A Casa de Criadores fechou com chave de ouro as comemorações desses 25 anos de uma chancela de inovação sempre apresentando as criações de David Lee, Priscilla Silva, Gefferson Vila Nova, Felipe Caprestano, PIM (Periferia Inventando Moda), Woolmay Mayden e Rober Dognani.
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David Lee
“Certa vez eu li que: ‘tudo aquilo que nos é visível só é porque está iluminado’, e então eu também me iluminei”, reflete David Lee. Iluminar-se em criatividade e inspiração, na principal fonte de vida: o sol – assim raiou Aurora, a nova coleção da marca David Lee. O designer pontua em seu texto que o nascer da estrela remete ao nosso próprio despertar de todas as manhãs.
Todo dia que amanhece jamais é igual, e nessa interpretação dos ciclos a próxima temporada se expande em múltiplas linguagens do corpo-arte.
Diante de um céu repleto de laranjas, amarelos e vermelhos, o astro aponta uma parceria calorosa com o artista Narcélio Grud, conhecido e reconhecido pela intervenção em suas mais diversas expressões. Em Aurora, Grud chega para expandir a atmosfera: “O fluxo natural é que as linguagens se incorporem, promovendo um hibridismo: nenhuma linguagem se sobrepõe a outra, elas se fundem”.
Os artistas então convergem suas artes e desordenam qualquer rótulo que limite a criação. Seja ela roupa, seja ela mobiliário urbano, para haver fotossíntese, é preciso sair da caixa. Lee explora ainda mais o universo feminino e, num movimento de fora para dentro, imprime sua assinatura em curvas suaves, numa experiência criativa na qual o corpo demarcado é visto numa perspectiva “sexy suave”. Também projetando luz sobre o contorno, a alfaiataria sempre presente nas coleções do designer traz uma silhueta utilitária para os looks masculinos.
Dos mistérios do horizonte, referências radiais culminam em peças de sarja, combinando emborrachado e até um salpicado divertido de miçangas. Para completar o ciclo, David Lee encandeia territórios já conhecidos com o crochê – assinatura tradicional em sua estética, que, desde sempre, valoriza o calor do artesanato nordestino e a resistência do fazer manual autêntico brasileiro.
Priscilla Silva
A coleção Priscilla Silva Brand foi batizada YBY (em tupi-guarani significa “terra”) e inspirada na tartaruga que retrata persistência, força e versatilidade. A designer estreou na Casa de Criadores em 2019, retomando hoje as passarelas após percorrer vagarosamente longas distâncias e firmado seus passos na terra, a origem de onde viemos.
Looks exclusivos feitos à mão com peças em crochê 100% algodão e fibra de cânhamo que arremata a coleção com fluidez e leveza. Na cartela de cores, o areia e o branco protagonizam as peças, dividindo-se em vestidos, alfaiataria, macacão, chapéu e trend coat que se desmembra formando vários looks. E para finalizar, os bordados à mão em formato de tartaruga formando o logo da marca, trazendo um toque harmônico e único à coleção.
Na escolha dos acessórios, a marca Cuadró deu um toque original com seu trabalho minucioso feito à mão. Nos pés, a Insecta veste muito bem, trazendo simetria aos looks com sua marca vegana, sustentável e ecológica. Utilizando a fibra de bananeira como matéria-prima em suas coleções, nos mostrando como inovar!
Gefferson Vila Nova
A coleção Do outro lado do Rio nasceu após uma expedição realizada em dezembro de 2021 à Floresta Amazônica. Navegando pelos rios Negro e Solimões, o designer refletiu muito sobre os impactos climáticos provocados pela ação humana, diante de um cenário marcado ainda pela pandemia da Covid-19. O “encontro das águas” – fenômeno natural em que águas escuras e barrentas desses rios não se misturam, mas se conectam – aponta para os laços enviesados entre povos, ritos, culturas diversas.
“Do outro lado do rio” busca, através da potência expressiva da moda, lançar um olhar ativista pop, mas muito sério para o fashion consumption. Figuram ainda na coleção referências ao trabalho da Margaret Mee e a voz ativa pela luta pela preservação da floresta da jovem sueca Greta Thunberg. “Do outro lado do Rio” é uma coleção poética que fala sobre amor, respeito à floresta e da luta de toda uma geração pela preservação do meio ambiente engajadas em impactar as nossas relações com o planeta.
Felipe Caprestano
Nesta edição da Casa de Criadores, o estilista Felipe Caprestano dá continuidade à pesquisa sobre os estados transitórios da forma e processos de construção/desconstrução com a coleção Diamante Gala.
Utilizando o corpo como eixo ou suporte para formas totêmicas, o estilista exercita sua produção em estruturas que ao mesmo tempo dialogam e conflitam com a figura humana em manifestações além da roupa, passando por referências que vão de formas da natureza a objetos eróticos.
