Vivendo a obstinada Amanda em “Amor de mãe”, Camila Márdila reflete sobre questões ambientais na trama e vida real


Em sua primeira novela, a atriz analisa a nossa realidade: “É preciso estancar esse abuso desenfreado e irresponsável de recursos de um planeta que é limitado! Pra mim, o fim do mundo não é uma bola de fogo caindo sobre a Terra, mas o homem destruindo com ela mesma numa ganância cega e surda. A gente precisa inverter a lógica da nossa existência nesse planeta e absorver a sabedoria indígena que alerta: a Terra não está aqui pra nós, somos nós que estamos aqui pra ela. O processo pra essas adaptações pode ser longuíssimo e árduo, mas ele precisa começar”

*Por Karina Kuperman

Atriz consagrada no cinema, Camila Márdila está experimentando o gostinho de ser estreante. É que ela está no ar em sua primeira novela, “Amor de mãe” e já sente a diferença clara entre os formatos. “Eu nunca fiz um trabalho que fosse ao ar enquanto eu ainda o realizo. Essa simultaneidade é realmente uma outra experiência. Tanto pelas impressões imediatas que chegam quanto pela duração e todas as transformações por vir e que não faço ideia. O desafio de estrear em um novo formato me faz sentir extremamente instigada e provocada a descobrir outras possibilidades como atriz. E isso é um estímulo enorme, afinal habitar campos desconhecidos talvez seja um dos maiores motores da força criativa. A Amanda é uma personagem extremamente potente, ela me permite explorar diversas matizes do meu trabalho como atriz dentro de um espaço de tempo que nunca exercitei antes. É muito prazeroso sentir e abraçar todo esse longo processo em seus erros e acertos. Ainda estamos tão no começo e tanto já aconteceu. Já surpreendeu. É um exercício bem maluco manter esse corpo-personagem aberto ao que chega”, explica. 

Camila Márdila (Foto: Divulgação)

De fato. Sua ativista Amanda começou a trama rompendo um namoro com Danilo (vivido por Chay Suede), se infiltrou na empresa do maior inimigo planejando uma vingança, conheceu o ambientalista Davi (Vladimir Brichta), se apaixonou por ele e, agora, está sendo pressionada por Vitória (Taís Araújo) a largar o emprego na empresa pela qual jurou vingança em nome do pai. Parece muito? Pois ainda vem mais. “Da Amanda podemos esperar cada vez mais obstinação no seu desejo de justiça e menos medo do perigo. Ela é incansável e, a cada ameaça, ela ressurgirá mais forte e destemida. Seu ideal de mundo se torna mais apurado e radical, o que provoca a ira voraz de seus poderosos inimigos. Sem um minuto de sossego, podemos esperar ainda muito mais agitação e boas doses de ação”, adianta Camila.

A atriz atua na trama das 21h da Globo (Foto: Diego Bresani)

Meu primeiro trabalho na TV foi em ‘Justiça‘, série dirigida pelo Zé Villamarim e escrita pela Manuela Dias. Desde então fiz outros trabalhos, como ‘Onde Nascem os Fortes‘ e ‘Onde está meu Coração‘, que estreia este ano, dirigida pela Luisa Lima, que conheci em ‘Justiça‘. ‘Amor de Mãe‘ foi um convite do Zé e da Manu, que vejo como resultado de um diálogo artístico que vem sendo construído com muita confiança e afeto. Fiquei muito feliz e empolgada quando me chamaram pra fazer a Amanda, essa personagem delirante em minha primeira novela”.

A atriz vive a destemida Amanda em “Amor de mãe” (Foto: Divulgação)

 Claro que, além do formato de obra aberta, outras diferenças entre as novelas e o cinema também existem. Uma delas é o alcance das tramas globais. “Na relação com o público, as abordagens são mais intensas, claro. Me divirto muito com a maneira como conversam sobre as personagens como se fossem íntimos delas todas. Gosto de ouvir os comentários e são sempre muito diversos. Cada um enxerga de uma maneira muito diferente do outro, de acordo com suas experiência pessoais. Bem no comecinho, por exemplo, algumas mães ficaram enfurecidas com minha personagem, porque achavam que eu instaurei a discórdia entre Thelma (Adriana Esteves) e Danilo. Já outras pessoas, que se identificaram de outra forma, vibraram com Amanda ‘mandando a real’ pro rapaz. De qualquer forma, meu dia a dia segue muito tranquilo, como sempre foi”, garante.

Amanda (Camilla Márdila) e Davi (Vladimir Brichta) (Foto: Reprodução/TV Globo)

Para ela, a atitude da personagem é extremamente compreensível: “Eu acho que a Amanda terminou o namoro principalmente por não ter enxergado, em anos de relação, um esforço do Danilo em sair da barra da saia da mãe. A Thelma poderia ser do jeitinho que ela é, contanto que ele tivesse lidado com isso de outra forma, talvez pudessem ter seguido juntos. Talvez não. Afinal, também acredito que não por acaso o término desse namoro se dá quando Amanda passa a trabalhar como secretária do Álvaro. Seu projeto de vingança vê o Danilo como um obstáculo, um ponto que poderia fragilizá-la, já que ela tem certeza que ele não seria um aliado e tentaria dissuadi-la dessa ideia”, analisa.

