SENAI CETIQT: Live promove debate sobre a saúde mental dos brasileiros em tempos de pandemia de Covid-19


O debate foi mediado pela psicóloga com formação em coaching e analista de Desenvolvimento Humano e Organizacional do SENAI CETIQT Aline Masseno e contou com a participação de Ricardo Krause, psiquiatra da Infância e da Adolescência e membro da Academia Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência; do psicólogo e diretor do InTCC Humberto Carneiro; da gestora do Programa SENAI-DN de Ações Inclusivas, Adriana Barufaldi; do professor adjunto do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco Hugo Monteiro Ferreira; e da voluntária do Centro de Valorização da Vida (CVV) Patricia Fanteza

No Brasil, o número de pessoas totalmente imunizadas contra Covid-19 (ou seja, vacinadas com a segunda dose ou com a dose única) chega a mais de 100 milhões, o que corresponde a 47% da população. São boas notícias, sem dúvida. Ainda assim, o impacto da pandemia sobre a saúde mental da população é evidente. Pesquisa feita pelo IPEC, a pedido da Pfizer Brasil, apontou que a tristeza foi relatada por 42% dos pesquisados, seguida pela insônia e irritação, 38%, a angústia ou medo, 36%, e crises de choro, 21%. Os jovens na faixa dos 18 aos 24 anos foram os mais afetados. Metade dos entrevistados classificou a própria saúde mental como ruim ou muito ruim. Foram ouvidas 2 mil pessoas em São Paulo (SP) e nas regiões metropolitanas de Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Salvador.

Durante a Semana de Responsabilidade Social, o SENAI CETIQT promoveu a live “Diálogos sobre Saúde Mental e os Efeitos da Pandemia”, verdadeira união de forças para iluminar uma questão que vem abalando milhões de pessoas no Brasil e no mundo: o quanto o estresse causado pelo isolamento social e pelas sensações de medo e ansiedade mexe com a nossa sanidade mental. Aberto a toda a sociedade, o debate foi mediado pela psicóloga com formação em coaching e analista de Desenvolvimento Humano e Organizacional do SENAI CETIQT Aline Masseno e contou com a participação de Ricardo Krause, psiquiatra da Infância e da Adolescência e membro da Academia Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência; do psicólogo e diretor do InTCC Humberto Carneiro; da gestora do Programa SENAI-DN de Ações Inclusivas, Adriana Barufaldi; do professor adjunto do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco Hugo Monteiro Ferreira; e da voluntária do Centro de Valorização da Vida (CVV) Patricia Fanteza.

Os participantes iniciaram a live tentando chegar a uma definição de “saúde mental”. O doutor Ricardo Krause reconhece que não é fácil definir o conceito:É muito amplo, mas todos nós entendemos. Vamos chamar de saúde mental o oposto de doença mental? Não necessariamente. Uma pessoa não precisa ter um quadro grave de esquizofrenia, de transtorno obsessivo, de depressão ou bipolaridade para não estar se sentindo bem. Saúde mental é ficar em estado permanente de bem-estar com a sensação de poder resolver qualquer problema que aparecer na sua frente? Na verdade, isso se aproxima mais de um quadro maníaco dentro da bipolaridade: essa sensação tão grande de poder apesar das dificuldades. A ditadura da felicidade é uma distorção terrível. Precisa prestar muita atenção ao que leva as pessoas a ter um nível de exigência de desempenho absolutamente irreal”.

O doutor Krause dá mais alguns exemplos de posturas e sentimentos que confundimos frequentemente com saúde mental: “Seria sentir e se comportar como a maioria? Se o que acontece com a maioria das pessoas é normal, poderíamos dizer que cárie é normal? Mas não é. É absolutamente normal e desejável que uma criança se sinta o centro do mundo, que tudo acontece por ela, para ela e se referem a ela. Isso é absolutamente normal. Se essa mesma maneira de ver o mundo acontece com um adulto, porém, estamos diante de um quadro de narcisismo disfuncional, ou, no mínimo, de um comportamento extremamente egoísta de ignorar o outro nas suas demandas e no seu funcionamento”.

