O terceiro dia do Fashion Rio começou de manhã, com desfile da Herchcovitch no MAM (leia mais na coluna Gente). Em seguida, já no Píer Mauá, foi vez dos Amish aloprarem e se entregarem ao rock pauleira. Como assim? Amish não são aquelas pacatas comunidades conservadoras que pregam a religião cristã, isoladas no interior dos Estados Unidos e Canadá, completamente alheias ao resto do mundo, valorizando o cultivo da terra e renegando os avanços da tecnologia moderna? Bom, sim, mas, ao som de rock, a Ellus Second Floor se inspirou no visual dessa turma, que ainda conserva o aspecto dos colonos antigos, para criar sua coleção. Aliás, ótima coleção e ótima edição de moda, por sinal. Tendo como base alguns delicados florais negativos que, aos poucos, ganham cores e se desdobram em outras estampas até chegar aos looks lisos, a diretora criativa Adriana Bozon e o estilista Thiago Marcon trouxeram ótimas peças que tiveram como base o black jeans e o neoprene. E mais: desconstruíram as partes de cima das jardineiras e salopetttes (dos uniformes para trabalho no campo) para transformá-las em tops que contracenam em sobreposições com bermudas, saias e vestidos em um exercício de modelagem primoroso. No mais, vale à pena mencionar as composições de duplas de cor como bordô e cereja, verde petróleo e turquesa. Tudo lindo. Deu até vontade dar uma circulada por alguma plantação de milho no Kansas!
Fotos: Vinícius Pereira
A penúltima marca a desfilar foi a Coven que, dessa vez, resolveu mexer no baú de memórias. As lembranças, no caso, podem vir de um passado remoto, com referências aos uniformes escolares, às roupas de um ambiente praiano de inverno, a peças do guarda-roupa masculino e até ao clima da fazenda. Tudo (bom) pretexto para a diretora de estilo Liliane Rebehy trazer à passarela xadrezes, listras invernais, babados grandes e texturas de pele de vaca em silhuetas descompromissadas, como costumam ser os tricôs da grife. Dos uniformes escolares, a marca trouxe detalhes como enormes “C”s aplicados no estilo college e abusou dos comprimentos longos, longuettes e midi para evocar essa atmosfera retrô com seu estilo elegante. Roupa boa para aquela mulher que tem calafrio na espinha só de pensar em Anitta e outras poderosas tchutchucas da vez.
Foto: Agência Fotosite
Por fim, a TNG apresentou uma coleção que pintou e bordou com fetiches, trazendo como carro-chefe a trinca da novela das nove que é um fetiche por si só: o casal de gays interpretados por Marcello Anthony e Thiago Fragoso e a mãe de aluguel, Danielle Winits. Ou seja, fetiche aí não falta. Tem mulher que seduz homossexual. Tem homossexual que quer ser pai e fecunda mulher. Mulher que rouba gay de gay. E até criança criada por dois pais e uma mãe, em um menagezinho esperto. Vai dizer que Tito Bessa, o big boss da marca, não deitou e rolou em uma cama de pregos (ui, fetiche masô!) na hora de escolher os globettes da vez para sua passarela? A grife, marcante por se vestir e despir (outro fetiche: domínio, sedução e descarte, igual a poder) da bola da vez na mídia em seus desfiles, foi fundo no tema, não é mesmo? Claro que isso dá visibilidade, mas, se a TNG quisesse, nem precisaria usar esse fetiche, ops, estratégia de imagem. A coleção estava super boa! Com uma edição pontuada pela música forte dos Holograms, ‘Laughter breaks the silence’, a marca trouxe o movimento punk londrino que, aliás, sempre significou moda-fetiche da melhor qualidade, desde quando Vivienne Westwood e seu partner-fetiche, Malcolm MacLaren, se cansaram do glam rock e quiseram partir para outra, fundando a Sex, misto de loja de roupas e incubadora de bandas como os Sex Pistols.
Fotos: Vinícius Pereira
A alfaiataria slim da marca ganhou ares mais eróticos ainda com rebites, spikes, tachas e alfinetes. O jeans ficou rasgado, detonado e puído, como o músico Johnny Rotten. Puro fetiche! E as bocas sequinhas das calças, bem justinhas, receberam zippers, aviamentos que representam o fetiche por natureza. Obviamente, se estamos falando em fetiche, estamos acentuando a dose de sexo que já existe naturalmente no punk, e os comprimentos das peças não podem seguir a cartilha do midi, mas permanecem curtos, revelando as pernocas. E até as camisas western (ih, caubói, outro fetiche!) ganham spikes nas golas, assim como os paletós ganham tachas nas lapelas. Fetiche, fetiche, fetiche. E, lá no final de tudo, eis que entram os looks com estampas de onça. Animal print, fetiche que não sai de moda. Primeiro nas ankle boots, femininas. Depois em uma calça aqui, outra lá, quando a gente vê, a onça já tomou conta de tudo, até dos sobretudos e trenchs. Delícia, hum, delícia, tira mais, veste mais, hum, mostra mais. Fiquei até com vontade de voltar no tempo e dar um rolé no Crepúsculo de Cubatão, boate-fetiche do Rio nos anos oitenta. Hum, fetiche! Cadê o pole dance? Vai vender feito água!
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