Famosos cedem suas redes para ampliar vozes e usam seus canais disseminando a luta antirracista


Ampliando o movimento Vidas Negras Importam, artistas como Paulo Gustavo, Tatá Werneck e Monica Iozzi, emprestam seus perfis para ampliar discursos de nomes como Djamila Ribeiro, Linn da Quebrada e Spartakus. À convite do site, Nando Cunha e Babu Santana falam do racismo estrutural e das mudanças que podem ser feitas com continuidade. “Acredito que quem nunca viveu e nunca viverá uma situação de racismo, deve reconhecer esse privilégio, ou seja, perceber que não será mal olhado ou julgado pela cor da sua pele. O caminho nunca será mais fácil. E com isso há muitas dores que passamos, como entrar em uma loja e ser seguido por um segurança, como as mulheres pretas que vão procurar maquiagens e muitas vezes são olhadas com desprezo ou não encontram um produto que seja para seu tom de pele. Um menino ser asfixiado ou chamado de ladrão só porque é preto, entre outras diversas faces horríveis e pejorativas do racismo. É importante que aqueles que nunca sofrerão racismo sejam capazes de apoiar as pessoas pretas, ajudá-las no mercado de trabalho. Ter atitude que inclua!”, convoca Babu

*Por Brunna Condini

Um movimento antirracista e contra a violência policial se intensificou nos Estados Unidos desde a morte de George Floyd. O assassinato do norte-americano também reverberou no Brasil, e somado à morte do menino João Pedro Motta, de 14 anos, após ser baleado no complexo de favelas do Salgueiro, em São Gonçalo, suscitou uma onda de protestos e questionamentos acerca da questão racial que encoraja ações como as que tiveram como desfecho as mortes dos dois. A luta antirracista está em evidência no momento, mas tem reivindicações históricas e se mobiliza em nosso país há séculos como instrumento de resistência.

Por aqui, anônimos e famosos, foram para suas redes sociais destacar a necessidade da mobilização de toda a sociedade. E muitas personalidades foram além da indignação e das notas de repúdio, usando suas redes para posicionamento, e além de aderir à versão brasileira do movimento Black Lives Matter, o Vidas Negras Importam, cederam seus espaços para o debate, com a ocupação de suas redes por escritores e ativistas negros, tendo como objetivo a conscientização da população que pode ampliar ainda mais esse conteúdo.

Paulo Gustavo, por exemplo, cedeu seu perfil no Instagram, com 13 milhões de seguidores, durante o mês de junho, para a filosofa e escritora Djamila Ribeiro. Ela vem realizando esclarecimentos, indicando material sobre o tema, e fomentando discussões sobre questões raciais.“A mudança da sociedade não se faz apenas com denúncias ou repúdio moral do racismo. Ou seja, independe se a pessoa é legal, simpática ou gentil com pessoas negras. Depende, antes de tudo, da tomada de posturas e da adoção de práticas antirracistas. Todos nós estamos aqui vivenciando isso na prática, quando o querido Paulo Gustavo cede seu espaço priorizando a luta antirracista acima de qualquer outro indicador da presença digital. Não basta não ser racista. É preciso ser antirracista, já nos ensinou Angela Davis”, postou a escritora, e propôs a reflexão: “Quais ações vocês estão tomando ou pretendem fazer em prol da luta antirracista?”

Djamila Ribeiro ocupa o Instagram de Paulo Gustavo: “A mudança da sociedade não se faz apenas com denúncias ou repúdio moral do racismo, mas com atitudes” (Divulgação)

A ideia é aprofundar o tema, a partir do lugar de fala, ou seja, alguém que vive na pele a situação da qual se posiciona. “Ontem, inauguramos nossos vídeos com uma introdução sobre racismo estrutural. No momento em que escrevo esse texto, o vídeo está com 282 mil visualizações. Agora, deve estar com ainda mais. Isso é muito importante, enche meu coração de alegria, pois é um vídeo sobre racismo estrutural, algo que, infelizmente, ainda não é debatido com o tempo que merece, uma vez que está impregnado nas relações raciais brasileiras. Uma ampliação de letramento racial é fundamental para entendermos o presente. Entender como as desigualdades que estão presentes à nossa volta vem de processos históricos, não começaram hoje, ou ainda como os processos decorrentes de mais de 300 anos de escravidão legal do Brasil Colônia e as ferramentas, também legais, de manutenção dessa gigantesca população em vulnerabilidade social funcionam até hoje”, postou Djamila, que cita trechos do seu terceiro livro “Pequeno Manual Antirracista”.

Ampliando vozes

Outros seguiram a iniciativa de Paulo Gustavo e também emprestaram seus espaços e visibilidade para ampliar vozes no movimento antirracista. Astrid Fontenelle cedeu seu Instagram a partir desta segunda-feira, para a bailarina e ativista Ingrid Silva; a atriz Ingrid Guimarães abriu o seu para o youtuber e apresentador Spartakus Santiago, que vai realizar lives todas as quintas de junho com o intuito de combater o racismo com informação. Já Monica Iozzi chamou o apresentador AD Júnior convidando seus seguidores ao conhecimento e a reflexão; Bruno Gagliasso terá seu perfil comandando nos próximos dias por Luana Genot, ativista e fundadora do Instituto Identidades Brasileiras; e Tatá Werneck colocou seus mais de 40 milhões de seguidores à disposição para ampliar a voz de Linn da Quebrada. “Nesse momento de mobilização é fundamental que possamos dar passos adiante. Estou seguindo muitas pessoas novas e vendo que preciso aprender muito principalmente em relação a por em prática atitudes antirracistas. Temos sim uma dívida histórica! Uma desigualdade profunda e uma sociedade moldada pelo racismo estrutural. Quero aprender e aprender como posso colocar em prática. Porque aprender é lindo, mas se não tivermos mudanças conscientes e consistentes não haverá resultado eficaz”, publicou Tatá.