O psiquiatra lembra que “em 2019, usar máscara para se deslocar e lavar as mãos sem parar seria considerado um transtorno obsessivo-compulsivo grave. Em famílias extremamente religiosas, com conceitos muito rígidos, qualquer manifestação de sexualidade adolescente é considerada patológica”. E acrescenta: “Em 1946, a OMS definiu saúde mental como um completo bem-estar físico, mental e social. Mas, objetivamente, o que é bem-estar? Quantas pessoas atingiriam esse grau de existência tão utópico? Vou citar a definição de um brilhante psiquiatra e psicanalista gaúcho, o professor Ciro Martins, que definia a saúde mental como se fosse um tripé: ‘É ter um adequado senso de realidade, um bom senso de humor e um sentido poético diante da vida’. Esses atributos permitiriam às pessoas a relativizar os sofrimentos e as limitações inerentes à condição humana e desfrutar do que sobra de liberdade e prazer’”.

Resumindo: é quando estamos de posse da tríade senso de realidade, humor e sentido poético da vida que atingimos o estado de bem-estar numa perspectiva realista.

Pois este sentimento também é importantíssimo para o psicólogo Humberto Carneiro, diretor do InTCC– Ensino, Pesquisa e Atendimento Individual e Familiar, quando se trata de preservar a saúde mental diante da pandemia de covid-19. “A questão relacionada ao bem-estar e ao funcionamento da personalidade têm muito a ver com expectativas da cultura do indivíduo. É contextual. Eu acrescentaria que os transtornos de personalidade dizem respeito a um padrão inflexível, à inflexibilidade do sujeito para situações diferentes e para mudança. E esse padrão provoca sofrimento e prejuízo no funcionamento social, profissional e em outras áreas da vida”, ressalta Humberto Carneiro, acrescentando que “empatia aliada à intimidade (nossa capacidade de formar vínculos interpessoais) está relacionada à boa saúde mental”.

Ele explica que a pandemia trouxe um excesso de estresse e um sentimento de medo exacerbado que causaram desequilíbrio no funcionamento do Eixo HPA (Hipotálamo, Pituitária e Adrenal): “Graças a esse desequilíbrio, recebemos cortisol e adrenalina em volumes gigantes em nosso organismo. Isso nos leva a sentir medo, ter aceleração dos batimentos cardíacos, dilatação da pupila, suor, bombeamento do sangue para os membros inferiores e altos níveis de ansiedade. Quando o estresse é grande o suficiente para deixamos de ser produtivos, tem um sinal importante que é a procrastinação. É quando começamos a substituir com facilidade tarefas que precisamos fazer por atividades desnecessárias. No mundo profissional, essa mistura causa o burnout; em nossos filhos, depressão e quadros de ansiedade”.

É justamente nas crianças e nos adolescentes que devemos prestar mais atenção, pois tendem a apresentar comportamentos silenciosos que podem facilmente passar despercebidos. A que sinais os pais devem ficar atentos nesse momento de pandemia? “Em primeiro lugar, prestar atenção nos prejuízos com o autocuidado. A criança ou o adolescente está tomando banho? Está procurando se alimentar na hora certa? Está se alimentando como antes? Está dormindo? Mantém o seu autocuidado? Está acordando para ir para a escola? Falhas no autocuidado são um primeiro prejuízo”, observa o psicólogo. “O segundo prejuízo aparece na forma e no volume das interações sociais. A criança se relaciona bem com outras crianças? Está mais agressiva ou mais retraída, apática, silenciosa? Mantém interações sociais? A Universidade Harvard fez um estudo sobre felicidade e bem-estar com várias famílias. A conclusão foi que, em primeiro lugar, para termos saúde mental e gerar felicidade, devemos manter boas relações sociais, ter amigos e cultivar um bom convívio em família”, revela o doutor Carneiro.

Há um terceiro prejuízo a se observar em crianças e adolescentes nesses tempos carregados de incertezas: “É importante notar como nossos filhos se relacionam com as atividades essenciais, se estão mantendo ou se as abandonaram. A criança ou adolescente está conseguindo estudar? Consegue acordar para assistir às aulas? Participa, faz os deveres de casa, as provas? É aconselhável notar, também, se houve aumento de atividades não-essenciais. Quando isso acontece, as crianças e os adolescentes vão deixando de fazer o essencial. O mundo da tecnologia trouxe muitas atividades não essenciais, notadamente aquelas relacionadas a videogames, internet e redes sociais”, pondera.

