Casa de Criadores: De Brocal, label da cantora Tulipa Ruiz, a Nalimo sobre a ancestralidade dos povos originários


No último dia de desfiles do evento da moda autoral e celeiro de novos talentos, a Casa de Criadores, que comemora 25 anos, apresentou transhrealoficial (virtual), Vittor Sinistra, Da Silva Santos Neves, Brocal, label da cantora Tulipa Ruiz, Guilherme Dutra, Alastra, Rober Dognani e Nalimo

No último dia de desfiles da Casa de Criadores, que deu prosseguimento às comemorações dos 25 anos do evento, tivemos transhrealoficial (virtual), Vittor Sinistra, Da Silva Santos Neves, Brocal, label da cantora Tulipa Ruiz, Guilherme Dutra, Alastra, Rober Dognani e Nalimo.

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Vittor Sinistra

O estilista Vittor Sinistra, natural de Ceilândia (DF), participa pela segunda vez dos desfiles da Casa de Criadores, um dos maiores eventos de moda autoral do Brasil, que discute questões sobre gênero, raça, inclusão, sustentabilidade, empreendedorismo, responsabilidade social, novas tecnologias, novos formatos, arte e cultura.

Vittor Sinistra (Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite)

Vittor Sinistra (Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite)

Com a coleção batizada “Cidade Monstra”, ele aponta o desabrochar da monstruosidade como um chamado simbólico, um convite ao acolhimento e expressão afirmativa das diferentes identidades que compõem as cidades. Segundo o designer “um desfile que dialoga com São Paulo, metrópole que hoje é a minha nova morada”.

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No DF, Vittor teve uma trajetória de atuação nos Centros de Atenção Psicossociais (Caps), política importante do Sistema Único de Saúde (SUS) para acolhimento a pessoas que sofrem com transtornos psíquicos graves. É desse contato que ele também extrai sua inspiração. 

“Neste trabalho, celebro aquilo que não encaixa, aquilo que provoca, que atrai olhares nas ruas, que causa estranhamento e fascínio, que tensiona limites e perfura redomas, que incomoda o juízo e a norma”, diz o estilista.

Da Silva Santos Neves

A nova coleção trazida pela Da Silva Santos Neves à Casa de Criadores, trata-se do amadurecimento da marca através de volumes e formas que se desvirtuam do viciado visual acinturado. Assim, tomando como inspiração itens essenciais do guarda-roupa, moda cama-mesa-e-banho, cores e estampas tipicamente brasileiras, o designer apresentou uma coleção que também incrementa o upcycling de materiais em peças.

Da Silva Santos Neves (Foto: Marcelo Soubhia)

Vinícius dos Santos Neves é paraibano e afirma que a marca surge como resultado de experimentações artesanais feitas ao decorrer de anos ajustando e entendendo a construção de peças encontradas em brechós, espaços que democratizam o acesso a tecidos e a materiais em geral.

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“Assim, a partir desses estudos iniciais, fui despertado a buscar os conhecimentos capazes de tirar minhas ideias do papel e de fato começar a criar moldes,
fazer styling, fotografia e costura dos looks desenhados por mim. Além disso, enquanto criador preto e nordestino, tenho minha produção de moda impactada por signos, texturas e estéticas puramente brasileiras, de modo a valorizar corpos diversos e explorando novas abordagens audiovisuais.

Brocal

Camiseta de Banda Vol. 01 – Habilidades Extraordinárias é o nome da nova coleção desenvolvida com exclusividade pela marca Brocal, da artista visual e sonora Tulipa Ruiz, para a 51ª edição da Casa de Criadores. A nova coleção de Tulipa celebra o lançamento do quinto álbum da artista. São onze peças que representam a artista e as onze músicas de seu recém-lançado álbum, Habilidades Extraordinárias. “Cada música desse álbum fala sobre uma ou mais urgências”, diz a artista.