“Se fosse eu numa relação com um cara que toma pra si esse lugar de filho superprotegido, provavelmente um término não tardaria a acontecer. Até porque, a probabilidade desse cara buscar mais uma mãe que uma companheira no relacionamento é gigante, e meu ‘alerta cilada’ grita logo! E que as deusas conservem esse radar em pleno funcionamento, amém!”, diz.

Em cena de “Amor de mãe” (Foto: Reprodução/TV Globo)

O papel de uma ativista que ajuda ambientalistas e abordar a questão sobre o meio ambiente em uma trama global das 21h é uma enorme responsabilidade. E Camila lida com gosto. “É um grande desafio. Afinal, não basta jogar o assunto ali, há de se comprometer com o desenvolvimento dele no contexto que envolve as personagens. E isso torna tudo bem mais complexo – e interessante, ao meu ver. Diferente da função esperada de um bom jornalismo, no apuro e apresentação objetiva dos fatos – sendo um pouco simplista -, a dramaturgia envolve subjetividades, personagens, relações. E por mais que a ficção esteja extremamente calçada da realidade, ela deve ter sua liberdade garantida, promovendo talvez mais perguntas que respostas. Na novela, Davi e Amanda partem de um mesmo fato: a questão ambiental é urgente! E por mais que na trama eles possam vir a discordar e tomar rumos bastante diferentes nas suas abordagens, a emergência segue sobre o mesmo ponto: é preciso estancar esse abuso desenfreado e irresponsável de recursos de um planeta que é limitado! Pra mim, o fim do mundo não é uma bola de fogo caindo sobre a Terra, mas o homem destruindo com ela mesma numa ganância cega e surda. A gente precisa inverter a lógica da nossa existência nesse planeta e absorver a sabedoria indígena que alerta: a Terra não está aqui pra nós, somos nós que estamos aqui pra ela. O processo pra essas adaptações pode ser longuíssimo e árduo, mas ele precisa começar. Nas pequenas e grandes medidas”, alerta ela, que, além do papel, se apaixonou também por todo o projeto de “Amor de mãe“.

(Foto: Reprodução/TV Globo)

Antes ainda de um papel, as pessoas que compõem um projeto são meu primeiro ponto de interesse. Quero estar com uma equipe comprometida, com um olhar sensível e dedicado à história, afinal todos iremos contá-la juntos e isso precisa envolver alguma sintonia. Paralelo a isso, que história é essa? Qual sua relevância no diálogo com o mundo hoje? E aí então, provocada pelo todo, tento entender o que eu poderia oferecer à personagem em questão. Em geral, me interesso por personagens que me fazem sentir que eu poderia agregar algo à elas e elas a mim. Se essa conexão existir, passo a acreditar que posso ser veículo para que elas nasçam para o mundo, engrandeçam as histórias, e movam pessoas”, diz.

Sobre o “amor de mãe”, tema tão abordado na história, Camila tem suas próprias experiências: “Minha mãe e meu pai são os amores da minha vida. Identifico um pouco de Thelma em cada um, superprotetores, emotivos e exageradamente dedicados às crias, vejo um tanto de Lurdes na minha mãe, voraz, nordestina, força da natureza que bota o mundo de cabeça para baixo se for pelos filhos. Sou muito privilegiada na minha estrutura familiar. Minha mãe e meu pai sempre foram muito presentes e todos os nossos erros e acertos no correr dos anos foram baseados no amor incondicional. Não faltaram broncas, brigas e desentendimentos, mas a regra era nunca dormir chateado um com o outro. Era preciso sentar e conversar para então botar a cabeça no travesseiro”, conta.

Camila Márdila tem vasta experiência no cinema (Foto: Diego Bresani)

Já o amor de filha é o que move sua Amanda, que só pensa em vingar o pai por vê-lo com a saúde debilitada por conta do trabalho na empresa de Álvaro: “A vingança é uma chave muito perigosa. Por mais que ela se apoie em dados muito reais, até justos ou coerentes, sua sina é consumir a alma do vingador. O pensamento obsessivo, a manutenção desse sentimento odioso, vai muito contra o que eu considero ‘viver bem’. É uma energia estancada, ressentimento deixando tudo amargo. Por outro lado, essa potência justiceira é um incrível material para uma personagem, porque ela rompe a normalidade dos fatos, e abre espaço para o inesperado acontecer. Tudo é possível sob a perspectiva da vingança. E no caso da Amanda há uma reinvenção desse sentimento, que é ampliado e ressignificado a cada novo elemento que se soma na história. Tudo começa com o pai. Mas e as outras pessoas que foram e ainda serão envenenadas por uma empresa irresponsável? E o ecossistema da Baía de Guanabara onde despejam lixo? E aquela comunidade próxima que depende dessa água pra sobreviver? Está tudo interligado e misturado nessa avalanche de angústias que alimentam o desejo de fazer justiça. A Amanda, de fato, toma pra si o papel de uma heroína implacável, ainda que, por vezes, controversa. Ela acredita que só alguém tão tomada por essa obstinação poderá romper algumas fronteiras mais perigosas. É o amor de filha que a torna capaz de tudo, de matar e morrer, pelo o que acredita”, analisa.