Casa de Criadores: Do belo ajuntamento validador de Jorge Feitosa à arte política de Mônica Anjos


Vem mergulhar nos universos criativos de Jorge Feitosa, Mônica Anjos, Estúdio Traça e NotEqual

O segundo dia de desfiles da Casa de Criadores contou com o Desafio Sou de Algodão e os desfiles de Jorge Feitosa, Mônica Anjos, Estúdio Traça e NotEqual.

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Jorge Feitosa

Adoro o trabalho de Jorge Feitosa, nordestino do Agreste de Pernambuco que, com sua label trabalha o conceito da SULANCA – reaproveitamento de tecidos – através do slow fashion. Seus ajuntamentos (é assim que ele chama suas coleções) são desenvolvidos sempre a partir de histórias aparentemente particulares, que através do estilista ganha tons míticos, regionais e folclóricos. Suas roupas existe para além das fronteiras impostas por qualquer olhar. Toda sua produção é feita com o pensamento e ação direcionados pela sustentabilidade no processo e nas relações. Jorge Feitosa iniciou sua carreira profissional como vitrinista. Já fez figurino e cenografia, participou do SENAI Brasil Fashion, venceu o reality Caixa de Costura (GNT) e lecionou na Pós-Graduação da Faculdade SENAI Antoine Skaf. Hoje faz parte da TRAMA AFETIVA como designer-tutor e do line up da Casa de Criadores.

De modo conceitual, acredito ser muito importante entender até que ponto produzimos o nosso regional ou se apenas reproduzimos o regional dos outros – Jorge Feitosa

“O Ajuntamento validador firma o entendimento sobre o meu próprio ofício, reforçando a crença na feitura do que realizo. Isso validado pelo único (e mais precioso) retorno que recebo sobre o que produzo, seja material ou imaterial, que vem das pessoas que consomem esse fazer. E isso diz respeito à ancestralidade que carrego, pois desenvolvo e produzo o meu regional ao invés de reproduzir o regional dos outros. #ONordesteÉMaisQueUm!”

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Mônica Anjos

Mônica Anjos é uma das principais estilistas de moda negra no Brasil. Atualmente, com mais de 20 anos de atividades ininterruptas, a estilista que ganhou o país com sua marca, continua surpreendendo o público com peças marcantes e inconfundíveis. A Marca que experimenta a combinação entre um trabalho intenso de pesquisa, sofisticação, atitude e arte, desta maneira, apresenta modelos que uma vez no corpo não passam despercebidos.

Coleção Manifesto

Dois mil e vinte e dois, cem anos da Semana de Arte Moderna e década em que o Manifesto Antropofágico completará 100 anos (1928-2028). Esse acontecimento reconhecido pela historiografia das artes brasileiras, nos inspira, sim. Mas também nos faz lembrar o quanto reproduziu o viés racista que perdura até hoje, de forma estrutural, em nossa sociedade; o evento que se propunha romper com o formalismo estético e criar uma arte autenticamente brasileira, não foi capaz de inserir a produção negra, nem dialogar com nomes como Lima Barreto e Lino Guedes.

Enquanto a história escolhe os registros que lhes convém, continuamos cem anos depois, como fizemos séculos antes da Semana de 22, lutando e nos posicionando. Verdade que incontáveis vezes nossas transcrições têm sido bordadas a sangue. Contudo, as estruturas políticas alinhadas à estética nas diversas organizações religiosas de origem africanas; o aquilombamento dos Movimentos Negros que resulta no Teatro Experimental do Negro, no Kilombhoje dos Cadernos Negros, nas conquistas individuais e coletivas em todos os setores artísticos políticos e sociais, nos fazem lembrar que a luta pela/com arte, também faz parte de nós, e continuará sendo lembrada inspirando ideais, almejando mudanças.

Entre “arte pela arte” e “arte como representação da realidade”, lembramos que “nossa felicidade é uma felicidade guerreira”, nossa história (de luta) vem de longe, então: nossa arte não é panfletária, é política! Nesse alinhavo necessário, reconhecemos que, a moda toda vez que se posicionou/posiciona fez/faz com arte. Moda de/e para corpos ignorados não tem outro caminho, assim tem sido e assim caminhamos para a 50 edição da Casa de Criadores, a primeira participação presencial da marca Mônica Anjos – Moda com Identidade.

As semanas de moda no país, nesses últimos anos, têm mostrado ao Brasil e ao mundo que nada pode ser feito ignorando os povos originários nem parte da população que construiu e trabalha duro por esse país, e falta palco para mostrar tanto talento, conquistas, beleza! racist or anti-racist that is the question.

