“A moda vem correndo atrás de comportamentos que não conseguiu mastigar, digerir e transformar”, frisa Jackson Araújo


Coordenado pelo consultor de tendências, o projeto Trama Afetiva, promovido pela Fundação Hermann Hering, dá o start em suas atividades no dia 20 de agosto, no Centro Cultural São Paulo (CCSP), se consolidando como uma plataforma de estudos práticos da economia afetiva e seus impactos socioculturais. Estamos falando de economia circular no processo da criação colaborativa

Jackson Araújo é o diretor e criador do projeto Trama Afetiva que está na sua terceira edição levantando a bandeira da Economia Circular

*Por Rafael Moura

Consultor criativo e de tendências, Jackson Araújo desfiou um novelo repleto de diversidade, empatia e respeito para conceituar a terceira edição do Trama Afetiva e alinhavar o tema ‘Um novo passo rumo à Economia Circular‘, propondo uma verdadeira imersão sensorial e criativa a dez participantes previamente selecionados com interesse em novos processos colaborativos e sustentáveis de upcycling nas áreas de moda e design. Promovido pela Fundação Hermann Hering, projeto dá o start em suas atividades no dia 20, no Centro Cultural São Paulo (CCSP), se consolidando como uma plataforma de estudos práticos da economia afetiva e seus impactos socioculturais, que ainda traz Luca Predabon dividindo a direção criativa e de conteúdo com Jackson. “Acreditamos que esse tripé é um ponto de partida para, inclusive, entender e respeitar os consumidores que ainda não chegaram no nível de compreensão e ativismo que se fazem necessários para a pauta da sustentabilidade. Seja por falta de informação, poder aquisitivo ou gosto mesmo. O que não podemos é desistir, pois acreditamos no potencial educativo do Trama Afetiva como uma ponte entre a antiga e a nova realidade de mercado, produção e consumo consciente”, explica Jackson Araújo, em entrevista ao site HT.

Leia mais – Jackson Araujo lança livro sobre Economia Afetiva: “Estamos aqui aprendendo novas formas de interação na moda pautadas pelo respeito, empatia e diversidade”

O diretor criativo acredita que somente ocupando espaços de cultura, educação e arte podemos sensibilizar as pessoas, especialmente nesse momento tão delicado para a produção cultural da sociedade civil brasileira teremos uma força motriz para as mudanças. “O grande desafio sempre será entender que o ganho coletivo é muito mais valioso do que o enriquecimento pessoal”, enfatiza.

Você já deve ter visto nas vitrines ou nas redes sociais o slogan ‘Quem fez minhas roupas?’. Essa é uma das bandeiras do movimento global, sem fins lucrativos, o Fashion Revolution que está presente em mais de 100 países ao redor do mundo. Como um alerta, o coletivo faz campanhas pela reforma sistêmica da indústria da moda, com foco na necessidade de maior transparência na cadeia de produção do setor. Essa essência é uma das alavancas do Trama Afetiva, que nasceu pautado pela economia circular. Para enfatizar a importância, Jackson cita a professora Carla Tennenbaum, com quem estuda essas narrativas. “A economia circular é uma nova forma de pensar o nosso futuro e como nos relacionamos com o planeta, dissociando o crescimento econômico e o bem-estar humano do consumo crescente de novos recursos. Para isso, materiais circulam no máximo de seu valor como nutrientes técnicos ou biológicos em sistemas industriais integrados, restaurativos e regenerativos”.

Jackson Araújo é um dos grandes pensadores da economia circular desenvolvendo ações práticas

O desenho intencional de novos produtos e processos possibilita o aproveitamento inteligente dos recursos que já se encontram em uso no processo produtivo. Os resíduos se tornam nutrientes em novos processos – e produtos ou materiais podem ser reparados, reutilizados, atualizados ou re-inseridos em novos ciclos com mesma qualidade ou superior, ao invés de serem jogados fora, isso se chama upcycle. “Isso deixa claro que os ganhos são coletivos, exatamente como já entendemos que devem ser. Ganha o meio ambiente, ganhamos nós”, alerta.

Podemos considerar que mesmo as grandes indústrias da moda têm seus produtos desenvolvidos por pessoas, sem perceber, estamos falando de afeto, afinal cada peça conta um pouquinho da história de quem a produziu, injetando uma memória. “Gostamos de entender o Trama Afetiva como um projeto que propõe ações estruturais para pensar a sustentabilidade na moda para além dos resíduos têxteis. Isso sempre é um grande desafio, pois estamos todos aprendendo a lidar com essas novas realidades, especialmente quando pensamos no modelo de economia linear obsoleto que domina a maior parte da indústria da moda, em que retiramos da natureza, industrializamos, consumimos com voracidade e descartamos sem cuidado algum no meio ambiente”.

