Thiago Soares: “Dei minha vida ao Royal Ballet de Londres. Vivi ali na ponta da faca durante anos”


Ele, que deixou o posto de primeiro bailarino do Royal Ballet, em fevereiro, retorna aos palcos brasileiros, dia 9, com o espetáculo Trans point – The Art of Fusion, em única apresentação, onde além de dançar, assina direção e coreografias. O artista mostrará toda a técnica que o consagrou ao lado de oito bailarinos de seu Studio, inaugurado em março. “Precisava tomar as rédeas da minha carreira para tomar a direção das minhas piruetas, do que vou fazer. Também me desliguei da companhia para tentar ter um pouco de sucesso na vida pessoal, porque eu sempre fui o bailarino. E eu também estava em busca de ter um espaço para ser o namorado, talvez o marido de novo, o pai. Quero muito poder ter uma família”, frisa

* Por Carlos Lima Costa

Tomar as rédeas da própria carreira para realizar seus projetos profissionais e construir uma família. Inspirado nestes dois pilares, Thiago Soares, um dos grande nomes do balé do Brasil, deixou em fevereiro, o Royal Ballet de Londres, onde dançou durante 18 anos, sendo 14 deles como primeiro bailarino. O início dessa nova jornada começou no Brasil, em março, quando inaugurou, no Rio, seu centro Studio TS + Dança, que teve as aulas presenciais interrompidas, após uma semana por conta da pandemia.

Com a recente retomada dessas aulas, ele apresenta o primeiro resultado desta nova etapa de sua vida, o espetáculo Trans Point – Art of Fusion, em apresentação única, no Teatro Riachuelo, dia 9, que marca seu retorno aos palcos, ao lado de oito alunos de seu curso, e onde assina a direção e as coreografias. “Esta obra nova é baseada nas minhas paixões pela arquitetura, pelo balé clássico todos esses anos e um pouco de visita aos meus velhos tempos da dança urbana. Por isso o título é basicamente essa fusão de modalidades de formas de dançar e aí casou com esse novo momento de máscaras e dessa vida digital, então, tem várias influências do que a gente está vivendo hoje, é um pouco o relato desse momento”, ressalta. Se a pandemia assim permitir, ele deve realizar turnê nacional com este espetáculo que marca a estreia de seu projeto Talentos.

Dia 9, Thiago apresenta primeiro espetáculo, após deixar Royal Ballet de Londres, em fevereiro (Foto: Angela Zaremba)

Dia 9, Thiago apresenta primeiro espetáculo, após deixar Royal Ballet de Londres, em fevereiro (Foto: Angela Zaremba)

Thiago, então, explica as entranhas desta nova fase. “É uma independência profissional. Dei minha vida e juventude para o Royal Ballet. Vivi ali na ponta da faca durante anos com aquele calendário deles muito específico. Sei que a carreira me trouxe coisas bem legais. Mas quando olho e faço as contas, dei muitos anos da minha vida para a sapatilha. Percebi que precisava ainda de um pouco de tempo de carreira para tomar as rédeas disso, para brincar um pouco do meu negócio. Quero poder tomar a direção das minhas piruetas, do que vou fazer. Quer dizer, tomei as rédeas da minha carreira: Abri o espaço de dança, vou lançar minha autobiografia. Hoje, eu mesmo produzo alguns dos meus projetos, as minhas coreografias. Posso talvez dizer ‘não’ para alguns trabalhos, que no passado eu tinha que fazer porque integrava o elenco, e posso dizer ‘sim’ para outros, para me desafiar. É meio por aí. Tirando essa tristeza de pandemia que vivemos, estou em um lugar pessoal bem gostoso”, reflete ele, do alto de seus mais de 20 anos de carreira internacional.

Além dessa autonomia, queria também se dedicar a vida pessoal. “Adoraria ter filho. Me desliguei também do Royal Ballet para tentar ter um pouco de sucesso na minha vida pessoal, porque eu sempre fui o bailarino. E eu também estava em busca de ter um pouquinho de espaço para ser o namorado, talvez o marido de novo, o pai. Então, estou em busca disso, projeto que estou aos poucos organizando a vida. Eu quero muito poder ter família, uma vida bacana, com certeza”, acrescenta ele, que tem três sobrinhos, filhos de seu irmão mais velho. Thiago foi casado com a bailarina argentina Marianela Núñez, com quem se relacionou durante 13 anos. “Já tem seis anos que acabou. Não casei de novo, fiquei solto e casei com a arte de novo”, explica.

