Gordofobia até quando? ‘Devemos pressionar Justiça e sociedade contra casos de injúria e preconceito”, diz Dani Rudz


A nossa convidada da série é criadora de conteúdo, empresária e especialista em mercado Plus Size, atuando pelo empoderamento e inclusão da mulher. Dani traça um panorama deste mercado e da importância da representatividade. E aborda ainda o episódio em que o comediante Leo Lins usou um post da modelo plus size Bia Gremion, com seu namorado, Lorenzo, um homem trans, para fazer piada com as proporções dos corpos, e com isso, chamar a atenção para a venda de ingressos dos seus shows: E Dani comentou: “Não é um caso isolado. Acontece algo desse tipo todos os dias, dentro e fora da internet. Algumas pessoas perceberam que esse tipo de atitude, como do autointitulado humorista, é doloroso, traumático e desumano. Mas eu entendo que tornar isso público é importante para mostrar que tais atitudes não vão mais passar em branco e que vamos, sim, nos posicionar cada vez mais contra esses comportamentos. Isso educa e direciona o público que foi insultado. E defendo medidas legais contra os responsáveis pelos insultos. Sinto muito também que a rede social envolvida ainda não tenha retirado os posts do ar até o momento, diante das inúmeras denúncias. As políticas e diretrizes das comunidades e termos de uso em geral não têm um controle mais rigoroso para publicações desse tipo e as providências são lentas na análise de situações graves como essa. Isso dá prerrogativas para mais casos”

*Por Brunna Condini

Existir e feliz por ser quem se é. Resistir amando seu corpo, imagem e essência. É assim que Dani Rudz, nossa convidada de hoje da série ‘Gordofobia, até quando?’ vem vivendo e inspirando por aí. Dani é criadora de conteúdo, empresária e especialista em mercado Plus Size, atua pelo empoderamento e inclusão da mulher que não se encaixa no padrão que a pressão estética social impõe, principalmente no mundo da moda. Depois de 20 anos na área de saúde, ela criou seu próprio blog, o Rudz, e também é consultora e palestrante, reforçando o time de representatividade da mulher negra e gorda no país.

Dani Rudz, nossa convidada de hoje da série ‘Gordofobia, até quando?’ (Divulgação)

Começamos abordando com Dani, o episódio ocorrido nesta terça-feira envolvendo a modelo plus size Bia Gremion. Afinal, essa é uma série para esclarecer e combater a gordofobia. Bia viu uma foto sua ao lado do namorado Lorenzo, um homem trans, ser postada no perfil do comediante Leo Lins, que usou o post do casal para fazer piada com as proporções dos corpos, e com isso, chamar a atenção para a venda de ingressos dos seus shows. Dani afirma que o aconteceu com Bia, de quem é próxima, não é um caso isolado.

“Acontece algo desse tipo todos os dias, dentro e fora da internet. Algumas pessoas perceberam que esse tipo de atitude, como do autointitulado humorista, na internet atrai likes e aumenta a visibilidade e os relatórios de interações nas mídias sociais”, lamenta Dani. “É doloroso, traumático e desumano. Mas eu entendo que tornar isso público é importante para mostrar que tais atitudes não vão mais passar em branco e que vamos, sim, nos posicionar cada vez mais contra esses comportamentos. Isso educa e direciona o público que foi insultado. E defendo medidas legais contra os responsáveis pelos insultos. Não podemos nos calar e devemos pressionar juristas e a sociedade civil a se posicionarem firmemente quanto a casos de injúria e preconceito, além do uso indevido da imagem alheia. Sinto muito também que a rede social envolvida ainda não tenha retirado os posts do ar até o momento, diante das inúmeras denúncias. As políticas e diretrizes das comunidades e termos de uso em geral não têm um controle mais rigoroso para publicações desse tipo e as providências são lentas na análise de situações graves como essa. Isso dá prerrogativas para mais casos”.