Jackson acredita que não só o Brasil, mas a moda como indústria global e fonte criativa de padrões comportamentais está doente. “Culturalmente, vejo a moda, pela primeira vez, tendo que correr desesperada atrás de comportamentos que ela não conseguiu mastigar, digerir e transformar em produto fácil, barato e descartável. Ela agora está sofrendo para diluir comportamentos de ponta e colocar no mainstream. Dessa vez, isso significa se colocar em xeque, enfrentar o divã do consumismo. Vale ressaltar que também nunca se falou tanto em práticas de autoconhecimento: ioga, meditação, budismo, aihuasca, xamanismo. E é aí que reside o X da questão: quanto mais você se conhece e se sente confortável com o que você é e tem, mas você percebe que precisa de menos. Ao precisar de menos, a velha moda, acostumada somente com a última linha da planilha adoece. Todo processo de cura requer resiliência, medicação e repouso. O tempo urge”, dispara.

Jackson Araujo, consultor de tendências e diretor criativo do Trama Afetiva faz um alerta para a moda

Para a edição de 2019, o Trama Afetiva propõe um desafio para os dez participantes, que será trabalhar com uma nova matéria-prima. “Neste ano, iremos criativamente e colaborativamente apresentar uma nova matéria-prima – um feltro feito a partir da desfibração de peças que retornam por motivo de trocas realizadas nas lojas da Cia. Hering -, que é submetida a um novo processo de tecelagem industrial com a tecnologia da empresa paulista Feltros Santa Fé. Essas peças – depois que são retirados todos os insumos (botões, zíperes, elásticos, etiquetas…) – viram uma espécie de flocos de tecido, que irão entrar em contato com uma fibra feita a partir da ressignificação de garrafas PET oriundas de cooperativas de catadores de lixo e passam por uma maquinário alemão de última geração, que tece essa nova matéria, um feltro resistente, reciclado e reciclável. Estamos muito felizes em colocar duas empresas consolidadas no mercado: a Cia. Hering tem 139 anos e a Feltros Santa Fé tem 54 anos – para pensar sobre como as novas gerações estão enxergando o futuro que já chegou”, explica. É com esse material que os participantes terão que desenvolver novos produtos aliando qualidade, design e sustentabilidade, um grande exercício de criação e cidadania.

A técnica do upcycling – que se carateriza por transformar um material a ser descartado em um item com maior valor agregado e nova destinação de uso -, é uma das bases da Economia Circular que, em contraponto aos processos produtivos lineares, defende a utilização de resíduos como insumos para a produção de novos produtos. “Esse novo feltro pode ser processado por até duas vezes antes de virar uma base para a construção de jardins verticais”, afirma Luciano Amado, diretor comercial da Feltros Santa Fé, idealizador do processo de feltragem que se baseia em cinco premissas denominadas 5Rs: “Reduzir, recuperar, reutilizar, reaproveitar e realocar”.

Jackson acredita que esse processo de ‘investir criativamente’ numa pesquisa de materiais que envolve tecnologia de ponta para a geração de nova matéria-prima é de suma importância para o desenvolvimento e crescimento da indústria. “Esse desenvolvimento antecede o processo de manufatura e construção colaborativa a ser realizado na Oficina Trama, em que os participantes que serão selecionados após o término das inscrições (10 de agosto), irão co-criar soluções inovadoras e de impacto para esse material, que por si só já representa esses dois valores (impacto e inovação).

Jackson Araújo com o Trama Afetiva pretende conscientizar a sociedade para formas mais sustentáveis para a produção de moda (Foto: reprodução Instagram)

Para Amelia Malheiros, gestora da Fundação Hermann Hering, o setor de moda tem um importante papel a cumprir mediante as novas demandas do processo de produção e consumo. “Novos valores e, por consequência, novos comportamentos são necessários para lidar com questões complexas. Nesse contexto, a indústria de moda torna-se uma alavanca poderosa de transformação social. A terceira edição do Trama Afetiva é, para a Fundação Hering, a certeza de que é possível ressignificar, abrir portas e potencializar a moda para o novo mundo”, analisa a executiva.

