Psicólogo bombado na web, Matheus Vaz discute relacionamentos tóxicos em e-book e propõe uma Psicologia pop


Psicólogo famoso nas redes sociais, ele fala sobre os desafios de propor uma psicologia popular, acessível e desconstruída. Através do humor, joga luz a temas sérios como autoestima e comportamento. Através das caixinhas de perguntas do Instagram, Matheus observou uma demanda específica de mulheres que pediam que fosse falado sobre relacionamentos abusivos. A escuta aos seus seguidores resultou na produção do e-book “Flertando com o Abusivo”, no qual o tema é romanceado e oferecido aos leitores. Além disso, o terapeuta lembra o debate entre psicólogos e coaches, e a necessidade de identificação entre terapeuta e paciente além da estereotipação que rotula o psicólogo como alguém detentor da razão e acima de qualquer questionamento: “Quero que elas também me vejam como como uma pessoa real”

*por Vítor Antunes

Na pauta das relações interpessoais, algo que tem sido discutido com mais afinco nos últimos anos, estão os relacionamentos tóxicos. Lançando mão deste contexto, o psicólogo Matheus Vaz, sucesso das redes sociais, onde se intitula “um psicólogo nada convencional”, traz, com bom humor, olhares sobre o tema relacionamentos, bem estar e autoamor. “Eu levo as coisas por um viés do humor para as pessoas refletirem de um modo não tão tradicional (…). Elas se identificam quando veem a mim, um cara preto, gay, que fala de forma descontraída e se sentem à vontade para se abrir pois percebem ser alguém que alcança o que elas estão falando”.

Matheus acaba de lançar o e-book “Flertando com o Abusivo“, no qual traz à cena, de forma romanceada, ainda que tenham ali princípios psicanalíticos, questões que dialogam com os relacionamentos abusivos e tóxicos. Segundo ele, o tema surgiu por sugestão dos próprios seguidores, ou melhor, das seguidoras, já que as mulheres compõem a maioria do seu público. Elas lhe trouxeram o assunto, já que, com recorrência, perguntavam sobre isso na “caixinha de perguntas” do Insta. “Havia uma constância nas sugestões de mulheres a falar sobre esse tema e isso abrange muita coisa que não apenas o relacionamento afetivo amoroso, mas relações tóxicas de amizade e familiares”.

Sobre as redes sociais, o terapeuta fala sobre os  relacionamentos de “data marcada” e que servem “não para enaltecer a pessoa que se está do lado, mas para mostrar aos seguidores de que se está feliz dentro de uma expectativa imposta socialmente, de que só é possível haver felicidade se dentro de um relacionamento. Há quem viva um caos emocional com um parceiro com quem já deixou de ser compatível, mas isso compõe o que se entende como ideal de vida perfeita”. Por ser muito ativo nesta plataforma, Vaz foi criticado por seus pares. Não apenas por lançar mão do Instagram, mas de ter uma atitude mais disruptiva, uma linguagem mais coloquial e ser plenamente tatuado: “Há um dualismo do Matheus da rede social e o terapeuta. Desde a faculdade, os professores me recriminavam por minhas tatuagens, dizendo que os pacientes não confiam em pessoas muito tatuadas. (…) Bato na tecla de que não é bem isso (…). Quero que eles me vejam como uma pessoa real”.

Matheus Vaz: Psicólogo escreveu um livro sobre relacionamentos tóxicos e quer propor uma psicologia fora dos padrões (Foto: Vinícius Mochizuki)

FLERTANDO COM O ABUSIVO

O relacionamento abusivo vem ganhando cada vez mais protagonismo nas redes. Porém, o autor do e-book aborda-o de forma romanceada, sem a linearidade comum dos livros de autoajuda. Ele foi feito para ser popular e não para ser um ensaio: “Quando eu entro em contato com o livro e com o meu público, eu procuro tirar essa seriedade que os livros de auto-ajuda proporcionam. A minha linguagem é mais acessível, é para traze-los pro meu lado, de um modo não tão formal para atingir um melhor número de pessoas”.

Conta-nos Matheus que o que mais o motivou a falar de relacionamentos tóxicos foi o seu próprio público da Internet: “87% do meu público são de mulheres a maior resposta que eu tinha nas publicações eram aquelas sugeridas por mulheres e que permeavam este tema. Isso abrange muita coisa que não apenas o relacionamento afetivo amoroso. Há relações tóxicas de amizade e familiares. Muitas mulheres que me procuravam no consultório eram para soluções ante um relacionamento tóxico”. Vaz fala também, que não são poucas as pessoas que aproveitam-se das suas redes sociais para desabafar, especialmente depois que se sentem confiantes da pessoa do profissional.  “Elas encontram ali uma facilidade para falar. Usam o meu direct para isso entendem aquele espaço como lugar de apoio, contam suas histórias”.

