Carnaval 2023 no Rio de Janeiro: a folia do subúrbio é vista como “resto” e foi silenciada


Timoneiros da Viola não sairá neste domingo. “Como a maioria sabe, o Timoneiros da Viola é um bloco que idealizei em 2012, tendo como homenageado e confundador Paulinho da Viola. Surgiu para reverenciar sambistas e chorões. E também para manter vivo o Carnaval suburbano. É bloco de preto. É bloco para os assalariados que não podem lacrar nos eventos fechados au bord de la mer”, frisa Vagner Fernandes

*Por Vagner Fernandes

Não teremos Timoneiros da Viola neste domingo, na Praça Paulo da Portela, em Oswaldo Cruz. Como a maioria sabe, o Timoneiros da Viola é um bloco que idealizei em 2012, tendo como homenageado e confundador Paulinho da Viola. Surgiu para reverenciar sambistas e chorões. E também para manter vivo o Carnaval suburbano. É bloco de preto. É bloco para os assalariados que não podem lacrar nos eventos fechados au bord de la mer. É bloco de sonhadores, de utopistas do operariado. Em meio a tantas injustiças, precisamos fazer justiça, destacando o único telefonema que recebemos para nos apoiar. Foi do tenente-coronel Bruno Xavier, comandante do 9º Batalhão, de Rocha Miranda.

Ligou por que havia montado uma estrutura com homens da Polícia Militar para assegurar a tranquilidade dos foliões no dia 12 de fevereiro, quando sairíamos. Ao ser informado que não haveria o Timoneiros 2023, o tenente foi delicado e preciso: “um dia entenderão a importância deste bloco”. Talvez. Quem sabe. “Resistam!”, sugerem-nos. Mas é notório que o termo resistência funciona bem para manchetes de jornal. Na atual conjuntura, você precisa de uma britadeira a fim de furar um poço por dia para não morrer desidratado. Não te oferecem um copo d’água. Ninguém faz Carnaval mais trocando rosas e lançando perfume. Quem disser o contrário está mentindo.

“Timoneiros é bloco de preto. É bloco para os assalariados que não podem lacrar nos eventos fechados au bord de la mer”

O Carnaval de rua do Rio 2023 está recebendo investimento de R$ 39 milhões em infraestrutura decorrente do caderno de encargos bancado pela Ambev, sob a coordenação da Dream Factory, empresa da família Medina. É louvável que em mais um ano, justamente no que, asseguram, será o Carnaval dos Carnavais, o primeiro após o vírus que nos aniquilou a alma, se tenha toda a infra necessária. É de se aplaudir. Se a folia movimenta R$ 1 bilhão na economia do Rio, como divulgado recentemente, o que é a bagatela de R$ 39 milhões? É até pouco diante da arrecadação bilionária. Com tamanha fortuna não faltarão banheiros químicos e o que necessário for no grandioso “ball masqué” a céu aberto da retomada. Ao menos é o que dizem: que não sobrará pedra sobre pedra. Há até confirmação de que Janja Lula da Silva, a primeira-dama do Brasil, riscará a Sapucaí.

Alegrias como esta foram silenciadas

Há disputa de poder, construção de networking para ganhar patrocínio, criação de sociedades a fim de que projetos não naufraguem, traições, vaidades e muita oração para Deus, Oxalá, Allah, Jeová e Shiva, não deixarem que essa zona geral se converta em desgraça – Vagner Fernandes

Controverso em sua origem europeia, o Carnaval carioca nunca deixou a desejar no quesito evolução em paradoxos. Quando o assunto é dinheiro, então, o silêncio é absoluto. O avesso das coisas, o exibicionismo preconizado pelos foliões, não abarca as planilhas orçamentárias dos que realizam o Carnaval. Todos querem falar do sucesso, mas jamais do processo administrativo e financeiro que torna o evento também espetacular. E é nesta ferida, repleta de band-aids há décadas que ninguém mexe. Por que motivos a cada escola de samba são destinados cerca de R$ 7,5 milhões, totalizando R$ 90 milhões para as agremiações do Grupo Especial, enquanto para os blocos de rua chegam R$ 39 milhões em banheiros químicos, basicamente? Ninguém compreende.

Sinônimo de alegria e empoderamento, Timoneiros da Viola não sairá no carnaval por falta de patrocínio

A solução de outrora, de fazer vaquinha virtual, para botar o bloco na rua, esvazia-se ano após ano. O jeitinho, portanto, é participar de editais, cujos prêmios minguados ficam muito aquém dos custos de uma estrutura digna e segura para aglomerar gente na rua. Outra solução, que vem sendo adotada com recorrência, é certificar projetos em leis de incentivo municipal, estadual e federal a fim de sensibilizar a direção de marketing de alguma empresa a reconhecer a importância. Difícil. Ou ter cacife, como uma estrela pop, para ganhar “dinheiro bom” (termo usado para designar a verba dada sem leis de incentivo) e tacar fogo no centro do Rio, com exibição descarada da logomarca do patrocinador.

Não há erro em Anitta, com o Bloco das Poderosas, e Ludmilla, com o Fervo da Lud, ganharem dinheiro desta forma. Há equívoco de quem banca, como se bloco de rua figurasse exclusivamente na categoria de entretenimento e não no sagrado panteão das manifestações da cultura popular da cidade – Vagner Fernandes

A ladainha se dá anualmente. Há quem diga que “se não conseguiu patrocínio é porque não tem competência”. Há quem se associe a empresários para fazer do bloco ou dos novos e reconceituados bailes de Carnaval um negócio rentável, repleto de atrações de Norte a Sul do Brasil. Há até categorização para se distribuir dinheiro e infraestrutura. Os megablocos lideram o ranking de patrocinados. Mas, no pódio do Carnaval do Rio, em primeiríssimo lugar está a Liesa, em seguida as escolas de samba do Grupo Especial, logo depois os megablocos e abaixo todo o resto. A folia do subúrbio está no “resto”. Os bastidores da folia carioca não são para os que tremem diante da primeira porrada que derem na mesa.