Já a Epson, apoiadora oficial do Trama Afetiva, através da gerente de negócios Evelin Wanke avalia a parceria com o projeto como uma “oportunidade de reforçar a conexão que temos com causas ambientais”. Segundo Evelin, a empresa tem como um dos principais objetivos “criar produtos melhores para um futuro melhor e, no setor têxtil, queremos evidenciar que há um novo caminho a ser seguido com tecnologias que reduzem o impacto ambiental por meio da otimização da produção e redução do desperdício”.

O consultor de tendências ressalta ainda que a ideia é promover a atualização das forças criativas, produtivas e de saberes manuais, de forma a apontar novos caminhos para a cultura de moda e design baseados em processos inovadores que conferem um novo ciclo útil para os resíduos dessa indústria que é uma das mais poluentes do mundo. “Mediante esse cenário, o Trama Afetiva traz uma nova proposta que busca uma evolução na metodologia de construção e disseminação de processos criativos que potencializem a cultura empreendedora, o design como ativismo, a gastronomia sem desperdício, a economia circular e, por consequência, a logística reversa”, resume Jackson Araujo, acrescentando: “São temas que se encontram em perfeita sintonia com o entendimento da matriz 4D da sustentabilidade que privilegia o socialmente justo, o ecologicamente correto, o economicamente viável e o culturalmente aceito”.

Temos visto o nascimento de muitas marcas que utilizam o design como ativismo social e cultural, reforçando a vocação do brasileiro para o empreendedorismo, mesmo não sendo muito fácil no Brasil. “O grande desafio é se entender como uma marca que nasce nesse novo mundo em que o dinheiro mudou, a moeda não é mais a mesma e o capital é o humano. Nascer nesse cenário requer de seus atores, sobretudo, verdade e transparência. Sabemos que quem optar por sincronizar discurso e prática já vem ganhando pontos, pois estará semeando boas práticas e com isso conquistando novos seguidores dispostos a colocar para frente essas atitudes. E já que estamos falando de moda, gostaria de lembrar que a moda não é mais sobre roupas e sim sobre pessoas”, alertar Jackson Araújo.

O Ponto Firme, coordenado por Gustavo Silvestre, usa o handmade feito por detentos de uma penitenciária em Guarulhos, São Paulo

Afeto é uma das palavras-chave dessa plataforma que pretende acionar a consciência ambiental e social da sociedade. Então, o site HT perguntou ao diretor criador Jackson Araújo sobre o potencial do nosso handmade, que é um dos grandes traços de design da nossa produção de moda, que merece e precisa ser valorizado. “Só conseguiremos colocar processos artesanais em merecido destaque se entendermos que, como a língua falada, eles são processos vivos, que estão em constante evolução e atualização. Quem pensa nos processos artesanais apenas como uma linha de repetição eterna de padrões aprendidos no passado está em descompasso com seu tempo”, reflete.

O consultor acredita que os artesãos e artesãs também recebem influência do meio ambiente, dos novos processos produtivos e devem ser visibilizados como canal de aprendizado e atualização, reciprocamente. “Somente no mundo ocidental existe uma visão separada entre arte e artesanato, por isso estamos trazendo para uma das nossas masterclasses, que fala sobre ‘Empreendedorismo Cívico e Aprendizados para a Liberdade’, projetos que furam essa bolha do fazer artesanal como apenas algo que se aprendeu com a avó, para ser entendido como canal de construção de uma nova rede de afeto, muitas vezes sufocada pela violência de gênero e pela aspereza do crime. Celina Hissa (Catarina Mina), Katia Ferreira (Apoena e Instituto Proeza) e Gustavo Silvestre (Projeto Ponto Firme) estarão presentes conosco para contar como criar esse novo tecido social a partir de novas habilidades que objetivam um futuro livre de crime e que possam romper com o ciclo da pobreza”, reforça.

Jackson, depois de desenrolar todo esse carretel de ideias e memórias, trazendo uma imensa reflexão, para nós e para vocês leitores, sobre as recentes transformações da moda, conclui a conversa com o site HT frisando: “O Trama Afetiva pretende atuar, significativamente, na valorização da afetividade no sentido de empoderar pessoas a ocuparem novos papéis na sociedade por meio da educação informal e do compartilhamento de conhecimento e aprendizados práticos, inspirando mudanças que possam potencializar a Economia Circular como uma importante linha de pensamento e ação na transformação dos modos de produzir e, por consequência, de consumir”.

Serviço:

Trama Afetiva

Centro Cultural São Paulo – CCSP

Dia 20 de agosto de 2019 (terça-feira)

Sala Jardel Filho
10h00 – Abertura com Amélia Malheiros (Gestora da Fundação Hering) e Fabio Tolosa (Gerente de Produto Têxtil da Epson do Brasil).