No livro, Matheus diz haver se inspirado em situações da vida real. Tanto de pessoas próximas como amigos e outras histórias que lhe foram contadas. “É muito curioso”, diz ele, “que quando falamos sobre relacionamento abusivo, e especialmente o afetivo amoroso, há muitas semelhanças nos casos. As pessoas abusivas tendem a repetir alguns padrões. E à vítima dessas relações resta os traumas e a dificuldades de se relacionar depois disso”.

Há dois momentos importantes num relacionamento abusivo: O que há durante, em sua vivência, e o que há depois, nos desafios de viver um novo relacionamento de forma saudável. A pessoa fica cheia de traumas e medos em sentir aquilo de novo, ou de algo que possa levá-la para aquele mesmo lugar, de uma relação pouco saudável  oriunda da experiência de um relacionamento anteriormente vivido – Matheus Vaz, psicólogo

Em razão do Dia dos Namorados e do Dia de Santo Antônio, muito se falou sobre as referências da(s) data(s) e suas relações afetivas. Muitas pessoas ocuparam as redes sociais com fotos dos seus amados (as), e revelando uma espécie de “Relacionamento de efeméride”: Casais que só se mostram felizes nas redes sociais por conta da data celebrativa. “Há alguns relacionamentos que são uma extensão das redes sociais. Quando falamos disso não falamos apenas de pessoas que têm a necessidade de enaltecer o seu parceiro, mas daquelas que precisam mostrar aos seus seguidores que estão felizes dentro dessa expectativa imposta socialmente, de que só é possível ser feliz se estiver dentro de um relacionamento. Há quem viva um caos emocional com aquele parceiro, não há mais compatibilidade entre eles, mas precisa mostrar que tem um ideal de vida perfeita que foi entendido e impregnado como certo”, alega.

“No Dia dos Namorados aparecem dois perfis muito estereotipados”, diz Matheus, “Tanto aquele casal que precisa mostrar pro mundo que esta muito feliz mesmo tendo terminado o relacionamento inúmeras vezes durante o ano, e aquele do solteiro super insatisfeito que faz questão de falar que com um print é capaz de acabar com o relacionamento de qualquer pessoa e que a solteirice é a melhor fase da vida dela”, pondera. E prossegue: “É importante entender essa auto afirmação que as pessoas fazem na rede social e esclarecer se essas postagens nas redes são para si ou para o outro. A quem a pessoa está querendo atingir? Quer mostrar para os outros que está bem? É necessário estar bem numa condição que transcenda os likes e o dia 12 de junho”.

É possível estar bem namorando, casado ou solteiro. Há várias formas de estar bem, mas é preciso pesquisar dentro de si o que é estar num relacionamento e isto deve ser algo intrínseco – Matheus Vaz, psicólogo

Após trazer o tema dos relacionamentos tóxicos, Vaz antecipa-nos com exclusividade o seu próximo projeto literário: Um livro que pretende passear pelo que a psicologia intitula como “A Síndrome do Bom Menino”. “O meu novo livro tem o nome provisório de “Como ter sido o filho que não deu trabalho dá trabalho até hoje“. Isso fala muito sobre aquela criança que passou a infância sem ter tido a devida atenção, por não dar trabalho, e que se torna um adulto que se cobra e  que tem dificuldade de pedir ajuda, por não querer incomodar”.

Matheus Vaz quer debater “A Síndrome do Bom Menino” em seu próximo livro (Foto: Vinícius Mochizuki)

 

