SENAI CETIQT: Como lidar com a ansiedade na vida acadêmica? Jovens psicólogas dão dicas preciosas


Thaiane Meirelles e Bruna Lima, criadoras do canal ‘Jovens Terapeutas’, no Instagram, falaram sobre o que podemos fazer diante de uma dificuldade: mudar a perspectiva. Pensando de outra forma, ajustando, organizando, você muda aos poucos. Pensar no futuro não é ruim. O problema é querer controlar. É preciso saber que ele só será construído um degrau de cada vez

Quem frequentou uma universidade costuma se lembrar com carinho dos anos passados nessas instituições. É uma marca simbólica do começo de uma nova vida. A universidade acarreta em mudanças fundamentais, responsabilidades, imensas alegrias e inevitáveis ansiedades com relação ao futuro e uma alta produtividade. Qualquer pessoa pode se sentir ansiosa antes de uma prova, uma entrevista de estágio ou emprego ou quando vai conhecer alguém. E o momento que estamos vivenciando com a pandemia tem acelerado alguns gatilhos de ansiedade. O SENAI CETIQT promoveu a palestra online “Como lidar com a ansiedade na vida acadêmica”, que mereceu elogios dos internautas.

Mediada pela assessora de Educação, coordenadora pedagógica e gestora de projetos de Empregabilidade do SENAI CETIQT Raquel Gomes, a palestra contou com a expertise das psicólogas Thaiane Meirelles e Bruna Lima, criadoras do canal Jovens Terapeutas, no Instagram (@jovensterapeutas). “Convidamos duas jovens profissionais que entendem muitos questionamentos sobre a da ansiedade na universidade. A experiência delas ainda está bastante próxima, pois não faz tanto tempo que terminaram os estudos”, revelou Raquel Gomes em sua fala de abertura.

A dupla começou dando uma definição sucinta sobre a ansiedade. “Ela é um estado emocional que se caracteriza por pensamentos e preocupações excessivos relacionados ao futuro e permeados pelo sentimento de medo. Quem nunca teve aquele pensamento do ‘e se isso acontecer?’ ou ‘e se eu não estiver tão preparada assim?”. Estamos falando de uma emoção que todos sentimos”, observou Thaiane Meirelles, acrescentando: “Apesar de a gente achar que é a grande vilã, falarmos frases como ‘não quero ter ansiedade nunca mais’, é preciso desmistificar a ideia de que a ansiedade é curável, porque não é. Sinto decepcionar vocês, mas não há cura para a ansiedade. Não há como suprimi-la, pois trata-se de uma emoção como a alegria, a tristeza e a raiva”.

Isso significa que aqueles questionamentos do tipo “e se o pior acontecer?” ou “e se eu não estiver tão preparado quanto penso que estou?”, que costumam ocorrer justamente na hora de dormir, tirando o nosso sono sagrado, são comuns. E não vivenciamos estas experiências sozinhos. De acordo com Thaiane Meirelles, todos passamos por isso. “A ansiedade é uma reação normal e muito importante para a nossa sobrevivência, pois nos prepara para encarar o futuro. É um mecanismo de defesa importante”, ressaltou Thaiane. “Não é algo que surgiu com o século 21 e este mundo tecnológico. Na Antiguidade, auxiliava na luta pela sobrevivência com a reação de luta-ou-fuga. Imagina estar numa floresta para caçar: precisamos sobreviver, mas não sabemos de onde virá um animal ou uma tribo inimiga. A ansiedade deixava o homem primitivo hipervigilante, o que contribuía para que ele encontrasse a própria comida, garantindo a preservação da espécie”.

O retumbante desenvolvimento da tecnologia não foi acompanhado por nossa evolução biológica, bem mais lenta. Hoje, para nos ajudar a sobreviver, ela está voltada para outras questões. Se nos primórdios precisávamos caçar para ter a nossa alimentação, hoje compramos comida no mercado. Não precisamos mais nos preocupar com a construção de abrigos para passar a noite, pois já temos nossos tetos. “Passamos a observar outras questões. E aí vieram as preocupações com a incerteza do futuro, com emprego, educação, o medo de perder o controle. Com a tecnologia, fomos inseridos em vários mundos diferentes. A pandemia é um exemplo claro de que não controlamos nada. A tecnologia traz uma certa ideia de que temos controle sobre a nossa vida, mas não temos. O grande problema da ansiedade é quando a interpretação do perigo transita entre o real e o imaginário. Quando o perigo é fruto da imaginação, ele é interpretado pelo sujeito com uma proporção maior do que de fato tem. Costumamos dizer que a gente ‘catastrofiza’ tudo: o desfecho sempre será o pior possível. ‘Serei reprovado’, ‘não vou conseguir emprego’. É sempre um extremo, e a vida não é extrema. Muitas coisas podem acontecer e é tudo muito fluido”, analisou Thaiane Meirelles.

