Garoto-propaganda do “carioca way of life”, William Vorhees se prepara para a sua Festa de Iemanjá e fala sobre a situação das praias do Rio


Ele já foi escolhido por Kanye West e Kim Kardashian como guia turístico oficial da Cidade Maravilhosa e conhece todo mundo que vive nas areias entre o Leme e o Pontal

*Por Júnior de Paula

Personagem dos mais queridos no Rio de Janeiro, William Vorhees sempre diz que é muito fácil ser feliz na cidade. Mas é só começar a conversar com ele para perceber que, na verdade, William seria feliz em qualquer lugar. Sua história começa há mais de 50 anos e daria um filme dos bons. Ex-interno da Funabem, virou atleta, passou pela Marinha, pelos palcos do Tablado e ao longo do tempo foi moldando seu carisma e sua turma. Hoje, circula pelo Arpoador dia sim outro também, onde é chamado de síndico ao lado de gente que vai desde o morador do alto da favela até Kanye West e Kim Kardashian, que escolheram William para apresentar o Rio de verdade.

William com o xará Will Smith no Morro do Vidigal (Foto: Acervo pessoal)

William com o xará Will Smith no Morro do Vidigal (Foto: Acervo pessoal)

Profundo conhecedor da cidade e principalmente da cultura de praia, nosso personagem vive sendo consultado e contratado para dar expediente quando o assunto gira em torno do carioca way of life. Foi em uma dessas, aliás, que ele foi convidado para criar outros personagens e co-assinar como roteirista a série “Preamar” (2013), dirigida por Estevão Ciavatta e contando a história da indústria dos barraqueiros que vivem pelas areias da Zona Sul. No meio disso tudo, ele ainda criou, ao lado do artista plástico Ernesto Neto, a emblemática festa de Réveillon “Virada do Elefante”. Agora, William Vorhees se prepara para colocar de pé a Festa de Iemanjá, no próximo dia 2, ao lado de nomes que incluem até Adriana Varejão, artista plástica e amiga pessoal do cara, responsável pela arte da camiseta que está à venda na praia e tem como objetivo arrecadar fundos para a festa.

É por essas e por tantas outras que não poderíamos ter escolhido outra pessoa para analisar o verão quente – em todos os sentidos – pelo qual o Rio de Janeiro está passando em 2015, com temperaturas nas alturas, arrastões e praias cheias até altas horas da madrugada. Vem com a gente:

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HT: O que o Arpoador representa para você e para o Rio?

WV: Para mim, a liberdade de um novo horizonte. Você encara um trânsito, um calor ou um aeroporto e ruma para o Arpoador na chegada: um mergulho e parece que saiu tudo da sua pele e da sua alma. Para o Rio, acho que como tudo o que é gostoso na cidade,  é também cíclico. O Arpoador é a nova menina dos olhos desse processo e a minha turma de praia tem muita responsabilidade nisso. Quando estávamos no Posto 9 era assim também. Fomos para o Coqueirão e aconteceu a mesma coisa. Agora, estamos cravados no Arpoador e muito felizes, diga-se de passagem.

HT: Outro dia você disse em entrevista a O Globo que muita gente explora a imagem do Arpoador e não dá nada em troca. Como seria uma troca honesta? Que ações você sugeriria?

WV: Naquele momento, me desabafei quebrando as regras de convivência mais ou menos pré-estabelecidas na Zona Sul. Muita coisa da moda se dá pelo nosso comportamento e pelo nosso dialeto. Por exemplo, nenhum forasteiro sabe o que é Arpex. De um tempo para cá, quase não falamos mais Arpoador, agora é papo de “Tibum no Arpex mais tarde?” para marcar um mergulho no Arpoador. O cara fica ali escutando e na semana seguinte lança uma camisa ‘Arpex’, ganha milhões de reais com a nossa cultura e não semeia nada. Não precisa fazer algo muito grande, é só investir em consertar a rampa de acesso à areia; melhorar aquela praça histórica para a música popular brasileira, ali onde esteve o Circo Voador, nosso saudoso Cazuza com Barão Vermelho e outros mais; contribuir com a galera da academia ao ar livre com o básico, já que são sempre as mesmas pessoas que pintam e conservam os equipamentos por conta própria etc. O parque tem um visual lindo lá no topo, mas a conservação peca demais. Coisas que não vão pesar em nenhum orçamento de empresa bem sucedida e terão um retorno de marketing incalculável. Uma boa saída também seria que a cada autorização de foto ou filmagem feitas ali, viesse no acordo uma cláusula para que os cineastas, publicitários e fotógrafos deixassem algum tipo de melhora do espaço quando terminasse o trabalho.

