Xan Ravelli: “Nascer negra e crespa me trouxe desde muito cedo para uma realidade ora maravilhosa, ora hostil”


A comunicadora estreia como apresentadora ao lado de Alberto Pereira Jr., no Trace Trends, o único programa de cultura afroburbana na TV aberta. Ela é mãe de dois filhos, esposa, musico-terapeuta, negra, influencer e youtuber e conversou sobre carreira, comunicação, cultura afro e racismo estrutural. “Para mim a maior mentira de 2020 foi esse papo sobre empatia. Sem querer ser pessimista, mas realista, vivemos numa sociedade machista, misógina, bélica e racista. Como podemos acreditar nessa utopia de ‘era da empatia’ em um contexto como esse?”, frisa

Xan Ravelli: "Nascer negra e crespa me trouxe desde muito cedo para uma realidade ora maravilhosa, ora hostil"

Xan Ravelli estreia como apresentadora do único programa de cultura afrourbana da TV Aberta, o Trace Brasil (Foto – reprodução)

*Por Rafael Moura

O ativista dos direitos humanos Malcon X (1925-1965) escreveu: “O amanhã pertence àqueles que se preparam hoje.” Uma frase que encaixa perfeitamente na trajetória de Xan (Alexandra) Ravelli, natural de São Caetano do Sul, São Paulo. A criadora de conteúdo digital é mãe de dois filhos, musicoterapeuta, negra, crespa e youtuber. Desde 2013 vem compartilhando nas redes seus pensamentos e reflexões sobre beleza, igualdade e representatividade. A grande novidade é que ela acaba de estrear no time Trace Brasil, como apresentadora do Trace Trends, ao lado de Alberto Pereira Jr., trazendo muita autenticidade e bom humor para o programa que chega à sua terceira temporada.

“Estou muito empolgada com essa nova etapa, com esse desafio junto à Trace Brasil. É uma oportunidade incrível para mim, que sempre tive vontade de conhecer mais sobre o trabalho em TV aberta. É nítida a potência da representatividade na construção da identidade negra brasileira. O trabalho da Trace maximiza ainda mais e de forma diversa representações positivas. É bom se ver, é bom ter voz, é bom ver nossos trabalhos e talentos na TV. Espero um futuro com mais proporcionalidade, ocupando até que nossa figura seja naturalizada”, comemora Xan Ravelli.

Xan Ravelli desde  2013 vem compartilhando nas redes seus pensamentos e reflexões (Foto: Band/ reprodução)

Leia Mais – “Hoje, nós, pretos, temos histórias positivas sobre resistência”, diz AD Júnior à frente do programa Trace Brasil

O único programa da TV aberta com foco na cultura afrourbana, o Trace Trends tem um pouco mais de ano na Rede TV!, e também é o carro-chefe da programação do Trace Brazuca, canal a cabo que marcou a chegada definitiva da Trace ao Brasil, em junho de 2020. Nomes como Paula Lima, Ângelo Assumpção, Nath Finanças, Djamila Ribeiro, Projota, Kl Jay, Maitê lourenço, Jeniffer Nascimento e Rafael Zulu já participaram da atração multiplataforma, que apresenta conteúdos sobre tendências de entretenimento, moda, comportamento e a diversidade cultural no país, toda terça-feira, às 22h30.

“A Xan vem se destacando muito nas redes e fazendo um excelente trabalho na produção de conteúdo muito autoral. Sem dúvidas, irá agregar muito para o Trace Trends, trazendo mais autenticidade, além de termos uma presença feminina potente que dialoga super bem com o nosso público e parceiros”, enfatiza José Papa, CEO da Trace Brasil.

Confira abaixo a nossa conversa com a nova integrante do time Trace Brasil:

Heloisa Tolipan – Como muitas mulheres a formam profissionalmente?

Xan Ravelli – UAU… Acredito que somos múltiplas e isso nos enriquece e não nos fragmenta. Nascer negra e crespa me trouxe desde muito cedo para uma realidade, ora maravilhosa, ora hostil, que ajudou a moldar minha personalidade, com coisas que amo e outras que eu não precisaria ter vivido. A musicoterapia contemplou minhas paixões por gente, música e a necessidade de ajudar outras pessoas. Paulo (marido) me trouxe para um lugar de afeto que eu não pensava haver pra mim. E as crianças mudaram minha perspectiva de mundo, amor, trabalho, negritude, prioridades… tudo. Ser multi não nos fragmenta, nos faz gigantes.

HT – Você começou sua produção de conteúdo no Youtube em 2013, como surgiu seu interesse pela comunicação? Em que momento você percebeu que os seus conteúdos tinham relevância e tocavam seus seguidores?

XR – O interesse em comunicar e ocupar esse espaço veio por minha filha, pensando no quanto a falta de representatividade afeta e atrapalha a formação de mulheres e homens negros. Pensei que seria importante unir minha voz a de outras mulheres pretas e trabalhar comunicando nossa existência no espaço da internet e do mundo. Eu sinto a relevância nos momentos em que mulheres negras chegam me contando suas histórias que também são minhas histórias e conseguimos estabelecer e formar esse vínculo.