Na marca Brocal, a roupa serve como suporte para os desdobramentos das músicas e ilustrações de Tulipa. A artista tem como inspiração a música e a pluralidade dos corpos. “Eu determino o que me cabe” diz Tulipa sobre o seu mergulho como autora no universo da moda. A marca de roupas e presentes criativos faz parte da agência Brocal, criada pela artista e por seu irmão e sócio, o produtor Gustavo Ruiz, que movimenta também editora, um estúdio e uma produtora musical.

Brocal (Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite)

Brocal (Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite)

A inspiração para a coleção veio da predileção de Tulipa por camisetas de bandas, que a artista sempre gostou de ter e vestir. Motivada por essa paixão, desde o seu primeiro disco, Efêmera, de 2010, ela desenvolve estampas para as camisetas vendidas em seus shows. 

“As primeiras camisetas na música foram as do Elvis, ainda nos anos 50, e, nos anos 60, os Beatles fizeram camisetas para presentear os fãs em comemoração à primeira turnê da banda nos Estados Unidos. Aí vieram os Rolling Stones, os Ramones e toda a música pop. A música pautou a moda”, descreve Tulipa, que foi buscar a origem dessa vestimenta. “A marinha estadunidense usava como underwear por não ter botões e dispensar costura. Sua passagem a peça cotidiana foi popularizada pelo cinema por Marlon Brando e James Dean, também nos anos 50, quando passou a ser também um recurso publicitário. Na mesma época, o pintor do expressionismo abstrato Jackson Pollock também usava camiseta preta no dia a dia”, conta a artista.  

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Para explorar a versatilidade da peça e a criatividade das convidadas e convidados, Tulipa apresentará a coleção amalgamada com sua produção em crochê e tricô. A artista levou para a passarela parceiros e parceiras da criação musical como Anelis Assumpção, Tássia Reis, Maria Beraldo, Bebé Salvego, Alzira Espíndola, Otto, Filipe Catto, Mahmundi e o diretor de cinema e jornalista Pedro Henrique França.

A trilha sonora da apresentação será um remix da música Samaúma feito por Gustavo Ruiz, sócio da Brocal e produtor de Tulipa. Samaúma abre o disco Habilidades Extraordinárias, gravado no Estúdio Brocal. “Um remix meu para uma trilha sonora de moda não é remix, é um upcycling. A ideia é seguir o conceito de consumo sustentável”, celebra Tulipa. Toda a produção é feita sob demanda, como solução sustentável e cuidadosa, com entrega prevista em até 15 dias. 

Guilherme Dutra

A coleção parte da ideia de construir personagens únicos e que transportam em si magnitude e a delicadeza do olhar românico. Os corpos transitórios de sensibilidade e afloramento se enfeitam e expõe-se ao sentimental, até então não explorado.

Guilherme Dutra (Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite)

Guilherme Dutra (Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite)

Pérolas raras, a opulência reluz mais do que o ouro de Mansa Musa, mais do que os diamantes de Chica da Silva, um tesouro que seduz mais do que o dúbio sorriso de Nefertiti.

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Você tem para si a beleza e a virtude, a arte e a filosofia. Os museus da Europa estão cheios de luminosidade expressa em tinta-óleo e bordas douradas nas molduras e nesse lugar, propõem-se uma inversão de papel, e assim como a artista Harmonia Rosales, perpetuamos aos personagens lugares onde não os foram concedidos, mas que em sua grandiosidade o pertencem.

Alastra

A Alastra desde sua criação se propõe a trabalhar exclusivamente com peças de garimpo, ressignificando roupas através de técnicas artísticas para que elas tenham seu ciclo de vida estendido: serigrafias, costuras, recortes e bordados fazem com que roupas que virariam resíduo poluente retornem aos guarda roupas de outras pessoas, agora com uma envelopagem contemporânea que carrega diversos significados, entre eles, o político, ora pelo próprio ato de contestar a indústria do fast fashion, ora pelas mensagens e figuras políticas estampadas. Para Hayge Mercurio, idealizadora da marca, “a roupa deve ser uma armadura de luta”.

