Em papo exclusivo com o HT, Rick Estrin solta na lata: “Nos EUA, você só é artista se for estrela pop, senão é vagabundo!”


No país por conta do Rio das Ostras Jazz & Blues Festival, o líder dos Nightcats se diz encantado com a espontaneidade dos brasileiros em relação à música

*Por Bruno Muratori

Quando você pensar que já viveu de tudo nessa vida e que nada mais há para fazer, é tempo de rever seus conceitos. Afinal, sempre podem acontecer surpresas como, por exemplo, esbarrar em um festival de música com a impagável figura de Rick Estrin à sua frente. Na dianteira da banda que leva seu nome, Rick Estrin & The Nightcats, trata-se de figuraça daquelas que não se imagina nunca encontrar por aí. A começar pelo visual com jeito de personagem cômico e engomadinho de filme retrô, tipo Zé Bonitinho. O grupo, na estrada desde 1976, é reconhecidíssimo na cena jazzística, mesmo tendo trocado de nome após a aposentadoria em 2008 do guitarrista Charles Baty, fundador do grupo junto com Rick e que foi prontamente substituído por Chris (Kid) Andersen. Nesse momento de renovação, até seu nome mudou, pois até então os rapazes se chamavam Little Charles & The Nightcats e a saída naturalmente deu uma sacudida neles, que mandaram bola adiante sem perder a majestade. Nada que prejudicasse a excelência alcançada após quase 40 anos de estrada.

Atualmente formada por Rick nos vocais, Kid na guitarra, mais Lorenzo Farrel no baixo e J. Hansen na bateria, a banda contagiou a plateia nesse final de semana em suas duas apresentações bombásticas nessa 12ª edição do Rio das Ostras Jazz & Blues Festival, na Região dos Lagos Fluminense. Quem viu Rick Estrin no palco, com seu bigodinho fino, cabelo em topete e terno prateado, todo poderoso, não vai se esquecer jamais! Vaidoso como um pavão, ninguém poderia imaginar que aquele “tiozinho”, andando de chinelos na boa pela Cidade do Jazz, se tornasse aquele tiozão camaleão, mimetizando-se no palco em um monstro sagrado e causando total frenesi. Com sua gaita, mantém a essência do blues e poderia ser também conhecido com garganta profunda, pois, um grande momento do show se dá quando Rick quase coloca todo o instrumento dentro da boca e manda ver, continuando tocando. Brutal de legal! Com seu jeito bem humorado, brinca e segue cantando no palco e, em outras vezes parece um boxeador: golpeia de punho cerrado, acertando em cheio!

Seu trabalho sobre as palhetas é profundo e vai na tradição de mestres tipo Sonny Boy Williamson II, do Mississipi, e Little Walter Jacobs, comparado a Charlie Parker e Jimmi Hendrix. Estrin, nascido em São Francisco em 1949, empurra essa tradição adiante com suas canções originais e inesquecíveis. Após o show no terceiro dia de evento, na Lagoa de Iriry, o destino deu uma forcinha e os músicos acabaram vindo de mão beijada até o mesmo hotel em que HT está hospedado, dentro do mesmo transporte. Um pulo para um rápido pingue-pongue, obviamente. De cara, a primeira coisa que se nota é um Rick ligado na rede social, todo compenetrado e acabamos deixando o senhorzinho navegando tranquilo por mais algum tempo. Mesmo cansado, gentilmente para para conversar com HT e naquele papo de sinuca do hotel junta à prosa Flavio Guimaraes, baixista do Blues Etilicos. Bacana, pois os caras foram os primeiros do cenário brazuca a formar um público fiel nesse segmento e, graças a isso, participou de todos os festivais ligados a esse gênero musical, dividindo o palco com os principais nomes do blues internacional, tipo B. B. King, Robert Cray e Buddy Guy. E, como Rick demonstra curtir essa informalidade carioca (e fluminense!), o ringue está armado para uma rinha vocal. Rick, com seu terninho branco, chega e vai logo sentando entre os nossos pretinhos básicos e desfia seu rosário gracinha: “Achei a organização maravilhosa, na sexta-feira (8/8), estava de bobeira e fui ouvir os shows, tive a oportunidade de passear entre a galera e depois dar uma circulada na área vip. Fui super bem recebido com comidas e bebidas ouvindo a melhor música possível. Adorei todos os shows que vi, tenho a melhor impressão possível. Grande música, grandes pessoas, incrível!”