Três alterações são importantes de se cuidar. “As alterações de sono, apetite e de humor. As alterações do sono são muito importantes e é preciso que a criança seja monitorada. Temos relatos na clínica de crianças que entram debaixo do cobertor de madrugada e ficam com o celular ligado assistindo vídeos no YouTube e trocando mensagens nas redes sociais. Alterações no apetite, é preciso uma alimentação balanceada e equilibrada que faz parte de toda a saúde da criança; e alterações no humor. Ela está muito irritada, está brava, apática, silenciosa demais, participando pouco das interações da família?”, relata Humberto Carneiro.

E ele alerta para comportamentos de risco. Podem existir ideações suicida, de automutilação e de abuso de substâncias. Entre os adultos, notamos um aumento drástico do consumo de álcool em função do estresse e da pressão no trabalho.

A pandemia afetou crianças e adolescente, é verdade. Mas também mexeu com corações e mentes de adultos. Segundo Adriana Barufaldi, gestora do Programa SENAI (DN) de Ações Inclusivas, o funcionamento educacional dos estudantes salta aos olhos. “Nosso trabalho caminha sobre dois vieses. Estamos cuidando dos alunos, mas também do cuidador. Nos demos conta de que os docentes também começaram a sofrer impactos da pandemia”, conta, acrescentando que foi detectado que “tanto os estudantes como as famílias e os docentes tiveram manifestações de intolerância. As pessoas estavam mais cansadas. Muitos colegas e alunos tiveram problema de memória e percebemos nitidamente grandes conflitos familiares. Pais e filhos começaram a discutir mais por conta da execução de tarefas e do tempo de estudar. Esses foram alguns dos sinais que identificamos e que nos deixaram bastante preocupados”.

A fim de combater essa situação alarmante, o Programa SENAI de Ações Inclusivas ouviu as escolas para saber o que estavam fazendo em relação ao problema. Em seguida, desenvolveu ações em parcerias com famílias, que incluíam reuniões via WhatsApp e outras ferramentas. “Fizemos palestras online, algumas dinâmicas à distância e montamos grupos de trabalho no modelo de rodas de conversa. Eram mediadas por profissionais das áreas de psicologia e psiquiatria para criar um canal de escuta, de apoio. Em muitas situações, tanto os estudantes, quanto os docentes e as famílias precisavam ser ouvidos”. E Adriana nos conta alguns resultados de aprendizados com relação aos temas abordados. Nesse contexto, o reconhecimento da diversidade é muito importante, pois a escola precisa ser um espaço de escuta e ajuda no fortalecimento da autoimagem positiva – principalmente em adolescentes, que ainda estão em desenvolvimento.

“Nos aprendizados que tivemos com a ajuda de estudantes, famílias, equipes técnicas e pedagógicas, nos demos conta de que currículo pode ser algo muito engessado e que, nesses casos, devemos torná-lo mais vivo”, pontua Adriana Barufaldi. “Observamos que adultos também estão passando por processos de sofrimento, inquietação, dores, lutos. Criamos uma rede de ajuda mútua. O mais importante não era olhar por uma perspectiva somatória de produção e respostas, mas dar um suporte às pessoas para que se sentissem amparadas nesse que é um momento de transição. É preciso cuidar”.

Então, a palavra é “cuidado”. De acordo com o professor adjunto do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco Hugo Monteiro Ferreira tem a mesma origem etimológica de “cura”. Na circunstância em que vivemos, com frequentes desafios de cuidado (desafios de cura), parece haver uma emergência dessa palavra e dessa discussão. Trata-se de uma reflexão de muitos setores e áreas, sobretudo na Saúde da Educação. “Pensar em saúde mental é pensar na pessoa a partir de uma perspectiva integral – ou seja, o sujeito tem uma variação muito grande de instituições que o constituem. O ser humano é formado a partir de várias perspectivas. Podemos enumerar algumas, como as dimensões neurofisiológica, biológica, psicológica, antropológica, cultural, histórica, social, estética, espiritual. Todas estão relacionadas à palavra cuidado e à expressão saúde mental”, destaca o professor.