A PSICOLOGIA E OS OUTROS AFETOS

Matheus é, inicialmente, ator. Quando saiu do Espírito Santo, seu estado natal, veio ao Rio para investir na sua carreira artística e, na capital carioca estando, começou a fazer um curso de Psicanálise e a Faculdade de Psicologia. Sua expressão jovial e aparência descontraída contrasta com o perfil estereotipado dos terapeutas “uma pessoa mais velha, um senhor de óculos que quase não conversa e só anota”, segundo Vaz. Desde a época da Faculdade, Matheus convive com a polêmica de ser distante desse psicólogo arquetípico: “Meus professores me recriminavam, dizendo que o fato de eu ter muita tatuagem afastaria os potenciais clientes. As críticas começaram ali, mas eu tinha na minha cabeça muito organizado o que queria. Eu queria desconstruir a Psicologia dentro desse setting terapêutico, desconstruir essa psicologia robótica. Na clínica eu falo de vida real, de demandas reais e as pessoas conversam comigo coisas que não compartilham com outras. Quero que elas também me vejam como uma pessoa real, com um cara preto, um cara gay que fala de forma descontruída e se sente à vontade para se abrir por perceber que é alguém que está alcançando o que ela fala. Gosto muito da desconstrução da ideia estabelecida. Ano passado, por exemplo, lancei um brega-funk engraçado tendo como tema a saúde mental  e tive um feedback legal . É preciso saber como atingir essa geração nova do TikTok”.

Eu , como um homem gay ,vou me sentir mais confortável em ver alguém que entenda as minhas demandas e me compreenda – Matheus Vaz, psicólogo.

Há alguns estudos que apontam uma relação entre os humoristas e a depressão. Um deles, publicado em 2014  e liderado por Gordon Claridge, da Universidade de Oxford, propõe esse cruzamento. Para Matheus, “quando falamos da depressão estamos falando não de uma condição dentro de um nicho, mas de algo que pode abranger qualquer pessoa em qualquer grupo. Os humoristas não estão isentos a conviverem com alguma doença de cunho mental. O  que acontece é que essas pessoas costumam ficar mais desassistidas de compreensão o que faz com que os humoristas creiam que sua função é levar humor para outras pessoas, e naturalmente, tenham que reprimir tudo aquilo que não é humor, a fim de cumprir a expectativa do outro. Essa necessidade de rir, de sublimar o que é ruim e ter que falar sobre as suas questões pessoais que não envolvem sentimentos não tão positivos, acaba reprimindo essas pessoas que não encontram espaço para falar sobre as próprias questões. Por isso a terapia é tão importante. O humor não isenta as pessoas das doenças de cunho mental”.

Diante da toxicidade das redes sociais, Matheus aponta o Twitter como a mais agressiva. Acha que estas plataformas devem ser “usadas como prudência, não só pelo que se digita, mas pelo que se consome. Há pessoas que reclamam de certos conteúdos mas que consomem  justamente aquilo que tanto recriminam. A mente delas funciona dentro desse ambiente. É importante entender também que as redes sociais não são sessão de terapia. Não dá para entrar na rede social e compartilhar tudo. Quanto às contas fakes, há gente que se sente forte o suficiente  para falar o que quer, mesmo que seja duro ou deturpado, só para ter alguma atenção voltada a si e ser notada. A terapia pode ajudar a entender o que é seu, o que é do outro e o que é a crítica pela crítica, aquela sem embasamento. E isso é fundamental no mundo como o de hoje”

Matheus vAz acredita que as redes sociais podem ser um terreno pantanoso para autoestima (Foto: Vinícius Mochicuzi)

Um assunto escamoso dentro da Psicologia é a disputa destes profissionais com os coaches. Matheus vai “contra a maré. Falo que minhas redes sociais são para divulgar o meu trabalho e não para visibilizar aquilo que não acredito. Há pessoas que tem um embasamento que eu não reproduziria. Quando vejo algo assim, não consumo o trabalho, as redes e não divulgo. Não sou eu quem vai balizar isso”, opina.

Por ocasião do Mês do Orgulho LGBT, o psicólogo aponta que “Ainda que haja uma maior aceitação dos relacionamentos homossexuais ainda precisamos muito para equiparar o aceito socialmente que é branco-padrão-heteronormativo. Há famílias que falam aceitar mas “não querem conversar sobre isso” e é algo que priva muito os gays que precisam administrar a aceitação familiar frente aos seus companheiros”. E ele prossegue: “É preciso ter autonomia sobre quem você é. Quando se tem isso, nega-se a possibilidade de amar uma família que te limita ou uma mãe homofóbica, ou ainda aceitar tudo de uma família [repressora] só pelo laço sanguíneo. Esse vínculo cultural da família acima de qualquer coisa pode ser dolorido pois há  quem coloque a família acima inclusive de si própria. e quem não quer compartilhar isso comigo não merece estar aqui comigo. A terapia é fundamental para que essas pessoas se  compreendam melhor e saibam quem querem ou não ter perto de si”.