Isadora Soares e Thiago Soares ensaiam para o espetáculo Trans Point - The Art of Action (Foto: Fabio Souza)

Isadora Soares e Thiago Soares ensaiam para o espetáculo Trans Point – Art of Fusion (Foto: Fabio Souza)

No momento, seu entusiasmo está focado na apresentação e em seu Studio. “Ele não é apenas um negócio. Abrir este local significa devolver um pouco o que ganhei da vida. É um espaço coletivo para os jovens talentosos. Era o lugar que eu adoraria ter ido quando estava começando”, frisa. E diz que lá existe uma via de mão dupla. “Quero aprender com essas novas gerações e passar um pouco das minhas experiências, do que aprendi. É legal ter aluno que aceita o que quero passar e acha relevante. Me sinto honrado de ter jovens que se espelham em mim e depositam seus sonhos e almejam chegar aonde cheguei. Mas nunca fiquei com essa medalha de referência no meu peito. Tento dar o meu melhor e se isso acontece, não sinto de forma grave por estar sempre focado no próximo projeto”, aponta ele, que completou 39 anos de idade aqui no Brasil, em maio.

Era com esta idade ou com 40 que planejava deixar a companhia, em Londres, data que praticamente aconteceu. “É importante concluir bem a carreira. Tenho representado bem o Brasil, estava bem na fita. É melhor assim do que continuar e daqui a pouco falarem ‘ele não está bem’. Tenho vontade de dançar mais uns quatro, cinco anos, mas a vida é que vai dizer. Vai depender do meu estado físico. Hoje, pelo meu treinamento estou bem. Por minha vontade mesmo, eu dançaria para sempre. Uma vez bailarino, sempre bailarino. (Mikhail) Baryshnikov dançou até os 67, 68 anos e bem. Quando o artista consegue se manter bem fisicamente e chega na maturidade é o melhor dos dois mundos, é o cara que todo mundo quer assistir. É quando consegue ver a conclusão do trabalho. Isto dá um incentivo. E é bacana ter referências vivas. Sempre admirei ver artista sênior. Vi o Baryshnikov, graças a Deus, a Alicia Alonso (1920 – 2019)”, pontua.

Thiago Soares deixou a companhia inglesa para tomar as rédeas de sua arte (Foto: Angela Zaremba)

Thiago Soares deixou a companhia inglesa para tomar as rédeas de sua arte (Foto: Angela Zaremba)

E se diverte com as mudanças que o tempo traz. “Estou grisalho. Hoje, já não preciso pintar o cabelo e esse outro lugar é referência. A estrada não termina, estou em constante movimento. Embarcando em território tabu. Sempre fui o príncipe do Lago dos Cisnes e, hoje, estou em outro lugar. Me sinto honrado de poder incentivar jovens, mas ainda estou em movimento para o próximo ato”, assegura.

No pós pandemia, quando tudo se normalizar no mundo, Thiago não permanecerá direto no Brasil. Ele dividirá seu tempo entre o Rio de Janeiro e Londres. Pontualmente ainda vai se apresentar com o Royal Ballet, de Londres, mas a partir de agora se dividirá mais entre os dois países. Na capital da Inglaterra, deve voltar a se apresentar, em maio, quando vai completar 40 anos de idade. “Na verdade, tenho casa lá, tenho passaporte britânico. Hoje, tenho uma vida de coração duplo. Na Inglaterra, meus sonhos se tornaram realidade. Mas aqui é minha terra. A vida de imigrante é linda, mas tem hora que sentimos saudade de nos conectarmos com nossas raízes, revisitar. Por mais que já esteja adaptado, já são 18, 20 anos falando inglês, poder me expressar no meu idioma tem sido incrível. Na Europa, a maior parte do tempo passo no frio, então, também sentir um pouco dessa vida tropical é muito bom.”

