Análise sobre dormir bem em tempos de estresse feita por Andrea Bacelar, presidente da Associação Brasileira do Sono


O site Heloisa Tolipan tem entrevistado profissionais, instituições e empresas voltados para práticas que proporcionem às pessoas um sono de qualidade. A Ortobom, por exemplo, criou o Manual do Sono, com dicas preciosas de médicos e especialistas, que mostra como o corpo se comporta nessa hora tão importante. Uma boa noite de sono proporciona saúde mental e física fortalecendo, inclusive, o sistema imunológico. Vem saber como você pode amenizar os efeitos nocivos que tem permeado a vida de tantas pessoas agravados nesse período da pandemia do coronavírus

A pandemia do Covid-19 trouxe uma nova realidade à população mundial e muitas pessoas estão buscando amenizar a ansiedade (que já é coletiva) com práticas que são instrumentos importantes para atravessar essa fase, como a meditação e a yoga, uma alimentação balanceada e os habituais exercícios físicos para uma noite com melhor qualidade do sono, pois são muitos os que estão sentindo as consequências provocadas. Presidente da Associação Brasileira do Sono (ABS), a neurologista e especialista na Medicina do Sono Andrea Bacelar alerta para esse agravamento e seus efeitos nocivos para a saúde mental e física nesse período. “Já fizemos uma pesquisa com profissionais da saúde sobre a qualidade do sono e estamos submetendo aos associados a ideia de realizar uma pesquisa nacional para ter noção real de como está o sono do brasileiro. Mas fizemos uma análise das principais publicações do mundo e 85% da população se queixa do sono, que vem funcionando como uma questão comórbida”, alerta.

Durante esses seis meses de isolamento social imposto para evitar a proliferação do novo coronavírus, o site Heloisa Tolipan conversou com psicanalistas, psicólogos, nutricionistas, professores de educação física sobre como amenizar a ansiedade que tem permeado a vida de muitos que ficam mais ansiosos e têm dificuldades para dormir. Publicamos uma série de depoimentos sobre como o isolamento estimulou ainda uma maior introspecção, um contato maior com nosso mundo interno, resultando em sonhos com conteúdos inconscientes mais intensos, que estão relacionados ao que estamos vivendo agora. Na internet, os sonhos também viraram assunto, inclusive com direito a compartilhamento através da hashtag, #PademicDreams (sonhos da pandemia). Vários profissionais, instituições e empresas mostraram suas ações voltadas para que as pessoas tenham um sono de qualidade. Por exemplo, a Ortobom, maior franquia de colchões do mundo e maior fabricante da América Latina, criou o Manual do Sono. Nele, existem dicas extremamente importantes de médicos e especialistas.

Dormir pouco, privando-se de sono, produz efeitos nocivos à saúde mental, alterando e piorando o humor; funções psíquicas complexas, como tomada de decisões, aprendizagem, memória e pensamento; além do funcionamento do sistema imunológico que, neste caso, é importante para as defesas do organismo contra a Covid-19. A médica neurologista explica que quando o indivíduo apresenta uma predisposição a ter insônia, situações de incerteza e medo podem aumentar o grau de ansiedade e alerta, desencadeando os sintomas de insônia e, quando perpetuados por um longo período, podem se tornar um problema crônico.

Neurologista e referência na Medicina do Sono, Andrea Bacelar é presidente da Associação Brasileira do Sono (ABS)

Publicações das regiões da China, Austrália e de países europeus mostram que a depressão aumentou cinco vezes, o transtorno de ansiedade seis, existe estresse agudo em 25% da população, enquanto a insônia crônica cuja média era de 10 a 15% foi para 30 a 35%. “Pessoas com suspeita de terem contraído o novo coronavírus ou as que testaram positivo para Covid-19, profissionais de saúde que trabalham na linha de frente, ser mulher, ter baixa renda e já ter doença crônica são as que desenvolvem mais transtornos de sono”, comenta Andrea Bacelar. E lembra que, antes do surgimento do coronavírus, já existiam com grande incidência outros transtornos, como por exemplo, a apneia obstrutiva do sono. “No Brasil, 1/3 da população entre 40 e 60 anos tem. O que agrava? Privação do sono e ganho de peso. E os estudos mostram que somente nos primeiros três meses da pandemia o ganho de peso variou de três a cinco quilos, não somente por alteração do sono”, diz Andrea, referência na Medicina do Sono brasileira.