(Reprodução Instagram)

“Estilo não é prêmio para pessoas magras”

Dani também é fundadora e diretora executiva da empresa RDZ Negócios, voltada para consultoria, com foco em diversidade. E fala da realidade do mercado plus size. “Há dez anos tenho observado, estudado e colhido dados sobre este mercado. Muitos especialistas ainda classificam o Plus Size como um segmento dentro do mercado de moda apenas. Mas eu tenho outra visão. Acredito e defendo que já somos um grande mercado estabelecido, de maneira mais ampla, mais aberta e mais complexa, negócios que se movimentam paralelamente e acima do conceito de mercado de moda regular amplamente explorado hoje. Conceituando o mercado Plus Size, eu diria que ele se refere a um mercado de negócios estabelecido, apresentando um conjunto de segmentos diversos trazendo as mais variadas necessidades dentro do ciclo da vida de uma pessoa: de moda, vestuário e calçados, joias, bijuterias, relógios e acessórios, feiras, lojistas e expositores. Segmento de negócios envolvendo consultores, especialistas, estatísticos; de mobilidade e acessibilidade com móveis, transporte, construção civil, e muito mais”, esclarece.

E Dani complementa: “Atuamos ainda na informalidade, em sua maioria, mas estamos nos organizando e crescendo. E reconhecer esse mercado, profissionalizá-lo e ampliá-lo é nosso dever e responsabilidade na busca pela evolução econômica e pela inclusão. Como especialista, defendo nossa organização e impulsionamento. Há 10 ano,s a roupa nos escolhia. Vestíamos o que era fabricado, sem qualquer informação de moda ou diferenciação de estilos. Hoje somos nós que escolhemos a roupa. Ainda falta? Sim. Mas já evoluímos. Hoje já discutimos legislação, acessibilidade na cultura e em transportes coletivos, presença na mídia, gordofobia médica, entre outros assuntos. Não falamos somente sobre roupas. Mas ainda precisamos profissionalizar para crescer mais e fazer essa roda girar”.

“Acredito que já somos um grande mercado estabelecido. Negócios que se movimentam paralelamente e acima do conceito de mercado de moda regular amplamente explorado hoje” (Divulgação)

Você diz que “estilo não pode ser um prêmio só para pessoas magras”. Durante muito tempo se teve desleixo com o que ofereciam como opção para um corpo gordo vestir? “Sim. Por anos, a fabricação de roupas plus size foi praticamente seguindo o conceito que a sociedade fazia sobre o corpo gordo: não merece atenção e precisa ficar escondido. Não haviam cores, valorização de formas e curvas, não havia braço de fora. Era como se a mulher gorda precisasse ser invisibilizada e sentir vergonha de si mesma. O estilo era um prêmio somente para alguns. Há décadas as mulheres gordas são marginalizadas. Em tempos antigos, a beleza com formas de corpos maiores era valorizada, sinalizava inclusive famílias abastadas. Depois, mulheres magérrimas passaram a ser classificadas automaticamente como bonitas e a ode a corpos magros e belezas áureas surgiu com força. Não discuto sobre mulheres magras serem feias ou bonitas. Quero dizer que associar característica de tamanho de corpos com beleza ou falta dela não é o correto. A mulher gorda se viu à margem da sociedade”.

E aina pontua que “aprendeu a viver como conseguiu, consumindo o que estivesse disponível e não o que realmente gostaria de comprar, usar, vestir. Fomos e somos ensinadas a nos odiar desde sempre. Todo esse mecanismo aliado à indústria do consumo encabeçam o movimento ditatorial pelo tal padrão de beleza. Automaticamente as mulheres aceitam essa imposição e se odeiam cada dia mais, em busca de uma beleza que não é real e nem possível fora da vida midiática. Pergunte a uma mulher o que não gosta nela mesma e ouvirá as respostas na ponta da língua. É cultural, estrutural em nossa sociedade e não pode ser assim”.

“Quero dizer que associar característica de tamanho de corpos com beleza ou ‘falta dela não é o correto. A mulher gorda se viu à margem da sociedade” (Divulgação)

Ressignificando a experiência

Biomédica de formação, Dani atuou muitos anos na área de saúde como executiva. “Sempre senti na pele o preconceito no ambiente corporativo. Sendo mulher, negra e gorda fui muito achatada. Nos últimos anos na carreira da saúde, atuei em clínicas de estética e o preconceito foi maior ainda. Sofri muita gordofobia ao longo da carreira. Me lembro de um dia, em que fui ao consultório de uma médica, minha colaboradora, e ao entrar ouvi: “Dani, chegou a sua hora. Aliás está na hora faz tempo. Você é linda de rosto e merece ser feliz. Eu vou te ajudar a emagrecer, como um presente. E sua vida vai mudar.” E com o receituário na mão, sem ao menos eu conseguir responder, a profissional foi fazendo a prescrição de drogas e pedindo exames”, relembra.