Bailarinas ensaiam para o espetáculo de dança Trans Point - The Act of Fusion (Foto: Fabio Souza)

Bailarinas ensaiam para o espetáculo de dança Trans Point – Art of Fusion (Foto: Fabio Souza)

Até a despedida oficial, ele treinava oito horas por dia, e, às vezes, ainda tinha apresentação. Agora, pratica balé umas cinco, seis horas por dia. “Eu acordo, mergulho no mar, volto para casa, tomo um café, vou para o meu estúdio fazer aula de balé. E, à tarde, tem os ensaios, presenciais, com todos os cuidados. Hoje, me divido entre diretor da escola, afazeres com bailarinos, aulas, trabalho muito mais”, analisa.”

Thiago relembra seus primeiros passos na dança. “Tinha vergonha de me aceitar de sapatilha. Na intimidade, queria dançar, mas tentava ganhar força para assumir aquilo. Estudava em colégio público. Com amigos seria aquela zoação, afinal cresci jogando bola e cuspindo na rua. E queria ser bailarino. Era um tabu. Eu não tinha esse preconceito. Comecei com14, 15 anos, em turma de iniciantes, cheia de meninas pequenas, aí pensei ‘deixa ver se vai.’ Então, no início, falava que fazia teatro. Criei na cabeça uma forma para ir explicando aos poucos com 16, 17 anos. Ouvi de tudo, mas não lembro de ter ficado ofendido. Era zoação por estar lá no balé dando pulinho, mas não senti que vinha maldade. E muitos desses viraram meus fãs”, garante.
Mas ao longo dos anos, claro, percebeu o preconceito que existe. “Por conta da minha profissão, muitas pessoas falaram que achavam que eu era gay. Para mim, em nível pessoal, se achar que sou ou não, é irrelevante. Como já disse, eu tinha preconceito em relação a sapatilha. Já calçava 42 e aí usava sapatilha rosa, em turma com um monte de meninas de rosa, de 9, 10 anos. Até que me falaram que tinha sapatilha cor da pele”, recorda.

Thiago mantém rotina de exercícios para o balé (Foto: Angela Zaremba)

Thiago mantém rotina de exercícios para o balé (Foto: Angela Zaremba)

Por outro lado, a profissão de bailarino não lhe trouxe dificuldade para namorar com as meninas. “Foi ao contrário, senti que tinha uma proximidade. Acho que esse preconceito em relação ao bailarino atrelado a sexualidade está acabando, na Europa é menor. Trabalhar com dança não tem nada a ver com sua opção sexual. É assunto que deveria ser velho, mas ainda tem pessoas com esta mentalidade”, reflete.

Quando foi mostrar seu talento na Europa, pela primeira vez, aos 18 anos, apesar de ter ido sozinho, sem ninguém da família, nunca foi vítima de assédio, situação já relatada, por exemplo, por jovens modelos. “Nunca sofri nenhum assédio. Já me deram cantada, chamaram para jantar, queriam passar a noite comigo. Veio de homem, de mulher, de tudo, mas nada que eu sentisse como assédio. Acho também que sempre me coloquei de forma resolvida, então, nunca sofri nada que achasse que era fora da linha, que não estava a fim. Entendo que existem situações de abuso de poder, mas fiquei de boa, nunca me senti assediado”, relata.

Lançar sua autobiografia é um dos planos de Thiago para 2021 (Foto: Angela Zaremba)

Lançar sua autobiografia é um dos planos de Thiago para 2021 (Foto: Angela Zaremba)

Em fevereiro de 2021, Thiago planeja lançar, pela editora Letramento, sua autobiografia que deve se chamar Dançando Pela Vida. “Falo sobre toda essa parte do backstage que o público não conhece, sobre como funciona a engrenagem. Vai ser um livro interessante para quem admira a minha carreira e jornada de artistas. Vou falar o que é de verdade o primeiro bailarino, o protagonista. Quando se torna um protagonista de verdade, qual o peso disso, quais são as possíveis sacanagens que acontecem, as possíveis tristezas, as marcas que vem e marcam tua vida para sempre. Será que ele acaba tendo que optar entre a arte e a sua felicidade? Eu ia gostar de saber sobre um artista que eu admiro”, conta. E depois de um documentário sobre ele, O Primeiro Bailarino, de 2014, existe um projeto com a Globo Filmes sobre a vida dele.