Quem dormia às 23 horas está indo deitar a 1h. Então, lancha após o jantar, busca comida na geladeira… Já a ingestão alcoólica aumentou 30% em média. As pessoas bebem, à noite, visando adormecer mais fácil. “Altera a arquitetura do sono, que fica mais superficial, comprometida. E afeta o sistema imunológico. Imagina. Nesta época de contaminação não é uma boa conduta adotar este hábito”, frisa.

Crianças também têm sido afetadas em consequência do isolamento. “Elas começaram a ter aula em casa, os pais em home office, os funcionários domésticos foram liberados. Então, a casa que tinha um vínculo com descanso, com desacelerar, passou a ter uma atividade excessiva. E com um grande uso de eletrônicos”, ressalta Andrea, sobre o fato de pais e filhos estarem utilizando por mais tempo computadores, tablets e celulares. “A tela gera uma luminosidade que inibe a promoção do hormônio responsável pelo sono. Então, a melatonina está com a curva arrastada para mais tarde. Utilizando estes aparelhos após o jantar e na cama, isso necessariamente vai prejudicar o início do sono”, explica.

Muitos pais se queixam que os filhos não estão conseguindo assistir aula em tempo real, porque não dormem cedo. O padrão foi modificado. “Crianças e pré-adolescentes vivem um momento de socialização, interagem, trocam muitas experiências. Essa liberdade foi cerceada, todos estão com a demanda reprimida. Áreas como playground de prédios estão fechadas justamente porque a criança não respeita os protocolos por não saber a gravidade. E tem idosos em casa. Assim, 85% das crianças poderão ser assintomáticas, mas são vetores. Essa preocupação continua existindo. Voltou a ter um aumento de contaminações pela grande flexibilização que tem acontecido nas cidades”, acrescenta.

E lembra outra questão essencial. Nesta fase, como o acesso ao médico e aos serviços de saúde estão limitados, muitas pessoas estão se automedicando por não conseguirem dormir. “Efeito colateral de uma medicação vendida sem prescrição como os antialérgicos, que provocam sonolência. Então, as pessoas, estão abusando deste tipo de medicação”, pondera ainda a neurologista do alto de seus 28 anos de profissão. A mesma de seus pais. Andrea é filha de Carlos Bacelar, morto em 2005, que atraía um público enorme ao participar do programa do locutor Haroldo de Andrade (1934- 2008), na Rádio Globo.

Diante de tantas questões, existe um prognóstico sobre o tempo necessário para as pessoas se reequilibrarem em relação ao sono após a pandemia? “Estamos vivendo uma epidemia dentro da pandemia. Hoje, a situação da saúde mental e dos transtornos do sono associados é grave e prevalente. As pessoas estão chegando nos consultórios médicos se queixando de um sono de má qualidade. O problema de fato é sério. Vamos viver o próximo ano para equilibrar o sono”, aponta.

SONO DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE

Em relação aos profissionais de saúde, especialistas da ABS em parceria com os da Associação Brasileira de Medicina do Sono (ABMS) lideraram uma pesquisa sobre como está o sono em tempos de pandemia. Entre 30 de maio e 25 de junho foram entrevistados mais de 4.900 profissionais de todas as regiões do Brasil. É o maior estudo sobre o tema já realizado no mundo. Na primeira etapa, foram revelados dados alarmantes: 13% dos entrevistados começaram a utilizar medicamentos contra a insônia e 41% se queixaram da piora do sintoma. Com estes resultados, poderão ajudar os seus pares bastante exigidos nesta época.

O estudo foi coordenado pelos médicos e pesquisadores do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Luciano Drager, vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina do Sono (ABMS), e Pedro Genta, presidente da ABMS.

“Este estudo é inovador por sua abrangência nacional e espírito colaborativo entre os coordenadores da ABMS e ABS. O número de participantes foi extraordinário, além de nossas expectativas, e retrata o grau de envolvimento que os profissionais de saúde estão tendo durante a Pandemia”, comenta Pedro Genta.

De acordo com Luciano Drager, o objetivo primário do estudo foi detectar o aumento de casos de insônia entre os profissionais de saúde, correlacionando com diversos fatores relacionados à pandemia bem como ansiedade e o burnout (estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional). “A partir desses dados, podemos intensificar nossos esforços para ajudarmos esses profissionais que, em sua grande maioria, atuam na linha de frente da Covid-19 a obterem melhor qualidade de sono. Isto pode não só melhorar a qualidade de vida, mas até mesmo a tomada de decisões no dia a dia deste trabalho que exige muito destes profissionais”, afirma.