Bruna Lima aproveita o gancho da “catastrofização” e de como nossos pensamentos interferem no processo de avaliar e tentar controlar tudo para abordar o modelo cognitivo-comportamental e visualizar como a ansiedade interfere na nossa vida, em nosso dia a dia. “Como esse modelo funciona? Digamos que temos um evento (uma situação, algo que está acontecendo, como uma aula em que temos dificuldade ou um prazo que estamos tentando cumprir, por exemplo). Fazemos uma avaliação desse evento, uma interpretação do que está acontecendo. Essa avaliação influencia diretamente na maneira como vou me sentir e como vou me comportar”, analisa citando exemplo de uma pessoa durante uma aula online em plena pandemia e que tem alguma dificuldade para acompanhar. “Isso pode gerar aqueles pensamentos: ‘Eu serei reprovado nessa disciplina’; ‘não vou conseguir cumprir o prazo da entrega do trabalho final’, ‘a minha internet está falhando’, ‘a conexão está caindo’… Enfim, tudo gera aquela emoção de preocupação e até de raiva, de irritação com a situação toda e, também, de ansiedade, porque já está pensando no prazo, no futuro”.

“E há uma série de pensamentos como: ‘Não vou continuar tentando. A internet caiu, não é para ser’. Quem nunca usou essas justificativas? ‘Não é hoje’, ‘Não é meu dia’ etc. Esse comportamento reforça o pensamento e o sentimento porque, claro, se você não conseguiu assistir à aula, provavelmente não vai saber o que foi passado ali, vai ter dificuldade para estudar. Pode se prejudicar nesse trabalho final, nesse prazo. Vira um ciclo: uma coisa reforça a outra. Por que falamos tanto desse pensamento e dessa interpretação? Porque analisando esse pensamento, “conversando” com ele, conseguimos, talvez, chegar ao equilíbrio, sair do extremo de “vou reprovar, vou perder o prazo”. É interessante criar o hábito de conversar consigo mesmo, de conhecer o que você está pensando, o que está interpretando, ver se faz sentido”.

E Bruna citou o próprio exemplo dela e de Thaiane e da qualidade de mecanismo de proteção que nos leva a nos prepararmos para o que está por vir: “Vou falar do nosso exemplo. Sabendo dessa palestra, nós ficamos um pouco ansiosas ao pensar em qual seria o melhor conteúdo, ao escolher falas claras para todo mundo. Isso desperta uma certa ansiedade que faz com que a gente se preocupe em como vai ser e se organize para estudar o conteúdo e montar a palestra. Esse mecanismo de preservação, cuidado, segurança também é gerado pela ansiedade”.

O turning point com a pandemia obrigou (e obriga) muita gente a sair de sua zona de conforto, a mudar o comportamento. A cada momento chega uma notícia nova, cria-se um novo protocolo, volta-se atrás. “A gente fica perdida nessa mistura de informações. Interpretamos a situação e isso influencia em como vamos nos sentir, como vamos nos comportar, o que vamos fazer. É muito difícil lidar com esses pensamentos, principalmente porque estamos no meio de um curso de graduação que, muitas vezes, é visto como um marco: ‘Quando eu terminar o curso, vou trabalhar, serei bem-sucedido’. Como fica isso no meio de uma pandemia? Que planos podemos fazer? Como podemos nos organizar? Isso gera sofrimento, principalmente por conta dessa saída da zona de conforto”, comentou Bruna.

