Pérolas no meio do nada: na mesmice de “Transformers: A Era da Extinção”, diretor critica o cinema-pipoca e a pirataria!


Apesar do baíxissimo grau de rendimento do roteiro, salvam-se algumas ótimas sacadas nesta nova empreitada para faturar brinquedinhos!

Logo no início do filme, a cena em que o protagonista interpretado por Mark Whalberg adentra um belo cinema abandonado no empoeirado interior do Texas já dá a pista de como será “Transformers – A Era da Extinção (Transformers: Age of Extinction, Paramount, 2014): um blockbuster de verão produzido para levar às salas de exibição milhões de crianças de todas as idades e fãs do brinquedinho, mas que, a despeito de toda a grana gasta nessa superprodução, não se leva a sério, além, claro, do objetivo de fazer muito dinheiro. Espécie de inventor maluco às voltas com hipotecas, Cade Yeager (Whalberg) descobre dentro do tal espaço um velho caminhão que é o próprio Optimus Prime, o líder dos Autobots (os robôs alienígenas bonzinhos da série), em estado de suspensão animada, enquanto o dono daquele belo e decadente estabelecimento vai logo entregando o motivo pelo qual aquela belezura (a sala de exibição!) chegou àquele ponto: “Herdei esse cinema do meu avô, mas hoje em dia não dá pra manter uma sala assim. Em Hollywood atualmente só se faz remakes e sequências, tudo uma porcaria!”

Naturalmente, um longa que brinca consigo mesmo dessa forma acaba merecendo no mínimo uma espiada, mesmo sendo mais do mesmo e comandado por Michael Bay, um diretor tão over quanto uma prima donna da ópera chegada a um agudo de rachar xícara. O cineasta – sem nenhum atributo maior que ser um eficiente catalisador de lucros para o estúdio – e o produtor executivo Steven Spielberg se divertem neste quarto filme da franquia que tocam. Indiscutivelmente o melhorzinho, já que ambos se esbaldam no uso de referências tiradas de outros filmes-pipoca. Está tudo lá: os robôs-tiranossauro rex que correm pela telona reproduzem “Jurassic Park”, a nave gigante dos Decepticons (robôs maus) por dentro se assemelha tanto à Nostromo, a espaçonave de “Alien – o oitavo passageiro”, quanto aos cubos borg de “Star Trek”, sua sala de armas e troféus lembra o arsenal de “Predador”, a destruição dos arranha-céus de Hong Kong parece o quebra-pau na Nova York de “Os Vingadores”, os autômatos poliformos parecem o andróide mau de “O Exterminador do Futuro 2” e até a multidão de orientais, correndo apavorados para lá e para cá e fugindo dos robôs gigantes que lutam entre si, faz menção às películas de monstro da produtora japonesa Toho. No fundo, o filme não passa de um Frankenstein feito com colagem de outros sucessos de bilheteria.

Apesar disso, o longa até funciona, mesmo com a história boboca, o roteiro insosso, os personagens mal construídos e a quantidade absurda de clichê utilizados, coisa que não fará a menor diferença para o público acostumado a consumir este tipo de produto. Afinal, é um filme para crianças (e para os Peter Pans que se recusam a crescer) e, na hora de pegar os autômatos da Hasbro e simular uma briga, a petizada se divide mesmo entre bons e maus, sem nuances intermediárias. Logo, o roteiro do filme precisa ser tão preto no branco quanto a delimitação maniqueísta de papeis no divertimento de playground.    

Este slideshow necessita de JavaScript.

Fotos: Divulgação

Dessa vez, para vender brinquedinhos a tropa de choque da Paramount, aliada à Hasbro (a companhia que detém o direito dos Transformers), opta por aposentar o Galinho Chicken Little Shia LaBeouf, astro dos três primeiros filmes da franquia e atualmente às voltas com seu tratamento contra dependência química. Basta dizer que, há menos de um mês, o garotão foi retirado de um teatro nos Estados Unidos por causar arruaça e fumar em ambiente fechado, tendo sido levado algemado e com uma focinheira tipo “Hannibal style“, enquanto xingava os policiais. Obviamente um mal exemplo para a criançada que consume os tais bonequinhos, ele foi prontamente dispensado pelos produtores, sendo substituído nesta nova etapa da série por um Whalberg agora quarentão, que saboreia o papel de papai-sabe-tudo e tem como filhota a it-girl Nicola Peltz. Esta, por sua vez, interpreta uma espécie de periguete que tem muito a explicar ao grande público: como consegue andar de salto alto na topografia irregular do interior do Texas e como a poeira não entra por dentro do seu minúsculo shortinho jeans. Mistério até mesmo para Paris Hilton.

Até pouco tempo atrás, ela faria par romântico com o galã, que continua em forma – mesmo sem o abdômen-tanquinho da época em que cantava rap e posava para o underwear do Calvin Klein sob a alcunha de Mark Marky. Mesmo assim, ele continua dando um caldo, vai agradar às maezocas que levarem seus pimpolhos para assistir ao filme e tem lá seu carisma, se esforçando para imprimir alguma dignidade ao batidíssimo arquétipo do viúvo bom coração que cuida da prole enquanto torra o que sobrou das economias domésticas em projetos mirabolantes.

Compõe o trio de protagonistas Shane Dyson, o mocinho que interpreta o namorado da ninfeta, tão expressivo como um robô oriundo do espaço sideral e uma espécie de Bruno Gissoni das telonas, que não serve nem para tirar a camisa em cena, já que aparenta esbanjar nos pneus. E, como nem só de autômatos alienígenas sem alma e personagens-clichê sobrevive uma produção arrasa-quarteirão, os executivos da Paramount escalaram para vilões humanos dois talentos de peso, Kelsey Grammer e Stanley Tucci, os dois à beira da canastrice.

Mas, no final, o melhor talvez seja conferir como, nas entrelinhas, o longa-metragem brinca com o mundo globalizado, cheio de perigos para o consumo: em dado momento, os vilões humanos transferem para a China sua unidade fabril de robôs em série, desenvolvidos a partir da sucata de Transformers mortos em combate. Sim, esses genéricos dos Autobots e Decepticons originais equivalem às cópias baratas confeccionadas aos borbotões no país amarelo, em alusão direta à pirataria. E dão defeito, é claro! Divertidíssima sacada, ótima para sem usada como propaganda subliminar. Afinal, além de ser a mais contundente usina de sonhos do último século, Hollywood também não se consolidou como a mais poderosa arma midiática de pulverização de ideias?

Trailer oficial (Divulgação)