10h30 – Economia Afetiva como micropolítica de transformação – com Jackson Araujo e Luca Predabon (Diretores Criativos e de Conteúdo do Trama Afetiva).

10h45 – Masterclass Economia Circular – com Carla Tennenbaum (Representante da metodologia Craddle 2 Craddle no Brasil).

11h15 – Painel: O poder da Lógica Circular – com Lucas Corvacho + Jonas Lessa (Retalhar), Patricia Centurion (I-DID/Holanda), Adriana Tubino + Itiana Pasetti (Revoada), Luciano Amado (Diretor Comercial da Feltros Santa Fé). Mediação: Marina Colerato (Portal Modefica).

Espaço Flávio de Carvalho
12h00 – Exposição Nós – Resultado criativos do Trama Afetiva Edição 2018.

Dia 21 de agosto de 2019 (quarta-feira)

Sala Jardel Filho
10h00 – Masterclass: Lugar de Fala – com Fióti (CEO da Laboratório Fantasma).

10h30 – Painel Moda com Ativismo – Vicente Perrota (designer e ativista dos corpos transvestigêneres), Flavia Aranha (designer e estilista), Flavia Durante (jornalista e criadora da feira PopPlus), Pri Bertucci (Fundador e CEO do [SSEXBOX]), Carol Gavazzi (publicitária e diretora da Agência Matilda.My) e Regina Ferreira (ex-modelo e CEO da HUTU Casting). Mediação: Karlla Girotto (artista e doutoranda do Núcleo de estudos da Subjetividade PUC/SP).

Espaço Oficinas
15h00 – Oficina Retraços com Fabio Maca (Caligrafia como ferramenta de autoconhecimento)* – * Limitada a 10 participantes com inscrições na semana do evento via Sympla.

Espaço Flávio de Carvalho
18h00 – Exposição de fotos “Travesti Viva”, de Danilo Sorrino, fotógrafo-artista que desenvolve linha de estudos sobre o movimento LGBTQIA+, apresentando cenas e personagens dos desfiles performáticos da estilista-ativista Vicente Perrota. A atividade inclui exposição de roupas de Vicente Perrota e vídeo-entrevista com o estilista.

Dia 22 de agosto de 2019 (quinta-feira)

Sala Jardel Filho
10h00 – Masterclass Empreendedorismo Cívico – Magnólia Costa (diretora de relações institucionais da plataforma Humanitas 360)

10h30 – Painel: Aprendizados para a Liberdade – com Celina Hissa (designer criadora da marca Catarina Mina), Katia Ferreira (empreendedora social criadora da marca Apoena e diretora do Instituto Cultural Proeza), Gustavo Silvestre (designer criador do projeto Ponto Firme). Mediação: Elisângela Chitero (Gestora de Comunicação Institucional, Cultura e Sustentabilidade da Cia. Hering).

Espaço Oficinas
15h00 – Oficina Retraços com Rita Wainer*. *Limitada a 10 participantes com inscrições na semana do evento via Sympla.

Sala Jardel Filho
18h00 – Filme “O Amanhã Chegou”, dirigido por Renata Simões, que trata sobre como podemos mudar o jogo da devastação por meio do consumo consciente e educação ambiental compreendendo os selos de certificações sustentáveis existentes nos produtos e serviços oferecidos. *Após projeção, conversa com a diretora.

Dia 23 de agosto de 2019 (sexta-feira)

Sala Jardel Filho
10h00 – Masterclass Comida Invisível – com Dani Leite (criadora e diretora da plataforma Comida Invisível).

10h30 – Painel Lixo ou Desperdício? – com Samantha Souza (gerente de impacto social da plataforma de gastronomia social Gastromotiva); Sergio Bispo (catador referência em logística reversa e líder do projeto Kombosa Seletiva), Henrique Ruiz (coordenador do aplicativo Cataki). Mediação: Dani Leite (Comida Invisível).

Espaço Oficinas
15h00 – Oficina Retraços com Vitor Cesar (Linguagem Gráfica e a Linguagem da Cidade)*. *Oficina limitada a 10 participantes com inscrições na semana do evento via Sympla.

Espaço Flávio de Carvalho
19h00 – Exposição: Resultado criativo Oficina Trama 2019.

Sala Adoniran Barbosa
20h00 – Show de encerramento: Novos Gêneros – Apresentação de artistas expoentes da nova cena musical paulistana que se destacam como representantes de novas linguagens sonoras e corporeidades políticas: JUP, Kaique Theodoro, Mia Badgyal e Laysla.

Outras informações e inscrições – www.fundacaohermannhering.org.br