Este slideshow necessita de JavaScript.

Ele ainda comenta estar estupefato com o fato de seus dois shows (um no sábado à noite, outro no domingo à tarde) terem sido tão aclamado com direito a bis: “Estamos falando de um festival popular, gratuito e atingindo pessoas de várias classes sociais, até mesmo uma boa massa de gente que não conhece o jazz e o blues no íntimo, uma turma que majoritariamente não é do meio. Tem ideia de como é ser tão bem recebido assim e  chegado fundo no coração do público?”, ele indaga, completando que isso está ficando cada vez mais raro no mundo. “Nos EUA não existe mais este tipo de festival com entrada gratuita. Lá fora é assim agora. Uma pena e eu torço para que aconteçam mais eventos como esse pelo mundo, com esse tipo de filosofia. Tenho falado muito com os artistas sobre inspiração. O Rio das Ostras Jazz & Blues inspira pessoas, pessoas simples que ouvem esse som e acabam por ele inspiradas”, enfatiza, completando que esse cenário é tão positivo que até bandas surgiram por conta desse festival.

Diante disso, HT pergunta como ele enxerga – e sente! – o fato de muitos jovens se sentirem impactados pelo trabalho da sua banda no palco. “O que significa ser um fator inspirador nesse caso?” Bom, para ele, no Brasil a música é algo valioso e as pessoas apreciam realmente a música. “No mundo e principalmente nos EUA essa valorização está se perdendo. Se você não é uma estrela pop, você não é nada, pensam logo o músico é uma espécie de vagabundo, um cara que tá de boa na vida não tem mais essa valorização nata”, alega Rick. “A espontaneidade da boa música evaporou. Acredito que, em um país tão musical como o Brasil, essa naturalidade ainda exista, apesar da espetacularização do meio no mundo inteiro.

De lambuja, HT ainda tasca na lata: “Estamos no Rio de Janeiro e como é isso, estar num lugar de grandes influência no mundo musical através do samba, da bossa nova e talentos eternos como Tom Jobim e Vinicius de Moraes? O que isso tem a dizer?” Ele nem titubeia: “É muito bom. Eu amo o Rio de Janeiro, e uma cidade linda dessas só podia ter grandes músicos”. Observando tudo até então, Flavio Guimarães lembra Rick que é hora de subir, no dia seguinte eles vão dar um rolezinho pelo Rio e, quem sabe tirar onda em Ipanema. Deixa para terminar a entrevista. “Então, um recado do band leader para os fãs: “Obrigado (em português)! Desejo tudo de bom a essas lindas pessoas, lindo país, gente com visão. A recepção que tive no Brasil fez valer todos os anos de dedicação, música, os quilômetros que tive de viajar em vans, aviões e carros estrada afora para levar a música a tantos diferentes lugares. Obrigado, obrigado, obrigado”. De tão envolvente, a entrevista acaba com o repórter fazendo aquilo que não se deve fazer numa hora dessas: tietando porque, como apreciador do jazz, algo muda dentro de nós depois de ouvir esse mago do blues. Semente plantada.

*Carioca da gema e produtor de eventos, Bruno Muratori é uma espécie de fênix pronta a se reinventar dia após dia. No meio da década passada, cansou da vida de ator e migrou para a Europa, onde foi estudar jornalismo. Tendo a França como ponto de partida, acabou parando na terra do fado, onde se deslumbrou com a incrível luz de Lisboa e com o paladar dos famosos pasteis de Belém, um vício. Agora, de volta ao Rio, faz a exata ponte entre o pastel de Belém e a manjubinha