Dentre os profissionais entrevistados, 55,7% relataram que atendem ou já atenderam pacientes com Covid-19, sendo a maioria técnicos ou auxiliares de enfermagem, enfermeiros e médicos.

Entre os fatores independentemente associados com novas queixas de insônia ou piora da insônia, destacam-se:

– Sexo feminino (75% de aumento);

– Redução da renda em 30 a 50% (55% de aumento);

– Alterações de peso (aumento ou redução) – aumento de 55 a 87%, respectivamente;

– Atender ou já ter atendido pacientes com Covid-19 (28% de aumento).

– Ter desenvolvido o Burnout (estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional) – quase 2x maior;

– Ter ansiedade (o maior fator obtido relacionado à insônia neste estudo com 3x mais chance)

HÁBITOS ADEQUADOS PARA DORMIR BEM

Andrea Bacelar explica que a Associação Brasileira do Sono investe na educação continuada para informar e formar profissionais da área de saúde sobre o sono. E com a premissa de ressaltar a importância do sono como fator imprescindível para proteção da imunidade.

Existe uma recomendação da National Sleep Foundation sobre as horas necessárias de sono para cada faixa etária. O bebê, por exemplo, dorme 20 horas. Até dois anos, o sono é polifásico. Cochila-se de manhã, à tarde e, à noite, quando dorme 12 horas. Aos cinco anos, ainda se tem um cochilo durante o dia. Depois disso, o sono passa a ser monofásico. “O homem é um ser que dorme na fase escura das 24 horas e precisa de sete a oito horas de sono”, pontua ela. Já o adolescente necessita de nove a 11 horas de sono. “Então, imagina essa privação, porque ele está indo dormir tarde e precisa acordar cedo com despertador para estar às 7 horas na sala de aula, que agora é na frente da tela do computador. Nós, da ABS, estamos com projeto de lei para mudar o início do horário das aulas de ensino médio de 7h para às 8h30, o que na Califórnia, por exemplo, já é lei”, revela Andrea.

Mas existem os extremos da curva, os dormidores longos e curtos. “Há pessoas que com seis horas de sono ficam muito bem e preparadas para viver um novo dia. Outras, apesar de dormirem um tempo total, de acordarem espontaneamente, ficam cansadas, sonolentas, com desempenho ruim, alteração de memória. E precisamos investigar este grupo de pessoas com um exame chamado de polissonografia”, aponta Andrea, que está em seu segundo mandato de dois anos na presidência da ABS.

A falta das horas necessárias afeta sensivelmente a vida do ser humano desde seus primeiros anos. As pessoas podem achar que é mito, mas é verdade, como Andrea deixa claro: “Se a criança dorme mal, não permanece em um sono profundo, ela não vai crescer exatamente como deveria. Adulto que dorme menos de seis horas, cronicamente, tem mais chance de ficar hipertenso, diabético, de ter um AVC, um derrame”, pontua.

Gestora de uma clínica, Andrea Bacelar também realiza palestras para empresas e indústrias. Por conta do isolamento social, todas têm acontecido remotamente. “Até o final de outubro, só tenho vagas, às sextas. No restante, todas às noites faço palestra, aula, web live”, ressalta. Quais perguntas escuta com maior frequência? “Ah, gostaria de dormir menos, isso é possível? Acordo cansado, o que eu faço? Filho pode dormir comigo no quarto? Qual o melhor horário para fazer exercício? Remédio interfere no sono? Minha avó e minha mãe vivem comigo e acordam de madrugada. O que devo fazer?”, enumera ela sobre as indagações.

E você, doutora Andrea (mãe de quatro filhos e gestora de uma clínica), como é seu sono? “Graças a Deus, eu durmo bem. Mas na minha casa tenho adolescentes e o meu marido que tem horário de sono diferente do meu. E existe o respeito a quem trabalha em horários diversos. Converso com meus filhos sobre essa questão importante. Encontramos um equilíbrio para que seja saudável para a vida, a casa e a família. Até agora está funcionando”, vibra. “O mais importante é a regularidade. Se você costuma deitar às 22h e acordar às 6h, respeite este horário na grande maioria dos dias. Os nossos hormônios precisam entender o momento que eles devem ser produzidos e quando devem ser inibidos. Isto faz com que o nosso sistema funcione mais adequadamente com menos chance de doença”, pondera.

