“O que será do amanhã?” A corrida por astrólogos, tarólogos e mães e pais-de-santo em tempos de coronavírus


Profissionais das artes divinatórias contam como reinventaram o atendimento ao público diante do boom da busca por oráculos durante a pandemia de Covid-19, e revelam as maiores preocupações e temas no imaginário dos clientes

*Por Malu Porto

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Faxina cósmica

“Se as pessoas já eram preocupadas com futuro antes da pandemia, imagine agora”, reflete a astróloga Leiloca Neves, que possui 48 anos de profissão e viu seu número de consultas triplicar desde que o Coronavírus instalou-se no cotidiano brasileiro, chegando a mais de 12 mil clientes. “As pessoas que não tinham tempo para pensar sobre suas vidas, agora, passaram a ter. Muitos estão revendo conceitos, eliminando o que não é mais necessário, fazendo uma verdadeira faxina cósmica, onde perceberam que menos é mais. Muitos dos que estão sem trabalho ou foram demitidos estão tentando se reinventar, criar uma nova narrativa. Atualmente, a demanda que chega até mim tem um novo foco: a carreira. Muita gente pedindo mapa vocacional, empresarial, e até geográfico, para saber como andam oportunidades em outros países. A astrologia é uma ferramenta maravilhosa para ver o que já funciona e os desafios do caminho, não só profissionalmente, mas em todas as áreas”. Sobre a quarentena, Leiloca, que também atua como cantora e palestrante, conta que não teve grandes desafios para se adaptar: “Como eu já vivia isolada antes da pandemia (risos), não precisei migrar minhas consultas, pois a maioria já era por vídeo”.

Antes e depois: 99% amor

A taróloga e psicoterapeuta holística, Suely Zadorosnny, que trabalha há 32 anos na área, conta que sempre preferiu atender seus clientes presencialmente, pois além de jogar tarô, baralho cigano e runas, ela também realiza terapias de cura energética. “Tive que me reinventar e já estou há cinco meses só no online. Já fiz desde sessão de cromoterapia por vídeo, mandei entregar florais de Bach por motoboy, além de consultas de tarô por ligação e até por mensagem de texto, caso o cliente necessite mais privacidade”.

Quando perguntada sobre as principais demandas emocionais do público, ela abre o jogo: “No meu caso, 99% das questões continuam sendo sobre a vida afetiva. No entanto, com o aumento dos pedidos de consultas, o público ficou bem mais plural. Tem pessoas de todas as idades e orientações sexuais”.

No campo dos relacionamentos, Suely analisa o cenário dos três grupos principais: casados, solteiros e “enrolados”. “Para os casais de longa data, a convivência forçada potencializou afinidades e conflitos. Muitos ficaram ainda mais unidos, se redescobriram, já outros estão a caminho do divórcio. Casos extra-conjugais também vieram à tona. Entre os que não tinham um relacionamento formalizado, há os que decidiram fazer um test-drive e foram morar juntos, e os que terminaram de vez. No geral, a pandemia pôs todas as relações em cheque. Muitos solteiros migraram para os aplicativos online, até porque a paquera de máscara não tem muita graça (risos); outros estão se sentindo extremamente sozinhos e carentes. Há muito medo de conhecer gente nova, de beijar na boca. Mas também há uma urgência em achar um parceiro, pois ninguém sabe se estará vivo amanhã”, conclui.

Me dê uma luz!

Para o tarólogo Daniel Chagas, a quarentena exigiu que ele modificasse totalmente a sua rotina: “Eu geralmente atendia em casa ou ia até as pessoas. Agora migrou 100% para o online. Como nas leituras virtuais a percepção humana fica mais prejudicada, eu tento usar a minha experiência como professor e ator durante as sessões para compensar a frieza da tela”, revela. E complementa: “Antes da pandemia, as pessoas traziam questões mais pontuais sobre amor, carreira, futuro… Agora, diante da ausência de clareza e perspectiva do contexto, a busca é mais por um panorama geral, uma rota. Elas pedem: ‘Daniel, me dê uma luz!’. Por isso, tenho usado muito o jogo de mandala do tarô de Marselha, em que tiro uma carta para cada aspecto da vida e tento enxergar as tendências que regem o momento”.

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Saúde em primeiro lugar

A candomblecista Mãe Janayna de Obaluaê também revela que tanto as suas consultas de jogo de búzios, quanto as atividades de sua casa de santo alteraram-se radicalmente desde que a pandemia tornou-se uma realidade: “Eu costumava fazer de seis a oito jogos por dia, agora passei para um ou dois. O cliente senta do outro lado da mesa, tem que lavar as mãos quando chega. Acabou aquele contato de beijo no rosto e abraço”. Sobre os temas das consultas, Mãe Janayna reflete que atualmente há uma maior preocupação com as questões de saúde, individual e de familiares, além da dúvida sobre até quando a pandemia vai durar: “As pessoas me perguntam muito quando isso tudo vai acabar. Sobre uma previsão de cura. Eu vejo que as coisas melhoram para o fim do ano. Também há uma maior solidariedade com o próximo, com a comunidade, o que, por um lado, é muito positivo. Em nossa casa de santo, estamos dando prioridade para atividades de caridade, em vez de eventos e festas em que aglomere pessoas”.

“Para quê eu nasci?”

“Definitivamente, houve um aumento nos pedidos de consultas, além de uma migração no tema. Hoje para cada dez pessoas que eu atendo, oito querem fazer o mapa Dhármico”, analisa o astrólogo Sérgio Seixas, que há quase 40 anos, junto com sua parceira Lygia Franklin, desenvolve a interpretação do mapa astral clássico por um viés evolutivo, o Dharma, o qual se propõe a responder questões de clientes como “Qual é o meu propósito de vida?” e “Para quê eu nasci?”: “Lá atrás havia uma preocupação maior em compreender a si mesmo. Depois vinha a busca por  previsões, que são os trânsitos, e agora as pessoas parecem não ter mais tanto interesse sobre a própria personalidade, mas sim sobre qual seria a sua missão de vida”, conclui.