“Ser multi não nos fragmenta, nos faz gigantes”, frisa Xan Ravelli a nova apresentadora do canal Trace Brazuca (Foto: reprodução Instagram)

HT – Você está à frente do único programa na TV Aberta com foco na cultura afrourbana. Como é assumir responsabilidade? E como está sendo essa experiência?

XR – Nossaaaaa… agora que você falou eu senti o peso, rsrssrsrsrs. Sou realmente muito grata por essa oportunidade, a TV já era um sonho para mim e agora estou trabalhando e estudando bastante para atender as expectativas e galgar ainda mais espaço e sucesso para o programa.

HT – De que maneira estar no comando do Trace Trend, na TV Aberta, amplia o crescimento do seu repertório de referências?

XR – É uma oportunidade de conhecer novas formas e estruturas de trabalho e um novo universo, além da criação de conteúdo, apresentadora é uma outra profissão, isso sem falar nos diferentes artistas, atletas que apresentamos toda semana. Costumo dizer que 90% das genialidades musicais que eu conheço são negras e a cultura afrourbana é um universo riquíssimo em música, artes gráficas, esportes, dança, culinária, moda, etc. Estou encantada com a riqueza e pluralidade.

HT – Você já tinha uma trajetória de destaque no mercado. Como participar do reality O Aprendiz? O que mudou na sua vida?

XR – O reality foi uma mudança incrível, principalmente interna, é um exercício de comportamento e auto-conhecimento também. Mas foi fabuloso também o convívio com outros criadores que estão a mais tempo e com suas empresas super estruturadas, foi incrível. A saída foi algo muito marcante também. porque recebi muitas mensagens de mulheres negras que trabalham em mercado corporativo e foram demitidas assim como eu, ‘sem motivo’ algum – bem entre aspas porque a gente sabe como o racismo articula o mercado corporativo. Mas levo com muito carinho Gaspa Indica, Tati Ferreira, Nana Rude, Gabi Lopes, Carlos e Erasmo.

HT – No último ano, o protagonismo negro esteve em alta na TV Brasileira, afinal, tivemos Thelma Assis, Kauê Penna e Victor Alves provando que talento e conduta não são medidos pela cor da pele, além de Jojo Todynho e Luiz Carlos, destacando essa apoderamento da nossa cultura. Como é para você observar essa ‘reorganização das estruturas sociais’ em que estamos podendo ser representados?

XR – Como diria a deputada Erica Malunguinho isso é um processo de Reintegração de Posse. É a reinvindicação do nosso espaço na história que foi invizibilizado/ apagado dos livros. Esse movimento de representatividade está lindo mas precisamos e queremos muito mais. Feliz em ver proporcionalidade no BBB 21. É isso que precisamos em empresas, na política, na televisão, proporcionalidade números iguais de negros ocupando todos os espaços.

HT – Ao mesmo tempo que observamos uma reorganização dessas estruturas sociais, vemos uma quantidade de manifestações negativas contra a perda dos ‘privilégios’ da branquitude. Como você acha que efetivamente poderemos mudar a sociedade?

XR – Precisamos passar por esse processo de (des)educação já que fomos educados a partir de uma perspectiva falaciosa, a partir do olhar do colonizador que ergueu estatuas de bandeirantes, ignorando o genocídio promovido a tantos povos indígenas, que ainda hoje abre restaurantes chamados Senzala, e ainda acham ok termos como sinhá, mulata e tantos outros. Pessoas brancas não conhecem a história brasileira dos negros, não conhecem as lutas de nossos heróis e muito menos o nome deles. A empatia é um processo de escuta, de aprendizado então enquanto não dermos um passo na educação que desconstrói o mito da democracia racial, o mito do ‘Brasil país de todos’, terra miscigenada onde o racismo não existe e somente quando a branquitude souber dar lugar a escuta para entender através das narrativas negras o que é o racismo estrutural. O que podemos fazer efetivamente agora é ocupar os espaços, todos eles e fazer-se ouvir.

“O que podemos fazer efetivamente agora é ocupar os espaços, todos eles e fazer-se ouvir”, diz Xan Ravelli sobre o Rscismo Estrutural (Foto: reprodução/ Instagram)

HT – Estamos falando muito sobre a ‘Era da Empatia’. Ao mesmo tempo em que vimos muitas manifestações de solidariedade e muitas vozes se levantando pela pandemia causada pela Covid-19. Observamos também influencers que continuam com ‘discursos vazios’, apenas incentivando o consumo desenfreado. Como você vê essas mudanças?

XR – Para mim a maior mentira de 2020 foi esse papo sobre empatia, rsrsrs. Sem querer ser pessimista, mas realista, vivemos numa sociedade machista, misógina, bélica e racista. Como podemos acreditar nessa utopia de ‘era da empatia’ em um contexto como esse? Atualmente acredito e trabalho bastante por mudanças que comecem por mim, dentro do meu ciclo de responsabilidade, minha casa, minhas ações, meus filhos e minhas redes sociais. Posso afirmar que tem muita gente com discurso vazio, mas tem muita gente incrível e com discursos poderosos, e acredito muito mais em dar espaço e fortalecer essas pessoas que realmente estão criando conteúdo para o bem, assim como, trabalhar em nossos microcosmos: casa, família, amigos vivendo em verdade e empatia dentro desses círculos. Até que uma mudança mais macro aconteça.