Lana Santucci: modelo trans, que abandonou o mundo dos games por sofrer preconceito, chega ao Olimpo da moda


A modelo foi uma das mais consagradas gamers, que abandonou a cena por não se sentir acolhida em um universo ainda dominado pelos homens e sentir na pele os ataques de ódio. Aos 25 anos, a top faz parte do casting premium da WAY Model, ao lado de Sasha Meneghel, Carol Trentini e Alessandra Ambrósio e tem um sonho: seguir também uma carreira como cantora

Lana Santucci vem de destacando no universo da moda por sua beleza e representatividade (Foto: Divulgação)

Como a beleza de uma Afrodite, a sabedoria de Athena e a força de Cratos, Lana Santucci pede licença a Zeus para se apresentar o Monte Olimpo. A modelo trans vem agregando representatividade à moda, evoluindo o debate sobre identidade de gênero, tornou-se importante voz na luta pela inclusão de modelos trans e pelo respeito à diversidade e chamando atenção de profissionais do mercado, fazendo até Apolo a lançar seus holofotes sobre ela.

Formada em Negócios da Moda, a bela aos 25 anos, concilia as passarelas e campanhas com a faceta de palestrante falando sobre identidade de gênero e representatividade, e tem sido requisitada para workshops de grandes empresas. Antes de seduzir as lentes e encantar as passarelas, Lana era celebrada no universo gamer, um dos mais rentáveis na atualidade. Durante três anos, ela foi uma das gamers mais incríveis em seu extinto canal no YouTube, pela destreza em jogar. Suas transmissões de League of Legends, LOL, lhe deram uma grande taça, porém, por ser uma mulher trans em um universo ainda dominado por homens, sentiu o preconceito: “Quando comecei a fazer stream de League of Legends e criar conteúdo, sofri muito com as mensagens de ódio que recebia. Acho que, na época, eu não sabia lidar. Agora, eu mesma quando estou em trabalho e a pessoa erra algum pronome, sempre falo: ‘não tenho vergonha nenhuma de questionar’. Não pode existir espaço para que as pessoas achem ao contrário, porque no momento que você fala que é trans, as pessoas começam a te tratar errado, parece que você não é mulher ou homem de verdade, isso acontece até mesmo na própria comunidade”, comenta.

A jovem paulista nem acredita que já atravessou muitas fases no game da vida, travando longas batalhas. “Eu digo que a vida não dá reviravolta, ela capota. Já enfrentei tantas barreiras nesses 25 anos, que é difícil de acreditar. E sigo assim”, reflete Lana, acrescentando: “Muitas amigas se prostituiram ou se prostitiuem, porque não conseguem um emprego. Reconheço que sou uma privilegiada nesse mundo”. A musa ao mesmo tempo que se tornou uma referência, acha o status cansativo. “É importante, mas isso também é cansativo, porque cria um estigma, uma caixinha onde estamos enquadradas. Quando eu só quero ser tratada como a mulher que sou, sem que isso ‘venda’”.

A top está em um seleto casting da WAY Model, líder no segmento e responsável pela carreira de tops como Sasha Meneghel, Carol Trentini e Alessandra Ambrósio. “É uma questão muito importante para mim, quero abrir essa porta para mais pessoas trans, busco ser reconhecida no trabalho como modelo e levar essa mensagem da diversidade comigo durante toda minha trajetória”, frisa.

Com apenas dois anos de carreira, desde 2019, Lana tem florescido e colhido muitos frutos, no mercado: encerrou o desfile da À La Garçonne, de Fabio Souza, com direção criativa de Alexandre Herchcovitch, foi destaque na Vogue Brasil, Vogue Portugal, Elle, Glamour e L’Officiel, e participou do reality-show ‘Born to Fashion’, exibido pelo canal E!. Além de ter estrelado campanhas para a M.A.C, Vivara, Paula Raia e Riachuelo, desfilou na São Paulo Fashion Week. Ah, Santucci flertou com as lentes do mestre Bob Wolfenson.