Alastra (Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite)

Alastra (Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite)

Em sua estreia na Casa de Criadores, a Alastra deseja evidenciar os processos artesanais e manuais que fazem uma roupa ir “do lixo ao look”. Apresentam-se no desfile roupas feitas a partir da junção e costura de 2, 3 ou mais peças juntas, o exagerado uso da tag ALASTRA em silk screen que remete ao pixo paulistano e sobreposições ousadas construindo silhuetas que fogem dos padrões do corpo magro “da moda”.

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Outra escolha que conta a história da marca é o casting de modelos, que consta, majoritariamente, com moradores da Ocupação 9 de Julho, equipamento de moradia gerido pelo MSTC (Movimento Sem Teto do Centro), onde a Alastra por muito tempo também habitou com seu ateliê e ainda é figura importante nos eventos e almoços organizados pela líder Carmem Silva.

Rober Dognani

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Nalimo

A terra é feminina e sagrada. Precisamos cuidar dela como quem cuida e honra um ancião. Quando amamos e honramos alguém, protegemos e desejamos que os dias sejam prolongados. Vivemos um tempo de explosões sociais e crises climáticas. É urgente olharmos para isso de forma responsável, ética e colaborativa. Todos nós estamos totalmente conectados. Nada acontece de forma isolada. Falamos muito sobre cuidar do planeta. Mas quem cuida da vida daqueles que cuidam da terra? 

Somos uma grande casa, uma verdadeira ciranda de gentes. A coleção  “TERRA” traz uma paleta em tons terrosos representando os diferentes tons de pele e territórios indígenas presentes na América Latina. Nas modelagens, cortes geométricos, tecidos fluídos, riquezas de bordados, texturas e encontra-se muita referência têxtil ancestral. Diferentes formas de expressar a fluidez humana em conexão com o planeta. É na terra que os primeiros movimentos da vida acontecem. E de volta para terra, nosso corpo se funde à natureza. 

Nalimo (Foto: Marcelo Soubhia/ Fotosite)

Nalimo (Foto: Marcelo Soubhia/ Fotosite)

Em mais um desfile, expressamos a necessidade de visibilizar os diferentes corpos indígenas, seus contextos sociais e vivências. A marca é vanguarda na discussão e fomento de diversidade na moda. 95% do casting da marca é composto por pessoas indígenas e 5% por pessoas negras. Nessa coleção, convidamos modelos que já fazem parte da trajetória da marca, desde sua concepção em 2017. Para Day Molina, trazer de volta para a passarela modelos como Flávia Anastácia, Katu Mirim e Mirindju Mbya, é relembrar a construção da NALIMO que sempre esteve comprometida com a inclusão étnica e racial. Além de  modelos, artistas e influencers indígenas, participa desse desfile, a liderança indígena Txai Felipe, da nação Yawanawa vindo diretamente da Amazônia. “Para nós, é sempre uma alegria muito grande contar com a colaboração de tanta gente diversa, parente indígenas de tantas partes de Abya Yala, representando de forma expressiva toda a diversidade deste continente chamado América Latina”. Afirma Day Molina.  

“A terra é por onde se caminha com o corpo, é onde os pés pisam para caminhar. A gente marca a terra pisando, e assim registra a terra com nossos pés. Deixamos nossos rastros em cima de outros rastros, ou refazendo outros rastros que também são caminhos. Então penso terra para caminhar” Esse pensamento de Salissa Rosa, ilustra tammbém parte do conceito por traz da coleção da estilista indígena. 

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“Territórios e corpos são elementos da terra. A terra tem muitas cores, assim como nossas peles. É uma expressão divina a forma como tudo isso está em sintonia” Mais uma vez, para além da moda,  Day Molina reafirma a importância social e política de sua pesquisa étnica e ancestral dentro da indústria, refletindo sobre os diferentes caminhos que podemos percorrer quanto indivíduos e coletivos.