Andrea dá outras dicas. Excitantes como cafeína, bebida alcoólica, além de telas de computador não são bem-vindas à noite. Exercícios também nunca devem ser realizados próximos da hora de dormir. “Na pandemia, as pessoas ganharam peso porque deixaram de se exercitar e passaram a consumir alimentos calóricos desenfreadamente, então, o organismo não dá conta de metabolizar estas substâncias. À noite, o nosso metabolismo cai, então, se for fazer uma alimentação calórica, que seja na hora do almoço. No jantar, dê preferência às comidas leves para que a digestão se faça adequadamente. São rotinas que parecem óbvias, mas muitas pessoas não adotam”, ressalta.

Dicas para dormir melhor

Para auxiliar a população nesse desafio de dormir melhor, os especialistas da Associação Brasileira do Sono elaboraram recomendações e orientações de rotina. Seguem algumas dicas:

– Estabeleça uma rotina durante o dia

Estar mais tempo no ambiente doméstico necessitando realizar tarefas domésticas e familiares pode não ser sua rotina.

– Estabeleça uma rotina para a noite

A rotina da noite é tão importante quanto a rotina do dia. Assim, mantenha um horário regular de sono, isto é, procure dormir e acordar sempre no mesmo horário. Esse hábito ajudará a manter os ritmos biológicos do seu organismo, fundamentais para o funcionamento saudável.

– Deixe a luz entrar

Exponha-se à luz natural abrindo as janelas de casa assim que acordar para permitir que o ar circule e a luz chegue a você. Estude o horário que o sol bate em sua casa e exponha-se à luz do sol para que possa fixar as vitaminas essenciais à manutenção de sua saúde.

– Cultive o contato consigo mesmo

Adote o uso de um diário ou escreva cartas sobre o que sente ou percebe acontecer em sua vida íntima. Essa prática simples ajuda a promover reflexão e um contato mais profundo com seus sentimentos, além de servir como uma importante válvula de escape.

– Cultive o contato com sua família

Caso more com outras pessoas, familiares ou não, tente manter uma convivência harmoniosa, ajudando e respeitando o espaço e o tempo do outro. Organize-se para terem momentos juntos para além das refeições, que podem ser, por exemplo para assistirem os noticiários diários, uma série ou filmes ou quem sabe um momento de lazer com jogos?

Confira a lista completa das recomendações dos especialistas da Associação Brasileira do Sono no site: http://www.absono.com.br/assets/recqualidadevidaesono.pdf

A IMPORTÂNCIA DA MEDICINA DO SONO

O surgimento da Medicina do Sono aconteceu na década de 70, nos Estados Unidos e na Europa. Este conhecimento chegou ao Brasil somente nos anos 90. Mas apenas em 2011, foi reconhecida como área de atuação pela Associação Médica Brasileira. Em termos de serviços prestados à população nesta área, a ABS fez isto acelerar de forma significativa. Afinal, ela é formada por especialistas no tema. Caberá a ela, inclusive, presidir pela segunda vez o Congresso Mundial do Sono. Previsto para março de 2021, no Rio de Janeiro, ele foi adiado para 2023 por conta da pandemia.

Fundada em 1985 como Sociedade Brasileira do Sono, a ABS (Associação Brasileira do Sono) foi reconhecida como associação a partir de 2003. Formada por especialistas que estudam o sono, incluindo desde áreas experimentais básicas, biólogos, técnicos de polissonografia, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, odontologistas e médicos, a entidade tem como sociedades coirmãs: a Associação Brasileira de Odontologia do Sono (ABROS) e a Associação Brasileira de Medicina do Sono (ABMS), ambas criadas para atender necessidades específicas dos dentistas e médicos.

A ABS possui aproximadamente 2.600 associados e está representada em 30 cidades brasileiras. Reconhecida mundialmente, a entidade promove inúmeras atividades, incluindo cursos, reuniões com a sociedade civil e com os gestores de políticas públicas, além de promover diálogo constante com a sociedade sobre os mais diversos temas relacionados ao sono. A Associação Brasileira do Sono é responsável também pelo periódico científico Sleep Science, revista publicada em inglês com reconhecimento mundial, recebendo artigos científicos originais de todas as partes do mundo.