Em “Sexo e as Negas”, Falabella oferece boa diversão com críticas cabíveis, mesmo irritando os patrulheiros de carteirinha!


O autor manda bem no novo seriado global, ainda que o texto exale um certo quê de preconceito. Mas, e daí? Se ele existe, não deve ser retratado na ficção para que a arte ajude a realidade na hora de superar paradigmas?

* Por Junior de Paula

Não esperaram nem o Miguel Falabella molhar o bico e já começaram a julgá-lo racista pelo fato de sua nova empreitada – uma série – ser batizada de “Sexo e as Negas”, como a gente já contou aqui. Pois bem: nessa terça-feira (16/9) rolou a prova dos nove com a estreia da temporada e o resultado foi que se Miguel não conseguiu escapar do racismo, ele pouco caminhou para a redução dos estereótipos. Se fosse um jogo de futebol, ele teria ganhado de 2 x 1 dos que gritaram contra ele nos últimos dias. Muita gente vai torcer o nariz, e com certa dose de razão, para o fato de todas serem pobres e moradoras de uma comunidade, reforçando o papel do negro que quase sempre é visto na TV. Mesmo com a ideia de dar um passo adiante – e essa intenção fica clara em momentos bacanas da série, como quando as personagens são confrontadas com o racismo no dia-a-dia e se saem muito bem e com muito jogo de cintura – a tentativa acaba um pouco frustrada.

Muito bonita esteticamente (mesmo quando as cenas exageram na dose de ousadia com muito corpo à mostra), a série que conta a história de quatro mulheres negras  moradores da Cidade Alta, no bairro der periferia Cordovil, no Rio, que lutam para ganhar a vida e não perdem a chance de falar e – como vimos nesse primeiro capítulo – fazer sexo. Mas o que mais pode incomodar neste primeiro capítulo não foi nada do que foi dito até agora, mas, sim,  o sexismo, mesmo que involuntário. Em meio à narração de Falabella, o que já é estranho numa história que tem como protagonistas absolutas quatro mulheres, todos os “depoimentos” dos homens da série enfiavam o pé com força no machismo.

Vez ou outra, tal qual no começo de “Sex and the City“, ponto de partida para a criação deste projeto, os personagens se viram para a câmera para dar suas opiniões sobre determinados temas. Este, talvez, tenha sido o grande senão da história. Um dizia que a mulher está sempre à procura de um homem, outro que elas engravidavam só para poder garantir a pensão, e assim por diante.

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

É claro que ainda vivemos numa sociedade machista na qual, pela cabeça de Falabella,  talvez nem persista nenhuma dessas ideias antiquadas em relação à mulher, mas, ao abrir espaço na TV para dizer aquilo que se enxerga como preconceito no mundo real, o conteúdo acaba reafirmando um pensamento condenável e dando vazão para um comportamento pouco útil em relação ao sexo feminino.

Ainda assim, é bom poder, em contrapartida, ver uma série brincar com esses assuntos em época de exagero absoluto do pensamento politicamente correto que, de tão xiita, acaba corrompendo significados e rechaçando qualquer crítica que se faça à sociedade através do humor. Afinal, quem garante que, se nascido nos dias de hoje, o genial Oscar Wilde teria conseguido escrever um décimo de suas contundentes e irônicas máximas, dada a força dos patrulheiros ideológicos de plantão?

Mas voltando ao que interessa, já que ainda é cedo para dizer que o machismo vai ser uma constante, “Sexo e as Negas” entregou mais do que prometia. Além de discussões e situações divertidas, apesar de rasas em determinados momentos, as protagonistas deram conta do recado e brilharam cada um ao seu tempo. Destaque para Lilian Valeska, que promete fazer as outras atrizes, Karin Hills, Corina Sabbas e Maria Bia, correrem muito atrás dela, já que larga muito na frente na disputa pelo posto de a mais carismática. Claudia Jimenez também está ótima, fazendo o papel da melancólica sem papas na língua, Gaudéria. Ótima também a trilha sonora, com funks cheio de energia, assim como a ideia de colocar o quarteto para cantar no final, com muito glamour e talento para dar e vender. Uma boa estreia para acalmar os ânimos dos mais exaltados. Que venham as próximas terças-feiras!

* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura