Ariadna Arantes: “Voltaria ao BBB. Depois de anos, as pessoas ainda não sabem quem eu sou realmente”


De férias no Brasil, primeira trans a entrar na casa do BBB abre o jogo sobre espiritualidade, preconceito, capa da revista Playboy, maternidade, silicone, cirurgia de readequação genital e haters nas redes sociais. “O problema das pessoas é que elas estão prontas para julgar o erro do próximo, mas esquecem que também podem errar. Acho um pouco cruel. O que falta nas pessoas é se colocar no lugar das outras”, afirma

*Por Simone Gondim

Morando há 17 anos na Itália, Ariadna Arantes, primeira trans a entrar na casa do programa Big Brother Brasil (BBB), não se abala com a opinião alheia. Defensora das causas LGBTQI+, mãe de bicho – adotou a gatinha Lillith, que viaja com ela e tem até perfil próprio no Instagram – e dona do próprio nariz, a carioca sentiu na pele o preconceito, mais de uma vez. “Os haters já estão entre nós há muito tempo, e o cancelamento também, né? O problema das pessoas é que elas estão prontas para julgar o erro do próximo, mas esquecem que também podem errar. Acho um pouco cruel. O que falta nas pessoas é se colocar no lugar das outras”, diz Ariadna.

Recentemente, a morena fez um desabafo em suas redes sociais, por conta de ataques e retaliações que sofreu ao publicar uma foto com seu pai de santo. Após a postagem, ela chegou a perder milhares de seguidores. “Infelizmente, o brasileiro, depois de tanta luta e história, não percebeu que nosso país é uma mistura de etnias e culturas”, observa. “O que me deixou chateada não foi ter perdido 66 mil seguidores, mas sim o porquê disso. Não cometi nenhum crime. Não feri ninguém. Qual foi meu pecado? Fui ofendida e questionada”, queixa-se.

Ariadna acredita que o BBB foi uma porta para o público em geral conhecer e entender as pessoas trans (Foto: Divulgação)

Sobre religião, Ariadna, iniciada no candomblé há 17 anos e filha de Oxumarê e Oxum, garante ser uma pessoa de muita fé. “Acredito em Deus, em Jesus e em toda a forma de energia espiritualizada. Estou sempre fazendo orações e meditando. Acho importante para nosso equilíbrio”, afirma.

De férias no Brasil, Ariadna não descarta a possibilidade de voltar a viver por aqui. “Ainda não vim de vez, mas vou fazer uma longa temporada para ver minha adaptação”, revela. “O mundo tem mudado muito e a Europa não é mais como antes. Lá havia uma qualidade de vida melhor, com segurança. Infelizmente, isso deixou de ser assim”, lamenta. “A verdade é que existem vários pontos em que o Brasil está à frente, só que muita gente me critica quando falo sobre isso”, acrescenta.

Ariadna se arrepende do ensaio para a Playboy. “Foi uma experiência péssima”, afirma (Foto: Divulgação)

A morena ressalta que a participação na 11ª edição do BBB, embora curta, serviu para chamar a atenção para as pessoas trans. “Quando fiz o BBB, já tinha passado pela transição para mulher, mas acredito que o programa foi uma porta para o público em geral conhecer e entender as pessoas trans. Essa experiência ajudou muitas mulheres como eu a se identificarem”, comenta. E será que ela repetiria a dose? “É claro que voltaria na mesma hora. Uma semana foi pouco. Depois de todos esses anos, as pessoas ainda não sabem quem sou eu realmente”, observa.

Em 2011, ao sair do programa, Ariadna foi convidada para ser capa de uma edição especial da revista Playboy. O ensaio rendeu 60 páginas e foi feito em São Paulo, com fotos de Bico Stupakoff, filho do lendário Otto Stupakoff, pioneiro da fotografia de moda no Brasil. Ainda assim, o trabalho não deixou boas lembranças. “Foi uma experiência péssima. Hoje, falo abertamente sobre isso. Sou uma mulher mais madura e, com certeza, as coisas seriam diferentes se fosse agora”, admite. Entre os problemas da publicação, estão a abordagem da revista, que não teria dado a ela o mesmo tratamento oferecido a outras participantes do BBB, o cachê mais baixo do que o esperado e a inexperiência dela ao negociar o contrato.

“Desejo, de alguma forma, ser mãe. Estou me preparando para isso”, garante Ariadna (Foto: Divulgação)

Em paz com o próprio corpo, Ariadna fez a cirurgia de readequação genital bem antes de entrar no BBB. Para outras pessoas trans que desejam operar, mas ficam inseguras, ela assegura que não há motivo para temer. “Acho que quem sente vontade de se operar deve fazer, sem medos”, enfatiza. E o mais importante: a cirurgia deve levar em conta os próprios desejos, sem incluir ninguém de fora nessa equação. “Muitas se operam à espera de um conto de fadas, que não existe nem nunca vai existir”, alerta.

Por falar em cirurgias, Ariadna se prepara para trocar as próteses de silicone. “Tive Covid, fiquei muito mal e passei 13 dias internada, com sérias infecções pulmonares. Nesse processo, quando fiz a tomografia dos pulmões descobri que a prótese estava rompida. Vim ao Brasil, também, para trocá-las. E irei aumentar 30% do tamanho atual”, explica.

“Acredito em Deus, em Jesus e em toda a forma de energia espiritualizada”, diz Ariadna (Foto: Divulgação)

No período de isolamento social – a Itália já está no segundo lockdown, com toque de recolher decretado em todo o país -, a brasileira encontrou na maquiagem, uma de suas paixões, uma forma de manter a sanidade. “Fiz lives e vídeos de tutorial de maquiagem, que adoro. De certa forma, consegui me manter equilibrada mentalmente”, conta. Já no Brasil, Ariadna investiu na formação na área, fazendo curso de micropigmentação em Campinas.

A volta ao país inclui matar a saudade da família, é claro. “Meus sobrinhos são como meus filhos. Eu os amo muito”, derrete-se. Sobre a maternidade, ela confessa que pensa no assunto. “Desejo, de alguma forma, ser mãe. Estou me preparando para isso. Quero uma estrutura financeira para poder dar o melhor ao meu filho”, assume.

(Foto: Divulgação)

Sobre a discriminação contra a população LGBTQI+, Ariadna aposta em educação e cultura como soluções para o problema. “A falta de informação dificulta o combate ao preconceito, assim como a mistura entre religião e política. Antes de religião, temos que ter uma consciência ética e civil sobre respeitar a diversidade. Dentro de seus templos, você acredita no que quiser, mas respeito é fundamental e isso somente a educação pode resolver”, pondera.

Diante de gente preconceituosa, ela prefere não se exaltar. “Já passei por situações de constrangimento, tanto no período da minha transição quanto depois. Mas acho que o melhor caminho é ter calma e educação, por mais que certas atitudes de pessoas ignorantes nos tirem do sério”, declara. “Fala-se muito em respeito, empatia, amor e igualdade, mas falta praticar. Infelizmente, o mundo inteiro está assim. Nos colocarmos nos lugares das pessoas é o que falta neste século”, conclui.

Ariadna e Lillith a caminho do Brasil (Foto: Reprodução Instagram)