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Assim, a estilista Mônica Anjos convoca parceiros para sua Coleção Manifesto: Todos contra a extinção dos povos originários; contra o extermínio da juventude negra, contra a perseguição constrangedora nos corredores de lojas, contra as bananas atiradas aos jogadores negros, os salários desiguais, os rostos tatuados pela violência machista, contra a homofobia, que segundo o GGB, em 2021, 300, homossexuais (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, entre outros) sofreram morte violenta no país em 2021; ainda, contra os trabalhos análogos ao regime escravo e a imposições de padrões…

Só a luta contra as desigualdades pode nos unir. “Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” Humanamente “E proclamamos que não se exclua ninguém senão a exclusão”.

Estúdio Traça 

A temática do mar é muito forte para Guilherme Amorim e a história do Estúdio Traça. Nascido e criado no litoral paulista, as primeiras peças criadas pelo designer foram comercializadas na praia. “Foi nesse ambiente que comecei um trabalho de upcycling com roupas que encontrava em brechós. Eram peças que recebiam bastante trabalho manual”, explica o designer. Nesse período, apesar de ainda estar em um momento de construção da sua estética, o designer ressalta que as peças fizeram sucesso e os shortinhos recortados e peças apropriadas com bordados e tie-dye se espalharam para as várias praias da região em que morava”.

Nessa temporada, o Estúdio Traça retoma esse momento de conexão do designer com o mar e seus arredores. Trata-se de uma viagem para lugares conhecidos a partir de uma nova perspectiva. “Apesar de amar o mar, na adolescência eu tinha muita vergonha do meu corpo. Então, pensei como seria voltar para esse ambiente e ressignifica-lo”, explica Amorim.

Esse processo de enfrentamento e redescobrimento do passado se traduziu na coleção SANGAVA. A praia do Sangava está localizada na cidade do Guarujá, no litoral sul de São Paulo. Cercada pela Mata Atlântica, a praia se desdobra em 90 metros de extensão.Por ser uma praia de acesso restrito, Sangava é uma praia com ares de deserto. Pense em poucas ondas, areia fofa e uma sensação de privacidade; um lugar convidativo para um momento de reconexão com a natureza e a si mesmo.

As cores e a textura da praia do Sangava se desdobram em uma coleção com uma cartela de cores explosivas e combinações inusitadas. Transitar por uma imensa cartela de cores foi um trabalho desafiador. Até então, o Estúdio Traça tinha apresentado cores de maneira sutil. Nessa temporada, além de cores, o Estúdio Traça trabalhou com novos tecidos e materiais. A coleção apresenta looks em tricoline listrado, sarja, camisaria e tricô. O jeans em suas variadas versões ainda representa um grande espaço no DNA do Estúdio Traça.

Além da profusão de cores que remete a conexão com o mar e a natureza, os cortes e texturas das peças dialogam com tudo que transita pelo oceano. Enquanto os tecidos brincam com as texturas orgânicas do fundo do mar, os looks se apresentam em amarrações, volumes e shapes que remetem ao movimento e quebra das ondas. Além disso, as peças foram cortadas em recortes pontiagudos e redondos em alusão à proa, vela de barcos e as janelas dos navios.

A coleção SANGAVA pretende apresentar o tema náutico em uma visão atualizada e mais subjetiva. “Não quero que seja óbvio. Quero que seja uma coleção que convide a mulher a encontrar funções e moods diferentes para as peças”, defende Amorim. Pela primeira vez, o Estúdio Traça apresenta uma coleção de acessórios. Desenvolvida em parceria com a Bossa Nova Jóias, os acessórios apresentam um ar futurista por meio de linhas minimalistas. Trata-se de uma coleção completa de colares, tiaras, pulseiras, anéis, brincos e piercings.

Pensando nesse mundo que clama por constante movimento e atualização, a nova coleção do Estúdio Traça permite que a mulher abrace e aceite as suas transformações. É a roupa para a mulher que enfrenta a mudança das marés e ressignifica o seu lugar no mundo sem pedir licença.

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NotEqual

Urdidura, substantivo feminino, conjunto de fios dispostos longitudinalmente no tear e pelos quais passa o fio da trama. O processo dessa coleção foi de rememorar conceitos, da mesma forma em que trouxeram à tona recordações de fatos ou momentos, numa jornada fragmentada, de símbolos e signos muitas vezes mutáveis no processo de lembrança, que geram uma imagem próxima mas nunca exatamente verdadeira.

Revisitando então modelagens da trajetória da marca, como as que foram elaboradas para as apresentações digitais, começou-se a enfatizar na edição dos looks uma forma de recriar numa espécie de bricolagem uma composição harmônica, porém carregada, de proporções sutilmente destoantes, e onde a variação nas nuances de gama dos tons trazem o olhar para os detalhes das peças.

A estamparia digital está retratando o hiperrealismo da tessitura de uma trama de rústica de barbantes e de um tricô manual, ambos capturados de forma  a aceitar o glitch do scanner como um ruído natural, resultado da transposição do real a uma escala aumentada realçando as manualidades distorcidas.

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