Linn da Quebrada vai usar o espaço de Tatá Werneck. “Quero aprender e aprender como posso colocar em prática. Porque aprender é lindo, mas se não tivermos mudanças conscientes e consistentes não haverá resultado eficaz”, diz Tatá (Divulgação)

A iniciativa expõe a necessidade de trazer novos olhares e aprendizados, evidenciando que não há mais espaço para não procurar saber, quando a transformação é urgente. Babu Santana, recém-saído do Big Brother Brasil 20, trouxe por diversas vezes dentro do reality, a questão racial para as rodas de discussão, expondo o Brasil como um país racista. O ator falou com o site sobre a repercussão dos últimos acontecimentos, e também sobre o racismo diário.

Babu Santana: “O público precisa conhecer mais os talentos e a sabedoria de quem sofre ou enfrenta dificuldades inimagináveis apenas pela cor da pele” (Foto: Christoffer Pixinine)

A luta antirracista está em evidência, acha que pode ser um caminho real de mudança? “Na verdade, a luta antirracista vem se fortalecendo há muitos anos. A diferença é que nos últimos dias o racismo foi filmado e tivemos que ir às ruas porque a gente não aguenta mais essa atrocidade que acontece há vários e vários anos”, desabafa Babu. “Estamos caminhando a passos lentos porque o racismo estrutural nos atrapalha, mas cada conquista que tivemos nos últimos anos conta. Ver um preto como presidente da maior potência do mundo (Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos), ver artistas pretos ocupando espaços. Falta muito para chegarmos lá, mas estamos no caminho, sempre lutamos pelos nossos direitos e vamos continuar lutando, buscando políticas igualitárias, representatividade e ensinando às pessoas o mal que o racismo causa”.

Ele saiu do programa contratado pela TV Globo, com projetos com sua banda, Babu Santana e Os Cabeças de Água Viva, e com canal próprio no YouTube, espaço que pretende usar também para dar visibilidade ao tema e à luta antirracista: “Tenho conversado com muitos pretos e pretas. Quero ouvir esse povo, porque eles sou eu. Eles têm muito a ensinar e me representam. O público precisa conhecer mais os talentos e a sabedoria de quem sofre ou enfrenta dificuldades inimagináveis apenas pela cor da pele”.

Como definiria essa dor? “Acredito que quem nunca viveu e nunca viverá uma situação de racismo, deve reconhecer esse privilégio, ou seja, perceber que não será mal olhado ou julgado pela cor da sua pele. O caminho nunca será mais fácil. E com isso há muitas dores que passamos, como entrar em uma loja e ser seguido por um segurança, como as mulheres pretas que vão procurar maquiagens e muitas vezes são olhadas com desprezo ou não encontram um produto que seja para seu tom de pele. Um menino ser asfixiado ou chamado de ladrão só porque é preto, entre outras diversas faces horríveis e pejorativas do racismo. É importante que aqueles que nunca sofrerão racismo sejam capazes de apoiar as pessoas pretas, ajudá-las no mercado de trabalho. Ter atitude que inclua!”.

Nando Cunha: “Nos reconhecemos na dor do outro irmão. No caso do George Floyd, poderia ser um irmão meu. No caso do Miguel, poderia ser meu filho. No caso do João Pedro poderia ser meu sobrinho” (Reprodução)

A luta e o debate antirracista no Brasil tem sido pauta das lives que Nando Cunha tem realizado no seu Instagram. O ator já recebeu Babu Santana, Luana Genot, Tia Má (a jornalista e escritora Maira Azevedo), entre outros. “Infelizmente a sociedade sempre foi racista, e agora acaba vociferando seu ódio com mais vontade contra os negros. Hoje, graças a Deus e à luta de muitos ancestrais, estamos expandindo nossas vozes, expondo nossas dores e reivindicando nossos direitos de “respirar” como todos têm, nada além do que isso”, avalia Nando.

Por que acha que muita gente ainda nega o racismo e a violência que vem dele?Tem a estrutura racista que fizeram desde a abolição, quando nos jogaram na rua, por um decreto que não nos dava garantias de nada, tem o mito da “democracia racial”, fizeram muita gente acreditar numa fantasiosa mistura de raças, e por isso até hoje muita gente acha que não existe racismo no Brasil. As pessoas até entram na luta antirracista, mas não têm a menor dimensão da dor que sentimos todos os dias quando vamos para a rua . Empatia é quando você se coloca no lugar do outro, mas será que você branco, com seus privilégios, vai querer se colocar no lugar dos negros? ”. E acrescenta sobre os acontecimentos dos últimos dias: “Nos reconhecemos na dor do outro irmão. No caso do George Floyd, poderia ser um irmão meu. No caso do Miguel, poderia ser meu filho. No caso do João Pedro poderia ser meu sobrinho. A gente se vê em todos esses casos. E deveria tocar todos da mesma forma”.

Como os brancos podem se engajar na luta antirracista?Acho que a luta contra o racismo deve ser de toda uma sociedade. Só teremos um país igual quando nos redescobrirmos como país, como nação de vários povos, e só assim avançarmos como potência definitiva”, analisa. Estudem a história africana, leiam sobre a nossa literatura negra, conheçam nossa história, que influenciou nossa música, nossa culinária, nossa religião, nossa cultura . A África já foi o berço da civilização. Fomos sequestrados de nossa terra. E se a branquitude quiser ajudar, é só olhar para o lado e ver se tem algum negro trabalhando junto ou se tem algum com cargo de chefia, e se não tiver, se questionar, porque afinal somos 53% da população, a conta não bate. Precisamos olhar para dentro como país e lutar contra as desigualdades”