Símbolo da elegância essencial, Lauren Bacall deixa um legado que vai além do cinema, mas que determina o espetáculo!


Protótipo da mulher pós-guerra, a estrela que morreu nesta terça (12/8) mudou para sempre a forma de se fazer capa de revista e se tornar celebridade

A morte de Lauren Bacall (apenas um dia após Robin Williams ser encontrado morto) nesta terça-feira (12/8), aos 89 anos de derrame, é significativa tanto para Hollywood quanto para as engrenagens que fazem a moda e a indústria de celebridades girarem, e mesmo para os alicerces do papel da mulher na sociedade contemporânea. Nascida Betty Joan Perske em Nova York nos idos de 1924, a atriz, além de ser uma das últimas representantes da Era de Ouro do cinema vivas no novo milênio, participou não apenas da história da indústria cinematográfica como é pioneira em um tipo de estrelato tão comum hoje em dia, aquele que pode ser trazido à tona pela moda. Ela foi uma das primeiras modelos que migrou das capas de revistas para o cinema, algo tão comum hoje em dia na chamada Sociedade do Espetáculo. Sim, ela foi uma das precursoras da tal espetacularização da vida, não apenas pela beleza descomunal (e o que ela representou com isso nos anos 1940), mas por ter sido a metade de um dos casais mais badalados do star system na antiga meca dos sonhos, já que, mal despontou no cinema, logo se casou com Humphrey Bogart, 25 anos mai velho, permanecendo assim até o falecimento deste por câncer em 1957.

Bacall e Bogie: casal referência da Era de Ouro, como são hoje em dia Angelina Jolie e Brad Pitt (Foto: Reprodução)

Bacall e Bogie: casal referência da Era de Ouro, como são hoje em dia Angelina Jolie e Brad Pitt (Foto: Reprodução)

Figurinha fácil na cena nova-iorquina, voltou a morar na cidade após a morte de Bogie, especificamente no emblemático edifício Dakota, o mesmo que foi usado como locação para “O Bebê de Rosemary” (Rosemary’s Baby, de Roman Polanski, 1968),no qual Judy Garland habitou por um tempo e John Lennon viveu ao lado de Yoko Ono até ser assassinado à sua porta, em 1980. Mas, à parte dessa curiosidade sinistra, Bacall deixa um dos legados mais longevos do cinema, entre aqueles que se tornaram astros do primeiro time, tendo atuado até recentemente. Seu último filme foi “O Falsificador” (The Forger, Lawrence Roeck), de 2012e existem rumores de que ela participaria de “Trouble Is My Business”, em fase de filmagem. Entre as produções nas quais atuou na última década, destacam-se duas obras-primas de Lars Von Trier, “Dogville” (idem, 2003) e “Manderlay” (idem, 2005), revelando que até diretores importantes na cena atual a escalavam para abrilhantar suas realizações, mesmo depois que sua beleza absurda já havia dado espaço à idade avançada.

Motivo pelo qual recebeu um Oscar honorífico em 2009 pela carreira e longevidade como atriz. Aliás, um acinte, já que ela, um mito – e, sobretudo, uma profissional que participou ativamente do meio por oito décadas! –, acabou recebendo a homenagem no Annual Governors Awards, uma cerimônia à parte da celebração principal, na qual são distribuídos os Oscars técnicos e aqueles que contemplam personalidades do cinema por causas humanitárias ou pelo conjunto da obra. No dia da premiação, a entrega de sua estatueta foi exibida no telão, com a atriz simplesmente ficando de pé na plateia e todos se levantando para aplaudi-la, sem que ela subisse ao palco para dizer coisa alguma. Possivelmente um dos maiores casos de desrespeito na história do prêmio.

Descoberta pela mulher do diretor Howards Hawks em uma capa de revista, Lauren Bacall foi parar em Hollywood através de uma ligação deste para um teste e, antes que se desse conta, já havia abandonado o ganha-pão como modelo e estava estrelando “Uma Aventura na Martinica” (To Have and Have Not, 1944) ao lado de Bogart, que era casado, mas com quem iniciou um caso no set de filmagem. O filme foi passaporte para seu casamento com o astro, o nome nas marquises das salas de exibição e ainda lhe valeu um contrato com a Warner Bros de quase seis anos, quando então se insurgiu contra o rigoroso sistema de estúdio que lhe impunha sempre o mesmo tipo nas telas e exercia forte controle  sobre sua vida privada. Este mesmo espírito liberal fez com que a estrela abraçasse causas importantes, inclusive durante a caça às bruxas promovida pelo Senador MacCarthy nos anos cinquenta. Sim, ela era uma democrata.

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À frente do seu tempo, Bacall representou a mulher moderna que ia à luta no dia a dia e no mercado de trabalho, enquanto o homem guerreava nos fronts da Segunda Guerra Mundial. Com seu olhar petulante, ganhou o apelido de The Look, pois sua marca registrada era abaixar o queixo e pressioná-lo contra o peito, enfrentando a câmera com os olhos azuis de baixo para cima em resultado sexy, mas intimidador, pose que aprendeu em sua carreira como top model. Junto com Ingrid Bergman, a atriz foi uma das estrelas que sepultou a estética da vênus platinada art déco que imperava em Hollywood até a virada dos 1940, sendo constantemente associada à nova fêmea com consistência que surgia em cena, nas telas e na vida. Sua elegância sóbria, sem os espalhafatos cintilantes que caracterizaram o luxo exagerado e simultâneo à Grande Depressão, tornou-se sinônimo do estilo enxuto surgido nos forties, pertinente à escassez derivada da guerra e intimamente ligado à estética existencialista de personalidades como Juliette Gréco. Elegante, como ex-modelo e agora star, ela ajudou a consagrar a silhueta essencial, de gola rolê, saia lápis e boina, cintura marcada por cinto, ou ainda  twin set de tricô usado com saia midi e lencinho arrematando o pescoço, visual que remetia também à desilusão da inteligentsia no pós-guerra.

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Por isso mesmo, acabou ganhando papeis como o da realista entre as três mulheres que querem dar o golpe do baú em “Como Agarrar um Milionário” (How To Marry a Millionaire, de Jean Negulesco, Twentieth Century Fox, 1953), onde contracenava com uma Marilyn Monroe estabanada e uma Betty Grable mulherzinha à antiga. Um de seus grandes sucessos, junto com “À Beira do Abismo” (The Big Sleep, de Howard Hawks, Waner Bros, 1946), classicão absoluto do cinema noir. Afinal, seu espírito moderno, a língua ferina e o olhar misterioso eram perfeitos para mocinhas de caráter dúbio, daquelas em quem homem não pode virar as costas, arquétipo típico deste gênero. Essa forma cínica de interpretar como quem está disparando um petardo a acompanhou o resto da vida, mesmo quando já estava idosa.

Soma-se a todos estes talentos o fato de ter sido aquela que deu o pontapé inicial no costume, hoje comum, de transformar beldades das front pages em estrelas de primeira grandeza, transportadas da moda para as telas, sejam do cinema ou da televisão. De Cameron Diaz a Gwyneth Paltrow, de Letícia Birkheuer a Ana Furtado, de Ana Hickmann a Cintia Dicker e de Luciana Gimenez a Uma Thurman, todas devem isso a Lauren Bacall.