A psicóloga acrescenta que nossas experiências podem ser as mesmas, mas as vivências são individuais: “A pandemia mudou a vida de todos. Eu posso ter a mesma experiência que outra pessoa, mas a minha vivência é diferente. A vivência é onde eu coloco a minha particularidade, a minha condição. Tem gente que tem uma internet boa e gente que não tem. Tem gente com um espaço silencioso em casa e tem gente cujo único espaço silencioso é a sala de aula. Para cada pessoa vai ter um peso, para cada um vai ser diferente”.

Então, o que podemos fazer efetivamente para regular essa ansiedade que está presente em todos nós? “Não tem como querer estar 100% good vibes: vai haver ocasiões em que vamos querer chorar porque a situação não está das melhores. A ansiedade é uma emoção. É ruim? Não, é útil para todos nós. Mas não podemos ser apenas emoção, precisamos ter uma razão também”, ressalta Thaiane Meirelles. “Quando a emoção interferir no nosso dia a dia, a razão tem que se fazer presente. Se alguém diz: ‘Estou desesperada com um monte de pensamento’, o mais importante é identificar o que é nosso e o que é do outro. No dia a dia, é muito difícil separar o que é nosso do que é do outro. Quantas vezes você já se pegou pensando: ‘O que que o professor está pensando de mim porque não acertei a questão?’ ou ‘Minha mãe vai pensar que eu sou a pior aluna do mundo’.

O que a sua mãe e o professor que você admira pensam é importante? Muito. Mas eles não estão sob o seu controle. E só podemos fazer algo com o que está sob nosso controle, como  pensamentos, palavras, sentimentos, ações e estilo de vida. O que você pode fazer com eles? Ter ação. Está sob o seu controle.

“O que podemos fazer diante de uma dificuldade? Mudar a perspectiva. Pensar de outra forma. O que estou fazendo não está dando certo. Então como posso mudar? Vai ser difícil, pois nosso cérebro não gosta de gastar energia e quer fazer sempre a mesma coisa. Mas um dia de cada vez, uma coisa de cada vez. Pensando, ajustando, organizando, você muda aos poucos. Se o que estou fazendo hoje não está dando certo, o que posso fazer para melhorar? O que posso fazer de melhor dentro dessa realidade?”, indagou Thaiane Meirelles.

“Lembrei muito da pressão para sermos produtivos a qualquer custo. As redes sociais enfatizam isso. O meio acadêmico também. Lembro de quando começou a explodir aquela história do ‘milagre da manhã’. ‘Tenho que acordar às cinco para ter um dia produtivo’. Cada um tem a sua particularidade, o seu modo de funcionar. Não sou produtiva de amanhã. Vou acordar e ficar um caco. Mas, se acordar um pouco mais tarde, consigo render e produzir mais do que se acordasse às cinco sob pressão”, complementou Bruna Lima.

A psicóloga fala de ferramentas que podemos usar para combater a ansiedade na vida. Para começar, ela comenta o Registro de Pensamentos: “É como um plano de ação. Pode ser colocado no celular ou em um bloco de notas. A gente anota a situação, que é o onde temos alguma dificuldade; o pensamento, algo que passou pela nossa cabeça que, às vezes, é difícil de lembrar. Feito isso, anotamos as evidências que comprovam o pensamento e as que não comprovam. Por exemplo, o que comprova que não vou passar na prova e o que comprova que vou passar? Esse é um processo de recuperar na memória o que temos de concreto, de trazer para a razão o que comprove isso”.

Bruna Lima seguiu exemplificando que, na prática, há pessoas que dizem: “agora eu vou pensar com a razão” ou “agora vou pensar com a emoção”. “Mas não conseguimos separar 100%, porque, em termos biológicos, tudo acontece ao mesmo tempo. Eu penso, sinto e substâncias são liberadas… Mas fazendo um registro de pensamentos, eu consigo trazer um pouco mais a razão e me esforçar para olhar por esse lado. Eu tenho essa evidência, sei que tive esse pensamento. O que posso fazer em relação a isso? Levando essa evidência em consideração, o que posso fazer daqui para a frente?. Tudo começa aos poucos e você pode se dar conta de coisas que pode fazer que nunca havia pensado antes. E como isso pode ser aplicado no seu dia a dia”.

