*Por Jackson Araujo
Mais do que um simples desfile, a apresentação “A morte do guarda-chuva”, no Brasil Eco Fashion Week, como parte da programação de marcas que atuam com ética e responsabilidade socioambiental, é a celebração de três anos de pesquisas sobre ressignificação de náilon de guarda-chuvas recuperados do aterro sanitário.
Representa a ocupação silenciosa de uma passarela para comunicação de ideias na contracorrente do greenwashing, que tem sido praticado na moda brasileira quando se quer falar de design circular, regenerativo e ético. Só mesmo no Brasil Eco Fashion Week é que essas práticas não se associam ao agro, à indústria do couro e dos tecidos sintéticos. Ali, estilistas, marcas, patrocinadores e direção-geral são conscientes de seu papel para mudar a velha engrenagem de lógica linear, onde se prega um modelo de extração, fabricação, consumo e descarte, promovendo uma espiral constante de destruição de pessoas e dos recursos do planeta.
Regeneração e descarte irregular de resíduos não podem ser tratados como temas de eventos, mas com urgência e responsabilidade. O Brasil Eco Fashion Week sabe disso e com apoio do Sebrae apresenta um piso que é composto 20% bioplastico Therpol (látex seringueira + resíduos jeans) + plástico reciclado (polipropileno reciclado). “O jeans reciclado que compõe o piso da passarela é fornecido pelo app Plataforma Circular Cotton Move, uma iniciativa que chega para reduzir o desperdício têxtil e ampliar a reciclagem de roupas de algodão no país, gerando novos produtos com fibras recicladas. Ao baixar o aplicativo, você tem acesso a mais de 430 pontos de descarte, nas cinco regiões do país; pontos de venda de novos produtos com fibras recicladas; informações sobre as etapas de logística reversa e parceiros envolvidos; posts sobre boas práticas da economia circular na moda”, revela Rafael Morais, CEO e coidealizador do Brasil Eco Fashion Week.
Na ecopassarela, o náilon de guarda-chuva recuperado do aterro sanitário acaba por se constituir um símbolo de cuidado com o planeta. Desde 2013, quando a plataforma de design regenerativo Revoada, de Itiana Pasetti e Adriana Tubino, abriu esse mercado com as catadoras da Coopertuca, a Unidade de Triagem de separação de resíduos do Campo da Tuca, em Porto Alegre, já foram recuperadas cerca de 25 mil unidades de náilon de guarda-chuva.
Em três anos da colaboração (2020, 2021, 2022) Trama Afetiva + Revoada, cerca de 1.500 guarda-chuvas foram transformados em vestíveis de modelagem resíduo zero pelas mãos de Thais Losso, Jorge Feitosa e Itiana Pasetti; viraram fitas para crochê em looks tramados por Monica Pivaea, Cordelial Lanas, Manuela Menghini e Marta Menghini; tramaram bolsas feitas pelas artesãs do Instituto Proeza e, por fim, ganharam a forma de parangolés ao vento sob olhar artístico magistral do stylist Marcio Banfi, que também criou os headpieces grafitados e estilizados pelo artista urbano Ricardo Tatoo. Nos pés, os tênis ecológicos da Vert Shoes.
No BEFW, a Trama Afetiva, plataforma de pesquisa em sobre inovação regenerativa para resíduos da indústria têxtil e ambiente de diálogo entre pensadores, artistas, ativistas, cientistas, marcas e sociedade civil, celebra o retorno da estilista Thais Losso às passarelas. “Pra mim, o mais importante é retornar fazendo parte de um coletivo, celebrando a força da colaboratividade, da construção horizontal e de um propósito maior, que é fortalecer as discussões sobre a ressignificação de resíduos e a preocupação com as manualidades e os grupos produtivos de pessoas invisibilizadas pela sociedade e pelo sistema da moda”, declara Thais Losso.
O desfile-manifesto da Trama Afetiva mostra que é possível atuar com design e informação de moda a partir de resíduos têxteis recuperados do aterro sanitário, colaborando assim com a limpeza do planeta e com a sustentabilidade financeira de grupos produtivos habitualmente invisibilizados pela indústria da moda.
Artigos relacionados