Ator que faz ‘versão’ de Fernanda Montenegro na internet ganha mensagem e reconhecimento da atriz


Thiago Chagas, que faz a Dona Fernandona na internet em homenagem à atriz, eleita para a Academia Brasileira de Letras, fala da emoção de receber mensagem da diva, das inspirações, do humor como caminho de auto aceitação, de lembrar Paulo Gustavo em seu estilo e de representatividade. “Estou no grupo dos artistas LGBTs, da diversidade. Custei muito para me assumir gay, para entender que isso não podia me atrapalhar na minha carreira, nem na minha expressão artística. Depois, também assumi o meu show de stand up comedy, com as histórias de vida que conto e traumas. No stand up, você sobe sem personagem, sem máscara e vai contar um pouco da sua história. Então, é preciso um enfrentamento grande seu com suas questões. Uma cura para se expor ali na frente de todo mundo, com suas dores de maneira que vão rir junto com você delas. E isso também é arte, um ato revolucionário, que transforma”

*Por Brunna Condini

Em outubro deste ano, Fernanda Montenegro completou 92 anos, foi eleita imortal da Academia Brasileira de Letras, e ganhou homenagem da sua ‘versão’ na internet, a Dona Fernandona, criada pelo humorista Thiago Chagas. E, se no episódio, a primeira atriz do país eleita para a ABL, já tomou conhecimento do trabalho do ator, imagine a emoção que Thiago sentiu quando recebeu uma mensagem da diva, em forma de agradecimento. “Eu falei com a Fernandona, viu? Ela, comovida, o agradece muito, muito, pela grande chance que você dá à ela de ter a voz e o pronunciamento no seu perfil. Fernandona é uma entidade. Um grande abraço!”, disse a Fernanda Montenegro, bem humorada, em áudio enviado para Thiago.

“Queria ‘enquadrar’ esse áudio, se fosse possível. Fiquei muito emocionado mesmo. Depois de quase dois anos neste perfil no Instagram, já sabia que tinha chegado até ela, que tinha curtido, mas daí a receber uma declaração, não esperava. Ela é sempre muito discreta, mas, ao mesmo tempo, de uma generosidade imensa. De uma mulher que entende a arte, os artistas, que tem humor, que não se leva tão a sério. Isso tudo pra mim é o que fica. É o tipo de atitude que vai me marcar pra sempre. Fernanda é eterna, imortal e a maior artista deste país”, frisa o ator, que agora só falta conhecer a musa inspiradora pessoalmente.

Thiago Chagas recebeu declaração de Fernanda Montenegro por sua imitação da imortal, a Dona Fernandona (Divulgação)

Thiago Chagas recebeu declaração de Fernanda Montenegro por sua imitação da imortal, a Dona Fernandona (Divulgação)

Aos 38 anos e com 20 de estrada, Thiago é cria do teatro e diz admirar Fernanda Montenegro tanto pelo trabalho como pelos posicionamentos. “Não tem como não ser fã. E como comediante, prestava à atenção no jeito dela falar, bem único, ora com registro mais agudo, ora mais grave, que é um estilo dela, quando atua. Resolvi brincar com isso e surgiu a personagem. Levei Dona Fernandona para o stand up comedy”, lembra. “Quando veio a pandemia, coloquei a Fernandona no meu solo para falar do quanto estava com saudade dos palcos, o público adorou”.
"Uma das coisas mais fascinantes do ofício do ator é poder trabalhar até morrer. Porque existem milhões de perrengues na trajetória do artista" (Divulgação)

“Uma das coisas mais fascinantes do ofício do ator é poder trabalhar até morrer. Porque existem milhões de perrengues na trajetória do artista” (Divulgação)

O artista tem em seu ‘cardápio’ personagens femininas e mais maduras, que despertam a empatia do público. “As grandes mulheres sempre me inspiraram. Acho que toda grande diva universal já foi homenageada nos cabarés e no Teatro, por atores e drags, como: Marlene Dietrich, Betty Davis, Greta Garbo e a própria Fernanda, que me inspirou”, declara o ator, que faz shows pelo Brasil com seu solo ‘Aqui se Faz, Aqui se Chagas‘, que tem no repertório temas como, sexualidade, espiritualidade, anos 90, família, futuros utópicos e críticas sociais. A mãe, as tias, o gay gospel e Dona Fernandona são personagens que ajudam a contar a história, atravessada pela ótica da comunidade LGBTQIA+.