Outra ferramenta é o Cartão de Enfrentamento, que funciona de forma complementar ao Registro de Pensamentos. O cartão serve para anotar suas ações e deixar visível para lembrar-se delas no dia a dia. Sempre que ocorrer um pensamento catastrófico ou a ansiedade for além da conta, basta olhar o cartão para se lembrar de voltar-se para a razão. Bruna Lima dá um exemplo do que pode ser anotado no cartão: “’Qual é a minha realidade? O que posso fazer?’ Isso nos ajuda a lembrar do que podemos fazer e nos distrai um pouco do pensamento catastrófico”.

As palestrantes afirmam que outra ótima ferramenta é a Atenção Plena, que nada mais é que fazer qualquer coisa, seja caminhar ou falar em público, com a atenção no momento presente: “Quando estamos ansiosos, nossa visão está sempre no futuro. É como se estivéssemos na estrada querendo sempre olhar depois da curva. Só que não temos a visão do depois da curva. Isso é ansiedade. A Atenção Plena nos traz para o agora, para o que eu posso fazer na estrada antes da curva”, disparou Thaiane Meirelles. “Socialmente, a ideia de ser multifocal é bem aceita. No entanto, isso ativa a ansiedade. A comida é um bom exemplo. Muitas vezes, comemos mais do que deveríamos porque não estamos prestando atenção à refeição. Nosso cérebro ainda não reconheceu o que já ingerimos, ele demora um pouco. Quando comemos com atenção plena, demandamos um tempo: é o tempo que leva para ele reconhecer”.

A ferramenta mais importante do tratamento é a Respiração Diafragmática. Quando estamos muito ansiosos, nossa respiração fica curta. Na caça, quando o perigo está vindo, encurtamos a respiração e a ansiedade aumenta, nos preparando para enfrentar o perigo. “Hoje, porém, muitas vezes o perigo não vem. O animal não vai me atacar. É um perigo imaginado. Então, preciso trazer a respiração de volta ao estágio normal. Isso é feito través da respiração diafragmática.Tem vídeos no YouTube ensinando a fazer. Se tiverem interesse, podem procurar e todos são bons. Para quem tem ansiedade, recomendo muitíssimo fazer diariamente, duas ou três vezes ao dia. Ajuda muito no controle da ansiedade”, aconselha Thaiane Meirelles.

Ela chama a atenção para uma ferramenta importante, o Momento da Preocupação. Funciona assim: já que ficamos o dia inteiro preocupados com que pode acontecer, podemos reservar um tempo do dia só para isso. Quando você está se preocupando antes desse momento reservado exclusivamente para se preocupar, você corta essa preocupação: “Opa, não é o meu momento de preocupação”. É melhor ter um tempo para mapear suas preocupações do dia e pensar no que pode fazer.

E Bruna Lima falou sobre a Divisão das Tarefas em pequenas metas. Quem nunca se viu com um trabalho e milhões de abas abertas no computador? E, além das abas, ter outras demandas acontecendo? Porque a vida não para: tudo acontece ao mesmo tempo. “Temos os prazos da faculdade, mas também temos a vida pessoal. O que ajudou muito é dividir em etapas. Se estamos falando de um trabalho final, como se organizar por etapas para dar conta? O primeiro passo pode ser, por exemplo, reunir os textos que fazem sentido ler. Num segundo momento, podemos dividir o que é mais urgente ou importante daquilo que pode esperar, algo que fazer, mas cuja data de entrega não está tão próxima. Quando passamos essas tarefas para o papel, tudo fica mais visível e fácil para nos organizarmos”, afirmou a psicóloga.

Thaiane Meirelles encerra a live mandando um recado para os ansiosos: “Pensar no futuro não é ruim. O problema é querer controlar. Não é ruim eu querer ser uma psicóloga bem-sucedida no futuro. Errado é eu querer controlar o meu caminho até chegar ao sucesso. Não tenho esse controle. A pandemia nos mostrou isso. Nosso plano era abrir um consultório em sociedade, mas não deu. Mudamos o plano. A meta final, de ser uma psicóloga bem-sucedida, saiu? Não. O meio do caminho mudou. Essa é a questão: o plano de futuro não é o problema. O problema é querer controlar no meio do caminho. Esse meio pode ter tropeços e obstáculos. Mas não é o grande problema. É preciso galgar um degrau de cada vez. Tendo visão de futuro, mas sabendo que ele só será construído um degrau de cada vez”.