Doenças crônicas e dificuldades financeiras: o drama de Fábio de Mello, um dos maiores coreógrafos da Imperatriz


Ele revolucionou a estética das comissões de frente quando esteve na liderança da escola de samba. É um dos maiores vencedores do Prêmio Estandarte de Ouro do Carnaval do Rio e participante de cinco dos nove títulos da atual campeã do carnaval, Imperatriz Leopoldinense. Fábio de Mello é portador da Síndrome de Guillan-Barré, uma doença autoimune. O artista enfrenta grandes dificuldades financeiras. Sua afilhada chegou a fazer uma campanha nas redes sociais e acredita que que ele não tenha sido procurado por nenhuma agremiação na qual trabalhou em razão de o ex-coreógrafo haver sido assaltado em sua própria casa, e os ladrões levarem o celular. Fábio também conta com a colaboração de sua cuidadora, Maria Aparecida. Escalada para fazer apenas dois atendimentos semanais pelos quais é paga, a profissional de saúde comparece, por mais dias à casa do bailarino, ajudando-o voluntariamente.

*por Vítor Antunes

No ano que a Imperatriz Leopoldinense celebra mais o título de Campeã dos Desfiles do Rio, o nono de sua História, um nome importante não pode ser esquecido: Fábio de Mello. O coreógrafo, que revolucionou a estética das comissões de frente quando esteve na liderança da escola de samba, hoje enfrenta graves problemas decorrentes da Síndrome de Guillan-Barré,  um processo inflamatório que ataca os nervos do corpo, podendo gerar perdas de sensibilidade e, também, de força muscular. Em sua forma mais grave, a doença pode causar paralisia com risco de morte. Vivendo de colaborações, em uma casa humilde, em uma área rural de Nova Friburgo, após haver sofrido um golpe que lhe fez perder as posses, Fábio depende de auxílio. O coreógrafo, que foi campeão com a escola de Ramos em seu último triunfo, em 2001, e  colaborador nas vitórias de 1994, 1995, 1999 e 2000, luta para conduzir com a mesma maestria que emprestava à principal ala coreografada de uma escola de samba, o direcionamento do enredo da própria vida. Camila Faria, que é sua afilhada e prima, liderou uma campanha nas redes sociais objetivando prover auxílio ao seu familiar. Outro braço forte é a cuidadora, Maria Aparecida, que já tirou dinheiro do próprio bolso para auxiliá-lo.

Mais importante coreógrafo da História da Imperatriz Leopoldinense passa por dificuldades financeiras (Foto: Reprodução)

TEATRO DAS COISAS NATURAIS DO BRASIL

Em 1999, a Imperatriz trouxe como enredo “Brasil mostra a sua cara em… Theatrum Rerum Naturalium Brasiliae”. O tema remetia ao século XVII, quando pintores holandeses fizeram uma missão ao Brasil durante o governo de Maurício de Nassau, em Pernambuco, a fim de retratar a natureza do país tropical. Baseado no livro homônimo, o nome incomum e em latim, quando traduzido para o português, quer dizer “O teatro das coisas naturais do Brasil“. Em uma realidade comum a muitos brasileiros que não possuem plano de saúde e farta assistência médica, o tempo não poupou o coreógrafo Fábio de Mello. Distante do carnaval pelo menos desde 2015, quando assinou pela última vez a coreografia de apresentação da Imperatriz, o profissional passou a viver de forma mais intensa com a Síndrome de Guillan-Barré.

Segundo sua afilhada, Mello convive com a Guillan-Barré desde 2017, ao menos. “Em 2018, eu o visitei e ele já estava num estado bem delicado. E foi piorando conforme foi passando o tempo, mas, agora, de um ano para cá, ele teve uma piora extrema. A mente dele é lucida, o problema é que o corpo está muito debilitado. O lado esquerdo, paralisado”, disse.

Carnaval de 1999: Comissão de Frente da Imperatriz no primeiro dos seus três títulos consecutivos (Foto: Widger Frota/Wikimedia)

Segundo Camila Faria, Fábio “mudou-se de Copacabana para a Região Serrana há pouco tempo, especialmente após haver tomado um golpe de uma pessoa próxima. Perdeu todas as suas finanças, e se não fosse a família e amigos, ele estaria desamparado. Também de forma recente, conseguiu uma casa, humilde, para morar em Nova Friburgo”. Ainda segundo a jovem, o artista “não tem máquina de lavar e nem celular, por exemplo. Para tudo ele depende de ajuda. A roupa é lavada na casa da cuidadora. Nós conseguimos falar com ele através dela, já que Fábio não possui mais o aparelho. E a profissional de saúde não pode estar diariamente com ele”.

Em face dos problemas financeiros que o arrebataram, Fábio vive das doações dos irmãos, que o ajudam tanto com medicações, como com os custos da cuidadora, Maria Aparecida, e das contas indispensáveis, como água, luz e medicamentos. Ainda assim, segundo conta-nos Aparecida, as coisas são difíceis. “O aluguel está atrasado há pelo menos três meses, bem como as contas de água e luz”. A profissional de saúde acredita que o drama do artista seja desconhecido pelas escolas nas quais trabalhou – Viradouro, Beija-Flor, Mocidade e Imperatriz Leopoldinense – já que, há poucos dias, o artista foi assaltado e agredido em sua própria casa, ficando sem comunicação. Os ladrões levaram o celular, a carteira com documentos, e ainda o feriram. Através da cuidadora, ele soube do título da agremiação leopoldinense. No dia 28 de fevereiro, a própria cuidadora junto a seu marido, instalaram uma fechadura na casa, que estava devassada. Fala-nos ela que nada é mais urgente que a troca do colchão, onde Fábio dorme: “Está insalubre”.