Lana Santucci e o estilista Alexandre Herchcovitch, no desfile de À La Garçonne

Coroada como uma revelação no mundo fashion, Lana Santucci não teve uma trajetória fácil e, diariamente, vem quebrando muitas barreiras por conta do preconceito, desde sua infância, que foi traumática: “Quando eu era criança, na escola, como eu era bem diferente das outras, sofri bastante bullying, bastante violência verbal e um pouco de violência física também. E tem reflexos até hoje. Eu fui crescendo e com 15 anos me descobri um menino gay, me relacionava com homossexuais e percebi que estava faltando alguma coisa. Aos 19 anos, eu comecei a pesquisar a respeito de transição e de pessoas trans. Tive amigas trans que me ajudaram muito nesse período. Foram pessoas que me orientaram e a quem eu sou muito grata”, revela.

Lana Santucci acredita na importância de trazer o debate de gênero para a esfera pública, nas escolas (Foto: Divulgação)

Lana ressalta a importância de trazer o debate de gênero para a esfera pública, principalmente nas escolas. “A questão da educação é muito importante. Estamos vivendo uma situação muito complicada em nosso país com a falta de investimento em cultura, ciência, entre outros pontos tão importantes. A questão do estudo de gênero é válida, mas precisamos deixar muito claro que orientação sexual é diferente de identidade de gênero, uma coisa é com quem você se relaciona, que é a orientação sexual, outra coisa é quem você é, identidade de gênero”.

Lembrando que o Brasil mesmo tendo batido o recorde de pessoas trans eleitas nas eleições municipais, novos dados do Trans Murder Monitoring (“Observatório de Assassinatos Trans”, em inglês) apontam que, apenas nos primeiros nove meses de 2020, 124 pessoas transexuais foram mortas no Brasil. Com isso, o país ocupa o inglório topo do ranking dos mais violentos para essa população pelo 12º ano consecutivo. México e Estados Unidos vêm em seguida, com 528 e 271 assassinatos reportados, respectivamente. Ao mesmo tempo somos o país que mais procura por pornografia transexual, um paradoxo de viver entre o desejo e o ódio em relação às travestis e transexuais.

“Eu sempre tento lutar. Vejo as minhas amigas e os horrores que elas passam. As trans são assassinadas e vemos a atrocidade feita com várias facadas. O Brasil é o país que mais mata trans no mundo inteiro, então é muito triste ver de tão perto essa realidade. Espero que meu trabalho talvez possa abrir e ocupar locais de fala que antes a gente não ocupava”.

Lana Santucci é uma das grandes apostas da WAY Model que vem se destacando em revistas nacionais e internacionais (Foto: Divulgação)

A modelo explica como a arte entrou em sua vida: “A moda vem quase como um complemento. É a arte que a gente pode vestir. Eu sempre gostei muito, sempre tive um grande sonho de ser modelo e cantora. Eu tiro umas palinhas em karaokê né (risos). Eu já tinha esse gosto por moda e música, afinal, minha família é toda musical, meu pais inclusive se conheceram em um coral”, revela.

Lana relata ao site HT, uma rotina de preconceito que também enfrentou nas agências. “Sempre tive esse sonho de ser modelo, mas eu fui em várias agências e sempre ouvia que eu não tinha o perfil, que não conseguiriam trabalhar comigo e me ‘vender’. Eu sei que é porque eu sou trans. É muito complexo você ter um sonho e as pessoas não acreditarem em você. Mas, eu não desisti”.

E ela pretende investir na seguir carreira internacional como modelo e, em paralelo, na de cantora. “Quero muito me desenvolver na área internacional, gosto de sonhar alto e sei que isso é algo que me mantem sempre ativa. Eu quero muito lançar uma música com a minha autoria. Tenho um amigo que é produtor musical e estou amadurecendo algumas ideias. Quem sabe…” Estamos torcendo.

“Gosto de sonhar alto e isso me mantém sempre ativa”, diz Lana Santucci (Foto: Divulgação)