“As grandes mulheres sempre me inspiraram”

Sobre críticas à escassez de bons papeis para veteranos nos últimos tempos, ele comenta: “Um dos pontos mais fascinantes do ofício do ator é poder trabalhar até morrer. Porque existem milhões de perrengues na trajetória do artista, ele está sempre passando por algo: uma rifa, um financiamento coletivo, uma vergonha, uma emoção, uma fome… Não temos um paradigma estabelecido na carreira, de como fazer para dar certo, mas o mais bonito é saber que, em qualquer idade, podemos exercer a nossa paixão. E alguns parecem que quanto mais velhos melhores ficam. Claro que existem exceções (risos), mas geralmente é isso. Olha a Fernanda Montenegro, a Laura Cardoso. Não existe se aposentarem, porque vivem o ofício, não só o trabalho, mas a ideia, que é preservar e difundir a arte, fazer as pessoas refletirem, levar cultura. Toda essa ideia vive dentro de nós em qualquer idade. É isso que faz o artista se levantar, passar as dificuldades na carreira e seguir. Acho lindo ver esses atores que trabalham a vida toda e continuam conseguindo espaço, e quando menciono isso, falo da TV principalmente, do show business, porque no teatro não tem isso”.
Representatividade salva
Para Thiago, a arte também foi um caminho de aceitação e ele destaca a importância da representatividade. “Estou no grupo dos artistas LGBTs, da diversidade. Custei muito para me assumir gay, para entender que isso não podia me atrapalhar na minha carreira, nem na minha expressão artística. Depois, também assumi o meu show de stand up comedy, com as histórias de vida que conto, traumas, coisas que passei. No stand up, você sobe sem personagem, sem máscara e vai contar um pouco da sua história. Então, é preciso um enfrentamento grande seu com suas questões. Uma cura para se expor ali na frente de todo mundo, com suas dores de maneira que vão rir junto com você delas. E isso também é arte, um ato revolucionário, que transforma”, divide.
"Foi o teatro que me salvou. A arte nos acolhe como somos, sem julgamentos" (Divulgação)

“Foi o teatro que me salvou. A arte nos acolhe como somos, sem julgamentos” (Divulgação)

“O movimento de abertura de espaços tem que ser para todos. Para os artistas mais velhos, os artistas LGBTs, para os negros. Que os espaços se abram, que seja plural como a vida é. Foi o teatro que me salvou. A arte nos acolhe como somos, sem julgamentos”.
Humor afiado
O carioca, sua interpretação e seus tipos femininos, já renderam comparações com o ator Paulo Gustavo (1978-2021). “Fiz um musical há uns sete anos e um crítico foi assistir e disse que que meu humor lembrava o do Paulo. Ali foi a primeira vez que falaram. Tem gente que acha que nossos estilos lembram. Acho que existe um antes e um depois de Paulo Gustavo, sabe? Para o humor, para a arte, para os atores LGBTs. Não que ele fosse uma drag, uma Rogéria, que também foi ícone e precursora, abrindo espaços para nós. Mas ele marcou com essa ousadia de ser um artista que tem uma mulher como sua principal personagem”, diz. “Ele era um gênio, de uma potência enorme. Aceito qualquer comparação como um elogio. Somos atores, no Rio, de uma mesma geração. Temos um humor carioca, da TV Pirata, do Asdrúbal Trouxe o Trombone, do besteirol. Essa é minha escola, são minhas referências. E Paulo criou essa mãe alegórica, que todos se identificam. Então, quando faço a mãe, a tia, é normal remeter a ele. A parte que mais gosto de fazer, fico mais à vontade, é quando dou vida a essas mulheres incríveis que sempre foram inspiração pra mim”.