Partindo desse ponto de vista, Ferreira listou três pontos que acredita serem essenciais para pensarmos sobre ações da saúde metal: “O primeiro é nos reconhecermos como sujeitos emocionais ou socioemocionais. O segundo é identificar e nominar as emoções, os sentimentos. Reconhecer que temos emoções e saber identificá-las. E também saber falar sobre as emoções, os sentimentos no cotidiano e na convivência. Penso que essas três dimensões – reconhecer a emoção em nós, saber que podemos identificá-las e admitir que podemos falar sobre elas – são essenciais no mundo contemporâneo numa situação como a pandemia”.

Hugo Monteiro Ferreira aconselha a prestar atenção especial ao autocuidado: “Está relacionado à autoestima, ao que faço para mim, ao que faço comigo, como vivo, como existo, como me percebo. O cuidado tem a ver com a minha história, minha biografia, minha perspectiva de vida. Me cuidar significa buscar a mim, e buscar a mim significa autoconhecimento, outra questão fundamental no trabalho com a saúde mental. Autoconhecimento significa eu me conhecer, conhecer a minha história, minha biografia, meus ancestrais, minhas ancestrais. Significa saber da minha origem, quem são meus avós, quem é meu pai, minha mãe. Significa, portanto, conhecer o mundo”.

Um outro item destacado pelo professor é a convivência: “Aprender a conviver com as diferenças, com as alteridades, com o que não é igual a mim, que não é espelho; portanto aprender a entender e compreender como identidades diferentes, que não são parecidas comigo, estão presentes na minha vida é fundamental”, frisa. “A dialogicidade, que significa aderir às pessoas, aos discursos, ainda que não concorde com eles, ainda que não seja o seu discurso, não pode faltar. Ter adesão é ter respeito, compreensão, compaixão, empatia. Esses elementos são fundamentais na dialogicidade, palavra muito usada pelo professor Paulo Freire, que sempre trazia a questão do diálogo, de como viver um processo dialógico”.

Ainda amparado por essa perspectiva, o professor da do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco fala da amorosidade. “É compreender as outras dimensões e tem a ver, sobretudo, com a possibilidade de tratar, difundir e experimentar a gentileza e a generosidade fundamentais num processo como esse em que estamos existindo. Essas cinco pilastras – cuidado, conhecimento, convivência, dialogicidade e amorosidade – estão relacionados com aquelas dimensões: ter emoção, falar sobre a emoção, identificar emoção e nominar emoção”, resume. “Esse conjunto nos leva a práticas como ter cuidado com a alimentação, com o sono, o exercício físico, nossas relações (sobretudo no sentido de estabelecer relações saudáveis e não tóxicas). É fundamental perceber a importância da meditação, também chamada de mindfulness, que é a necessidade de atenção integral, a presença, o estar aqui nesse mundo”.

Fechando este painel sobre a saúde mental durante a pandemia de Covid-19 no Brasil, a live contou com a preciosa participação da voluntária do Centro de Valorização da Vida, o CVV, Patricia Fanteza, que explicou como funciona este serviço humanitário, filantrópico e gratuito criado em 1962. “Os voluntários passam por um treinamento de 12 semanas para aprender a escutar de forma acolhedora e neutra, sem julgar, criticar ou dar opiniões. Esse é o objetivo do CVV: criar um ambiente onde a pessoa pode trazer o que é importante para ela num momento pontual. É importante entender que não se trata de terapia”, observa. “Quando conversamos com alguém que nos escuta sem julgamento, a possibilidade de dizermos o que sentimos de verdade é bem maior”.

O CVV está presente em todo o território nacional, com cerca de 120 postos e quatro mil voluntários que se revezam para fazer com que o trabalho por telefone (número 188) funcione 24 horas por dia, sempre baseado no sigilo e no anonimato.

Mais informações no site www.cvv.org.br