PIM (Periferia Inventando Moda)
DELLUM
A marca apresentou a coleção Atonement/Expiação. Em latim: expiatione, expiatio.onis. Significado: ato ou efeito de expiar. Cumprimento da pena ou castigo, (culpa ou delito). Sacrifício expiatório, penitência. Prece para aplacar a divindade. Purificar as falhas. A palavra também é citada 211 vezes em Apocalipse na Bíblia.
Na coleção, a marca apresenta “a cura” com predominância do branco nas peças mais contraste do preto. Possui mix de texturas, pespontos, camadas, drapeado e recortes. Todas as peças foram feitas em 100% algodão. Acessórios em metais diversos, mixados com argolas. Peças presentes como tops cropped, calças, jaqueta, saia, mini short, macacão, vestido, sobreposição de casaco e o must have um conjunto de saia super longa com top frente única.
Brunn Dellum nasceu no interior da Bahia, autodidata e de origem indígena. Sua moda é a resistência e suas coleções retratam tudo ao seu redor. “DELLUM é uma marca brasileira, voltada para pessoas determinadas a serem elas mesmas e que não têm medo de ousar e expor sua sensualidade”. O estilista acredita que sua moda é para todes, que busca inclusão e promoção da diversidade: “Ela transita em um universo contemporâneo, futurista e espiritual. Seu DNA traz a liberdade de ser” Dellum acredita que não há roupas específicas para o X gênero.
“Nossa história tem toda uma simbologia em arquétipos, representação e traduções. O nome em si Dellum vem da criação, junção e tradução de duas palavras com origem no latim! Delere: abreviação do (deletar) vem do direto de apagar, retirar a informação, eliminar, ausência a sua falta. Lúmen: significa abertura de luz, unidade de medida que mede a luminosidade ou quantidade da luz emitida… Também em Romeno; Lume sua tradução é por extensão um jato de luz, brilho, claridade das estrelas.
A logotipo 96D: inspirada no nossos sentidos e data de nascimento do fundador Brunn, no ciclo das estrelas binárias até a formação da super nova… Um princípio da criação através da espiral sagrada codificadas em dados numéricos e letra mestre do nome Dellum. Tudo está conectado, em harmonia, atração binária entre luz e sombra ou a ausência da mesma. “Assim nascemos, e assim somos. Em um paradoxo puro e complementar.”
VOLAT
A coleção tem como intuito reconhecer através de histórias e trajetórias o papel fundamental de pessoas pretas na construção do que se considera arte e moda, a partir de um olhar decolonial a fim de reescrever ou apresentar uma nova visão sobre esses meios. Como forma de consolidar essa narrativa, revisitamos os passos e a história de mulheres pretas de uma determinada família, chamada Cortes do Carmo, coligando a perspectiva e a relação que cada mulher dessa linha genealógica teve com a moda.
O início dessa jornada começa a partir da trajetória da matriarca Elisabeth Cortes do Carmo, que teve como fonte de sustento um dos pilares mais importantes da indústria da moda, sendo modelista e costureira quando chegou em São Paulo na década de 60. Seguindo para sua filha Elaine Cortes do Carmo, que teve o artesanato e os trabalhos manuais como o crochê, um lugar de desenvolvimento criativo e de renda econômica. E por fim chegamos na diretora criativa da Volat Leticia Cortes que viu na moda uma forma de se expressar e mudar o mundo com sua vivência.
Entre muitas fotografias, histórias e memórias, um símbolo atravessa a história dessas três mulheres, que é a porta central da casa de Elisabeth Cortes, que foi inserida na família desde a sua construção nos anos 60. A porta sempre permaneceu através do tempo e ficou marcada como um lugar central para os retratos da família. Dentre os pontos marcantes o símbolo presente nesta porta também é um sinônimo da Ancestralidade, pois contêm esculpido um Bese Saka, símbolo Adinkra que representam ideias expressas através de provérbios africanos, e foi perpetuado nos trabalhos em ferro pelos escravos como forma de manifestar resistência e de preservar suas raízes ancestrais.
As peças da coleção foram desenvolvidas como forma de reconhecer a existência dessas pessoas as colocando no pedestal que deveriam ocupar, através dos recortes, modelagens que inspiram a indumentária da realeza, com elementos como mangas bufantes, cinturas marcadas com corset, se misturando com peças mais oversized, bolsos cargo, capuz grandes e outras referências ao estilo streetwear reverenciando o tempo atual mas sempre visando o futuro. As cores dos tecidos no tom off white e aviamentos em dourado também complementam esse ar real de pureza e divindade. Dentre essas escolhas, o crochê entra como complemento desta atmosfera, além de linkar com o trabalho feito por uma das mulheres representadas, demonstra afetividade com o trabalho manual, com o que é produzido por mãos que tramam e manuseiam os fios. O macramê e o bordado também fazem parte da indumentária, compondo essa ligação com o artesanato.