“Me senti tão mal, que não consegui falar nada diante daquela agressão. Nem tratar o assunto que havia me levado ao consultório. Saí e fui para o banheiro chorar. A gordofobia já me paralisou muito na vida. Durante a infância, adolescência, vida adulta. Assim como o preconceito pela minha cor. Eu ficava muda, sem acreditar no que ouvia. Me perguntava repetidas vezes: “será mesmo que foi o que eu entendi?” A agressão é tão grande, que chegamos a questionar se realmente não estamos enganados. A vítima se questionar sobre o erro do agressor. Isso é muito dolorido. É muito estrutural. Mas hoje vejo qualquer situação como essa, como uma grande oportunidade para levar diálogo e informação de qualidade sobre preconceito, seja ele pelo meu corpo gordo ou pela minha cor. Eu vejo que posso contribuir na educação dessas pessoas. E meu coloco no lugar que mereço, que é o de ser respeitada”

 

“A agressão é tão grande, que chegamos a questionar se realmente não estamos enganados. A vítima se questionar sobre o erro do agressor. Isso é muito dolorido. É muito estrutural” (Divulgação)

Quando percebeu que inspirava as pessoas e as influenciava positivamente? “Desde que iniciei minha atuação no mercado de trabalho, eu recebo o feedback de que sou inspiradora. Mas, durante muitos ano,s não acreditei nisso. O preconceito e o achatamento promovidos pela sociedade a uma mulher, gorda e negra me fizeram acreditar que eu era menos, que merecia menos e que não poderia ser referência para ninguém enquanto não ‘crescesse’. Passei anos perseguindo esse ‘crescimento’ na expectativa de chegar lá. Foquei nos estudos. E um dia percebi, com a ajuda de amigos queridos e de terapia, que eu já estava onde queria chegar. E foi nesse período também, que entendi que eu não esperaria mais emagrecer para ser feliz. Passei anos da minha vida me escondendo”, revela.

E ainda acrescenta? “Eu não fui ao encontro de amigos do colégio, porque estava gorda. Não fui ao encontro de amigos da faculdade pelo mesmo motivo. Não me casei com o vestido que eu realmente queria por estar gorda. Eu me escondia das mães dos amiguinhos do meu filho na porta da escola para ele não passar vergonha. Deixei de comprar roupas, e usava o mesmo modelo, de cores diferentes todos os dias, para que quando emagrecesse, pudesse comprar então o que gosto de vestir. Foram anos passando pela vida, e não vivendo. Até eu entender que ninguém tem o direito de me fazer sentir menos. Decidi ser feliz no agora. E os motivos que me levam a ser gorda, a estar gorda só dizem respeito a mim. E as consequências também. Não é de domínio público”, divide.

“Foi aí que decidi mudar de carreira, e passei a me dedicar a influenciar outras mulheres a sentir a libertação que senti quando decidi me amar. E acredite, isso não é apologia à gordura. É apenas decidir parar de se julgar todos os dias e a todo momento. E o feedback nas minhas redes foi tão positivo que não parei mais desde então. Já são cinco anos atuando como criadora de conteúdo, contribuindo com as mulheres na libertação das amarras impostas pela sociedade em relação ao corpo”.

“O preconceito e o achatamento promovidos pela sociedade a uma mulher, gorda e negra me fizeram acreditar que eu era menos” (Divulgação)

O que o mundo precisa saber. E que mais dói na exclusão aos corpos gordos? “O mundo precisa saber que nem todo corpo gordo é doente. O gordo não é preguiçoso, sem vontade ou fica o dia todo no sofá comendo comida não saudável. O mundo precisa saber que cientificamente falando, as causas da obesidade são fatores genéticos (70%) e ambientais diversos. Não existe essa história de ‘cabeça de gordo’, não existe ser gordo por culpa da pessoa que come muito. Digo isso pela minha formação como biomédica e indico que assistam vídeos e leiam artigos do doutor Bruno Halpern, uma das maiores autoridades brasileiras no assunto”.

 Um mundo mais diverso, é um mundo: “Em que respeitamos o diferente e mostramos isso na prática.”