Exclusivo! À frente de uma das mais significativas marcas cariocas, Carla Cavendish declara: “Fazer moda no Brasil é complicado”


Batemos um papo com o nome por trás do sucesso da Cavendish sobre o atual estado da indústria fashion no país, o diferencial das roupas cariocas e quais as dificuldades do mercado

*Por João Ker

Carla Cavendish é uma daquelas empreendedoras natas, que conseguiu colocar sua marca entre as mais queridinhas das cariocas. Não é por menos: a Cavendish carrega o DNA do Rio de Janeiro nas estampas, cortes e texturas que adota em suas coleções, mesmo que elas sejam inspiradas em outros lugares do mundo. Criada há mais de 20 anos, a grife já fez bonito por mais de uma década em desfiles no Fashion Rio e no Fashion Business, sempre atraindo a atenção de celebridades como Glória e Cléo Pires, levando nomes como Carol Trentini e Isabeli Fontana às passarelas e, entre bordados e paetês, conquistando toda uma legião de admiradoras.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Para o Inverno 2015, apresentado durante o Salão Bossa Nova (como você viu aqui), a marca fez mais uma vez o uso dessa internacionalidade mesclada à carioquice já intrínseca aos seus produtos. As peças, inspiradas no Deserto do Atacama, no Chile, apresentam desde vestidos longos e fluídos cheios de atenção nos detalhes, com acabamentos e desenhos cortados a laser, assim como looks mais sensuais e curtos, perfeitos para a noite. “A mulher gosta de usar coisas mais justinhas para sair”, comenta Juliana Minelli, que já desenha para a Cavendish há quatro anos. Estampas inspiradas em tapeçarias, couro, crepe e neoprene também aparecem, em meio a uma paleta de cores inspirada no crepúsculo do paraíso árido, com bastante roxo e cores quentes.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Mas com esse sucesso todo, Carla conta que tudo isso aconteceu por acaso e que, formada em Fonoaudiologia, ela nunca planejou entrar no mundo fashion. Ainda assim, hoje ela demonstra aquele olhar de lince de quem já está inserida há anos na indústria, sabendo analisar todas as novas peculiaridades e tendências tanto do mercado quanto do comportamento das brasileiras. No comando de nove lojas próprias e mais de 300 pontos de venda, ela comenta com HT, em entrevista exclusiva, todas as mudanças que vem percebendo na moda brasileira, as dificuldades de se produzir roupa de qualidade no país e o porquê de o Rio ser a melhor cidade para se trabalhar com moda. Leia abaixo:

Carla Cavendish e Laísa Brasil, gerente comercial, no cenário que serviu de inspiração para o Salão Bossa Nova (Foto: Instagram)

Carla Cavendish e Laísa Brasil, gerente comercial, no cenário que serviu de inspiração para o Salão Bossa Nova (Foto: Instagram)

 

HT: Como você decidiu que queria seguir carreira na moda?

CC: Eu era bem novinha, deveria ter uns 23 anos. Como minha formação é de fonoaudióloga, nunca pensei em “entrar na moda”. Fiquei sabendo de alguém que estava fazendo tricô à mão para vender e achei interessante. Comecei assim.

HT: Como definiria a típica cliente da Cavendish? A mulher que traduz o lifestyle da marca?

CC: Ela é uma mulher que trabalha e que gosta de moda sem ser exagerada. Atualmente, estamos focadas em uma moda diferente do Rio, voltada para aquela mulher executiva, liberal e antenada, que não abre mão da sensualidade sem ser vulgar.

HT: Como você vê a moda carioca em contraste com a que é produzida no resto do Brasil?

CC: O Rio é uma cidade mais descontraída, tem uma maneira de ser diferente do resto do país. Acho bem complicado, não é algo simples. O Rio tem um urbano diferente, mas uma cena praiana que faz tudo fluir naturalmente. O look para festa não é muito sofisticado, nem perua demais. A mulher carioca tem uma sensualidade que não é vulgar, não usa bordado com transparência, tem toda essa diferença. É por isso que as grifes mineiras não se criam muito por aqui, porque somos uma cidade com poucas multimarcas. O Rio tem uma filosofia que eu acho linda, onde o demais vira cafona. Um estilo despretensioso muito forte.

 

Desfile da Cavendish para o Verão 2005

 

HT: Qual a maior dificuldade de se trabalhar com moda no país?

CC: A mão de obra é muito desqualificada. Não há profissionalização em relação à indústria, que, por sinal, não ganha investimentos quase nunca. Você não vê mais gente querendo trabalhar como costureira, nenhum profissional quer isso. As pessoas preferem trabalhar com telemarketing ou informática do que ficarem em uma máquina de costura. O custo das peças vai ficando mais caro, porque ninguém quer seguir carreira na produtividade. Hoje tem muito mais estilista do  que pessoas fazendo roupas. E essa é a maior dificuldade do comércio: a roupa sair cara, porque foi preciso gastar muito até encontrar uma mão de obra qualificada.

HT: O que você acha do atual formato das semanas de moda no Brasil? Acha que concentrar os desfiles em São Paulo é algo prejudicial? 

CC: Não sei se o Brasil tem marcas suficientes e espaço para duas semanas de moda. O Rio é outra cidade, completamente diferente de São Paulo: tem um astral diferente, as pessoas gostam de vir para cá. Acho que se fosse para ter só uma semana, deveria ser aqui. Claro que lá eles também têm lugares e espaços lindos, não estou dizendo isso. Mas hoje é tudo muito diferente: a mídia mudou, a revista mudou. Quantas pessoas estão acompanhando os desfiles e vendo revistas de moda? Quantas estão indo buscar essas informações no Instagram ou nos sites das blogueiras? Quem dita a moda hoje em dia?

Este slideshow necessita de JavaScript.

HT: Além desse comportamento do público, o que mais observa de mudanças na indústria desde quando você começou?

CC: Nossa, tanta coisa! Hoje é tudo diferente. Você tem que se preparar mais, caso queira trabalhar com moda no Brasil. O país inteiro está sofrendo um déficit muito grande na indústria, formando apenas estilistas e esquecendo das costureiras e modelistas. Como que a gente quer concorrer com a China com essa dificuldade em encontrar mão de obra qualificada? O que vai ser da indústria daqui uns anos? Como vamos nos manter diante desse quadro? Eu, sinceramente, não sei. E não é só isso. A parte comercial também está complicada, porque os donos das marcas não querem mais ficar à frente das lojas. O shopping ainda cria uma carga horária absurda que faz ninguém querer trabalhar ali, porque não existe vida pessoal. Minha gerente comercial também reclama que não há mão de obra para o comércio, porque a vida dos vendedores é um inferno.  Hoje virou um verdadeiro leilão de profissionais para a moda: “Eu tenho uma boa modelista”.  “Eu tenho um bom vendedor”…Qual é a saída? Comprar material da China, onde eles usam mão de obra escrava? E essas marcas de roupa com produtos baratos fazem roupa onde? Eu não sei. E também não sei como falta mão de obra com toda essa crise financeira. Sem falar no preço dos impostos que pagamos, o que faz o produto sair ainda mais caro. Fazer moda no Brasil é bem complicado.

HT: Quais os planos da Cavendish para 2015? Pretende voltar às passarela, investir em algum novo projeto ou parceria?

CC: Eu quero me manter e me segurar por essa crise do Brasil. Esse ano foi muito complicado: o saldo de pessoas comprando foi baixo durante a Copa do Mundo, durante as eleições e, agora, constato que as vendas de Natal foram melhores em. As pessoas estão consumindo menos. E eu tenho para mim que em 2015 ainda será pior.