No Natal, o próprio artista encabeçou uma vaquinha junto aos parentes a fim de conseguir ter uma ceia. Naquela época, ele ainda possuía telefone celular. Dia 26 de fevereiro, foi seu aniversário e ele recebeu um bolo de presente dos familiares. Em razão da data comemorativa, Camila fez um post em suas redes sociais destacando os problemas dos quais Mello vivencia. A afilhada do artista mora no Rio de Janeiro. Segundo ela nos disse, a residência do bailarino é distante do centro de Friburgo.

Em virtude das dificuldades econômicas, outras cuidadoras não se fixaram na assistência ao coreógrafo. Cida chegou à casa recentemente. “Comecei a cuidar do Fabinho em janeiro. Ele estava com ferimentos e problemas de higiene”, disse ela, que o atende, oficialmente, duas vezes por semana, já que não há recursos junto à família do artista que permitam-na estar mais vezes em sua casa. Nas outras datas, a técnica de enfermagem dá assistência a ele de forma voluntária, tirando dinheiro do próprio bolso. Ambos residem em bairros que distam em cerca de 10km. Ela revela que, em razão de não haver uma assistência presente full-time, é comum o bailarino se hiperdosar de medicamentos.

Eu o atendo por carinho. É muito difícil ver um ser humano nestas condições, sozinho. É de doer o coração vê-lo acompanhado apenas do seu cachorro. Até eu mesma fico triste. Toda ajuda é bem-vinda. Ele precisa de apoio moral, de amizade de tudo – Maria Aparecida, cuidadora de Fábio de Mello

Fábio de Mello no dia de seu aniversário: 26 de fevereiro (Foto: Reprodução/Facebook)

GUILLAN BARRÉ

Segundo o Ministério da Saúde, a Síndrome de Guillain Barré é um distúrbio autoimune. Ou seja, o próprio corpo destrói células nativas, não reconhecendo-as como tal. A patologia “é  geralmente provocada por um processo infeccioso anterior e manifesta fraqueza muscular, com redução ou ausência de reflexos. A incidência anual é de 1-4 casos por 100.000 habitantes”. Ainda segundo o órgão, a síndrome é “considerada uma doença rara e não é de notificação compulsória (…). A maioria dos pacientes percebe inicialmente a doença pela sensação de dormência ou queimação nas extremidades, membros inferiores (pés e pernas) e, em seguida, superiores (mãos e braços). A fraqueza progressiva é o sinal mais perceptível ao paciente, ocorrendo geralmente nesta ordem: membros inferiores, braços, tronco, cabeça e pescoço”. Ainda segundo o Ministério, esta trata-se de uma “doença rara. Geralmente, estas são crônicas, progressivas e incapacitantes, podendo ser degenerativas”. De acordo com Cida, além da Guillan Barré, Mello possui hipertensão e epilepsia.

Comissão de Frente da Imperatriz, em 1997, em homenagem à Chiquinha Gonzaga (Foto: Widger Frota/Wikimedia)

VERDE, BRANCO E OURO

A primeira passagem de Fábio de Mello na Imperatriz Leopoldinense foi em 1992, com o enredo “Não existe pecado abaixo do Equador“. Marcou, também, o primeiro carnaval de Rosa Magalhães como carnavalesca naquela escola. No ano seguinte, a primeira das comissões históricas, capitaneadas por Mello. Naquele ano, a Gresil homenageava o próprio Marquês de Sapucaí. Nesta agremiação, Fábio permaneceu entre 1992 e 2007, retornando apenas em 2015, ano em que recebeu mais uma vez um Estandarte de Ouro. “Ele gosta de falar dos trabalhos, que desfilou, fica muito feliz ao contar as histórias”, comenta Cida.

Fábio é o maior vencedor do prêmio Estandarte de Ouro no quesito Comissão de Frente. Seis vezes pela Imperatriz Leopoldinense – 1993, 1995, 1997, 2000, 2006 e 2015. Os títulos da “certinha de Ramos” de 1994, 1995, 1999, 2000 e 2001 têm participação direta de Mello, que gabaritou em todos os anos. O artista formou-se pelo Conservatório de Amsterdam, fundou e dirigiu o Ballet Contemporâneo do Rio de Janeiro, e pelas suas mãos passaram todos os primeiros bailarinos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, inclusive o atual campeão em Comissão de Frente pela escola da Leopoldina, Marcelo Misailidis.

Imperatriz em 2000. Segundo dos três títulos da escola leopoldinense (Foto: Wigder Frota/Wikimedia)

Quando a pandemia ainda estava no auge, Fábio antecipou uma discussão que foi trazida à tona neste ano, que são as Comissões de Frente “hiper-espetacularizadas”. Em entrevista ao portal Srzd, o artista disse que “as Comissões de Frente perderam o rumo. Passaram a ser um capítulo à parte da escola de samba. E eu aprendi que elas atendem a um contexto e têm compromissos a assumir: agregar a comissão ao enredo. O coreógrafo não pode ser egocêntrico e achar que vai fazer um espetáculo hollywoodiano, copiado do Youtube ou de Las Vegas e entender que aquele universo é dele próprio e a escola que se vire dali pra frente”, alertou.

Hoje, a voz do vento veio para nos contar que desde as teclas do piano de Chiquinha Gonzaga, aos pincéis do artistas maurícios, é preciso despertar para um novo amanhecer e fazer brotar a força na esperança, para que o poeta da canção possa embarcar, de novo, num sonho encantado. Ao guerreiro, a luz da liberdade foi o carnaval. Na última passagem de Fábio de Mello na Sapucaí, o samba da escola de Ramos dizia algo que hoje revela-se ainda mais imperativo: “A luz dentro de você, acenda. Nada é maior que o amor”.