“Com isso, através da coleção revisitamos o passado, para compreender o presente e desenvolver o seu futuro, assim como o provérbio de Sankofa, outro símbolo Adinkra. A coleção “Qual ancestral você quer ser?” tem como objetivo demonstrar e questionar os movimentos que tem se construído na moda, buscando trazer atenção para um dos fundamentos mais importantes para a marca e para toda cadeia da indústria da moda, que é questionar quem são e quais são as histórias das pessoas que fizeram ou fazem parte da cadeia de produção e manutenção do mercado”.
A Volat é uma marca sustentável slow fashion atuante no segmento de streetwear que tem em toda sua cadeia produtiva pessoas pretes e periféricas construindo e dirigindo a marca por completo. A marca se apresenta e adentra no mercado da moda como um lugar de resgate e apropriação daquilo que foi e ainda tem como base de manutenção grupos marginalizados socialmente mas não recebem o devido reconhecimento e valorização, pensando que só existe um futuro possível mais justo e sustentável quando colocamos no centro das criações, da economia e das relações de consumo a base da pirâmide.
X.BRAND
O OLHAR DA ESPERANÇA: Renascimento e celebração da vida para quem se curou da Covid-19. Com um soneto a label começa a falar sobre renascimento e olhar para o lado humanizado e aceitar as pessoas como ela são. “Na história estamos acostumados com as beldades esculturas e hoje Alex Santos vem mostrar a verdadeira face e um novo olhar para o PERMITIR-SE SER RENASCIDO DAS CINZAS. A nossa vida vai mudar muito daqui para frente, e alguém que tenta manter o status de 2019 é alguém que ainda não aceitou essa nova realidade. O corpo não é o único a mudar. Seus sentimentos se transformam. Você merece looks para expressar esse amor que transborda”.
O universo criativo de Alex Santos não cabe em definições simples. Glamoroso, arrojado, transgressor, pessoal. Cada peça de Alex Santos tem uma história, que se mistura com a sua própria, unindo conceitos da alta moda com a estética urbana característica da periferia de São Paulo. Oriundo da comunidade de Paraisópolis, Alex acredita numa moda que venha das ruas. As peças de Alex Santos são bandeiras de seu estilo: sensualidade, personalidade e o transitar sofisticado e inovador entre gêneros e estilos. O resultado são roupas desenvolvidas para quem tem e quer expressar atitude e personalidade, roupas para quem se gosta e quer ser gostado.
RIDDIM
A label de Mônica Barboza tem com o objetivo de vestir pessoas com personalidade forte e que não têm medo de ser quem são e querem se expressar imageticamente através da moda. Missão é ser mais que uma marca de moda street e ajudar pessoas a se expressar através de roupas, e para além disso ser percursor de auto estima e mudança de jornada. E visão: ser reconhecida como uma empresa que impactou e repercurtiu na vida de nossos clientes e colaboradores. Fazer moda que vista a alma e não somente o corpo.
Autenticidade; Exclusividade; Design; Colaboração.
“Para a elaboração de nossas coleções conceituais utilizamos retalhos que seriam descartados, ou estavam sem utilidade agregando valor as peças tornando-as exclusivas. Para coleções comerciais utilizamos os retalhos para elaboração de máscaras, para doação em instituições e outra parte para senhoras do bairro que fazem tapetes, ajudando assim na renda dessas famílias.
Woolmay Mayden
Um passeio pelo esporte e a streetwear repleta de identidade. E no cartaz segurado por um dos modelos a frase de Marsha P. Johnson, figura chave para que a comunidade LGBT começasse a adquirir direitos no início da década de 70. A letra “P” no seu nome representa a frase “pay it no mind”, que se tornou uma marca pessoal e deu nome a um documentário sobre a sua vida. Marsha tornou-se tão relevante nesta luta, que ficou conhecida como “a mãe da libertação gay”.
Rober Dognani
O designer fechou triunfalmente a edição comemorativa dos 25 anos da Casa de Criadores com uma ode aos grandes nomes que passaram pelas passarelas da semana de moda autoral em São Paulo. Tudo concebido pelo seu olhar mega mega criativo. Foram lembrados os icônicos desfiles de Karlla Girotto, Marcelo Sommer, Cavalera, Icarius, Ocimar Versolatto, Igor Dadona, Fernando Cozendey, entre tantos que em nossos corações e para quem a moda nacional deve muito muito. Uma Nossa Senhora abençoou a todos no final do desfile.
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