HT: Como profundo conhecedor da praia e dos movimentos que a envolvem, como tem visto o verão da volta dos arrastões? Concorda que a solução tem que ser social e não com aumento de efetivo policial? Que sugestões daria?

WV: O arrastão é a coisa mais contraditória que vivencio. A maioria dos barraqueiros de Ipanema são de favelas da Zona Sul, de Caxias e por aí vai. E os arrastões são os vizinhos atrapalhando o ganha-pão do outro. No meu tempo de Favela, tinha um ditado que dizia “Lealdade e disciplina”.  A melhor sala de estar do mundo passando por isso? Concordo plenamente que o excessivo números de policiais nas praias não irá resolver e acaba fragilizando a segurança de outros locais da cidade. Meu medo é que nessa guerra comece a acontecer óbitos, já que parece estar no limite.  A solução por parte das autoridades é, em tempos de internet, lançar uma campanha. Eu, como vários cidadãos cariocas que vão à praia o ano inteiro, acho que não podemos recuar. Temos que nos fazer presentes nas praças, na rua e nas praias. A praia é o nosso maior e melhor bem social, esportivo, de saúde e financeiro. A rede hoteleira tem que se mexer também e reunir pessoas públicas que realmente entendem e amem a praia. Praia é um assunto sério, do Leme ao Pontal, e para falar disso tem que ter base, tem que ter sunga e biquíni, senão acaba falando a maior besteira que já ouvi no estilo da dona colunista que essa semana resolveu fazer o Brasil voltar 500 anos atrás e promover o  “Apartheid praiano”.

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HT: Como surgiu a ideia de fazer a festa de Iemanjá no Rio, que é tão tradicional em Salvador? Alguma semelhança com a de lá?

WV: Nenhuma semelhança com a de lá. Tudo surgiu em um papo praiano entre mim e o maestro João Nabuco, que é filho de Iemanjá há quase uma década. Nesse papo, chegamos à conclusão de que já era hora de agradecer pela praia do ano inteiro, pelas amizades que fizemos ali, pelos casamentos que surgiram, pelos movimentos musicais que aparecem e por aí vai. Em nenhum lugar do mundo eu teria uma amizade sólida com um maestro, a não ser pela proximidade da praia, né? Dai fomos ao CADEG e compramos as flores. Assim rolou a primeira festa, e, até hoje, o acúmulo de energia é único. Salve Iemanjá!

HT: Como foi o contato com a Adriana Varejão? Que outros nomes estão envolvidos?

WV: Adriana Varejão é uma amiga de longa data e faz parte daquele universo praiano que falei anteriormente. Adriana fazia uma festa junina na casa dela e era toda sobre terra batida. Brinco que conheço ela desde os tempo de pé cheio de barro e poeira. Tenho a foto da nossa última praia no ano de 1999. Ela, Vik Muniz, Ernesto Neto e muitos outros. O Vik é outro querido que sempre colabora com as nossas ações direta ou indiretamente.

HT: O que você tem a agradecer a Yemanjá e o que tem a pedir em 2015?

WV: A agradecer é, sem dúvidas, a minha saúde mental e a saúde da minha terapeuta (risos), além da minha astróloga Ivy Thietbohl. Claro, do meu filho e da minha mulher também. Sinceramente, em 2015 eu peço com todas as minhas forças que as nossas praias voltem a ser a nossa casa, que 2015 seja cheio de homens e mulheres lindos em trajes sumários, com cervejas, abraços, um calor de 40 graus e nenhuma briga. Felicidade não é nada mais que isso não, cumpadi!

HT: E quais são seus próximos projetos?

WV: Meus próximos projetos são voltados para crianças. Criança tem que ter a alegria de festas por perto para contar no futuro. Ano passado, eu e um amigo (Tuca) resolvemos fazer o primeiro Festival do Picolé no Arpoador. Foi muito legal e eu estou muito empolgado e empenhado no meu blog, Soul do Rio de Janeiro, que desvenda os mitos e dá dicas de como não chegar ao Rio pagando mico. Lá, há também o dicionário oficial de carioquês para o mundo entender o nosso dialeto. A diferença para os demais blogs está na autenticidade das informações. Todos sabem onde é Madureira, mas não conhecem Cascadura e a maneira mais rápida e segura de chegar até lá.

 

Flyer da Festa de Yemanjá (Foto: Divulgação)

Flyer da Festa de Yemanjá (Foto: Divulgação)

* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura