards inspirados em técnicas ancestrais, incorporando motivos cruzados, orgânicos e diagonais. Além disso, pontos texturais ou ponto reverso revelam fios flutuantes ou felpas, enriquecendo o acabamento.
RÚSTICOS
Um novo rústico surge no design, com destaque para o ecodesign, impressão 3D e o uso de materiais reciclados, apresentando toques rugosos e arenosos. O apelo por tecidos mais naturais e discretos mantém as fibras de caule em evidência. Materiais como linho e cânhamo trazem um aspecto rústico e despojado, mas com boa aparência, conferindo superfícies com um charme artesanal e uma imperfeição encantadora. As superfícies enrugadas e acidentadas revelam uma ternura especial, enquanto as cores desbotadas, com leve iridescência, e as marcas de cicatrizes e arranhões adicionam emoção e personalidade. Essa estética inspira uma criatividade resiliente, inclusiva em suas referências e rica em suas criações. O linho trabalhado com viscose ou liocel, mantém sua presença única, resultando em tecidos frescos, com drapeados secos, slubs discretos e tramas suavemente esbranquiçadas.
RENDAS E REDES
Os tecidos celebram o valor do artesanato tradicional, oferecendo uma nova e substancial interpretação de como os modelos são concebidos e construídos. Formas orgânicas inspiram criações como rendas tipo filet, mocklenos, bordados ingleses, popelines perfuradas a laser e jacquards com contornos finos e contrastantes. A renda Calais adota um visual mais algodoado, trazendo sofisticação natural e frescor para tecidos preciosos, ideais para ocasiões noturnas. O crochê 100% algodão surge como uma alternativa criativa para peças de malha em camadas, sendo leve e respirável. Os pontos, com aparência de feitos à mão, destacam-se ao criar texturas e relevos, incluindo fios flutuantes e pontos alongados.
JACQUARDS
Malhas jacquard exploram variações com openworks organizados em ritmos geométricos, enquanto padrões florais monocromáticos ganham destaque em voil fresco e fluido. Malhas fantasia oferecem uma textura arejada, aconchegante e algodada, proporcionando conforto e proteção contra os ventos mais frios do verão. Essa abordagem reflete uma reinicialização do artesanato moderno, combinando precisão industrial com a riqueza dos materiais e o verdadeiro saber artesanal. Guipures, bordados e jacquards confeccionados com materiais naturais exibem um aspecto que mistura a delicadeza do trabalho manual com a precisão de mãos robóticas.
FLORAIS
A criatividade assume o protagonismo, com designs ousados inspirados em culturas, tradições e gerações. A extravagância se manifesta por meio de elementos da flora e da fauna, carregando um toque folclórico quase místico. Florais nostálgicos, com tons de ferrugem e sépia, evocam o charme do passado, parecendo graciosamente alterados pelo tempo. As criações destacam-se pela sobreposição de tecidos e bordados, incluindo renda de bilro, macramês, bordado inglês e outros tipos de rendas, enquanto as superfícies parecem estar em constante metamorfose. Sob a influência da tecnologia 3D, o artesanato é reinventado, resultando em produtos que aliam inovação e grande autenticidade.
DENIM
Uma fantasia inspirada pela passagem do tempo ganha vida por meio de acabamentos avançados que simulam o desgaste natural, complementando produtos desenvolvidos no espírito denimcouture. Esses efeitos conferem um ar descontraído às qualidades do estilo urbano e valorizam os básicos casuais. Xadrezes e listrados fio a fio, muitas vezes confeccionados com fios índigo, recebem acabamentos especiais que destacam sua beleza, criando um visual desbotado que remete à ação do tempo. Com lavagens e tratamentos que clareiam o índigo, esses tecidos revelam nuances sutis e incorporam toques japoneses, como os padrões inspirados em ikats e katagami.
CAMISARIA
Os tecidos de camisaria estão mais leves e arejados, flertando com frescor e abraçando a transparência e a fluidez. Voils trançados, gazes listradas e micromaquinetados ton sur ton exibem a delicadeza de um enxoval, enquanto a formalidade é conferida pelas listras feitas com fio tinto. Os materiais variam entre flexíveis e rígidos, mas todos aproveitam a suavidade das fibras celulósicas em busca de uma fluidez acariciante. Tecidos feitos para serem lavados e usados sem necessidade de passar, como cloquê, gofrado, amarrotados e creponados, ganham destaque. As superfícies nunca são retas ou planas, podendo ser pesadas e onduladas, às vezes listradas com um jogo de brilho e opaco ou com detalhes adamascados.
CARTELA DE CORES
O ano de 2026 se orienta por uma narrativa que une inovação e tradição, traduzida por meio de cores que resgatam a ancestralidade e a regeneração. Cada tonalidade da cartela não apenas expressa um conceito visual, mas também reforça um modo de viver que considera ciclos naturais e práticas sustentáveis. Assim, as escolhas cromáticas tornam-se parte essencial desse diálogo entre passado e futuro, ciência e natureza, inovação e essência – Michelle Souza
De acordo com Michele Souza, a cartela de cores para 2026 será marcada por um retorno às cores essenciais: “Tons de branco e esbranquiçados se destacam com novas nuances e significados, dialogando com a busca por equilíbrio e proteção. Os cinzas e acinzentados surgem como expressões sem ostentação, em que a qualidade e a atemporalidade prevalecem. Diversos tons de verde emergem como uma celebração da natureza, refletindo a necessidade de desacelerar e reconectar-se com o mundo ao nosso redor. Os marrons aparecem como uma ponte entre o presente e o passado, evocando memórias ancestrais, saberes manuais e a valorização dos materiais naturais. Os azuis, inspirados nas águas dos rios e mares e na vastidão da atmosfera que envolve o planeta, convidam a uma reconexão com os elementos essenciais da natureza”.
PATRIMÔNIO ANCESTRAL evoca a terra e os elementos primitivos, estabelecendo uma conexão com nossas raízes culturais e os ciclos da natureza. Esses tons remetem à tradição e ao saber ancestral. Essa paleta evoca uma reconexão com a terra e a ancestralidade, utilizando cores que remetem ao natural, ao orgânico e ao não digital. Tons serenos inspirados na natureza oferecem uma sensação curativa, enquanto nuances quentes de damasco e tijolo infundem vigor, estabelecendo um diálogo experimental com o reino natural. Tons crus e minerais, como argila e areia, refletem a simplicidade primitiva e a elegância rústica, conectando moda e design aos materiais em seu estado mais puro. Meios tons neutros e terrosos de marrons avermelhados e caquis representam sustentabilidade e se reconectam com a natureza de maneira inovadora, transcendendo o óbvio e celebrando o ciclo da vida e as heranças culturais. O magenta avermelhado evoca vitalidade e espiritualidade, enquanto cinzas arroxeados e rosas acinzentados simbolizam a união entre força e misticismo. Tonalidades de pele e tons desbotados remetem à tradição do tingimento natural.
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