Tati Vilella estreia na TV em nova novela das 19h e faz reflexões sobre corpos e narrativas negras no audiovisual


Premiada no Festival do Rio em seu primeiro filme, a atriz e dramaturga celebra as conquistas: está em ‘Vai na Fé’, próxima trama da Globo no horário das sete, anuncia que pretende voltar em 2023 com ”Amor e outras Revoluções’, sua primeira autoria para teatro, espetáculo que faz ao lado da namorada, a também atriz Mariana Nunes; fala ainda do trabalho ativo em dois coletivos artísticos e dos desejos daqui para frente: “Tanto no audiovisual, quanto na TV, quero estar à frente e atrás das câmeras. Temos uma urgência de vermos nossas histórias sendo contadas. É fome de arte, história, pertencimento”

*Por Brunna Condini

Tati Villela está cheia de primeiras vezes emocionantes na carreira. Aos 35 anos, atriz e dramaturga há 10, este ano ela montou seu texto de estreia no teatro ao lado da namorada, Mariana Nunes, o espetáculo ‘Amor e Outras Revoluções’; também levou o Troféu Redentor na 23ª edição do Festival do Rio na categoria melhor atriz por seu desempenho no filme ‘Mundo Novo’, de Álvaro Campos; e já grava sua primeira novela ‘Vai na Fé’, próxima trama das 19h na TV Globo, com roteiro de Rosane Svartman. “Muitas coisas maravilhosas acontecem na minha vida. Me sinto privilegiada, do tipo de pessoa que tudo que deseja, consegue. Quis muito o que está acontecendo hoje. Acredito que conquisto as coisas porque tenho muito foco e canalização de energia. Confio em energia. Então, penso energeticamente e estrategicamente. Além de ter muita fé. Acredito e vou”, diz Tati.

Temos uma urgência de vermos nossas histórias sendo contadas. É fome de arte, história, pertencimento – Tati Vilella, atriz e dramaturga

E comenta sobre a novela na Globo:  “Comecei a gravar na semana passada e a minha personagem é a Naira. É uma proletária e trabalha com segurança, vai lutar, correr, vou ter cenas de ação. E eu, sendo uma mulher preta, grande, quero trazer leveza e doçura para ela. Gosto de fazer esse trabalho de desconstrução, acho que essa personagem vai me proporcionar isso, mostrar um outro lado de uma mulher preta na TV. Tentar sair um pouco dos esteriótipos em que nos colocam. As gravações estão super intensas e estou trabalhando com pessoas que admiro muito, como a Renata Sorrah. É um momento de adaptação de uma nova linguagem. Eu e Mariana – que está no elenco de ‘Todas as Flores’ –  trocamos experiências sobre os trabalhos que estamos fazendo, tem sido incrível”.
Tati Vilella fala sobre primeiro filme premiado e estreia em novela da TV Globo (Foto: Charles Pereira)

Tati Vilella fala sobre primeiro filme premiado e estreia em novela da TV Globo (Foto: Charles Pereira)

Peça a duas

Discreta em relação à vida pessoal, Tati comenta sobre seu namoro com Mariana Nunes. “Não gosto de falar da intimidade por um misto de coisas. Sou um pouco tímida, e também não quero que nossa relação fique midiática, sabe? A gente sendo discreta já passa por situações bem chatas. Então, optamos por resguardar algo que é muito nosso. Estamos aprendendo a fazer isso de uma forma que a gente se sinta bem, sem ficarmos tão expostas. Acho que futuramente vamos estar mais abertas, mas agora estamos nos fortalecendo juntas. Tudo no seu tempo. Na verdade, nunca gostei de ficar expondo minha vida amorosa, prefiro falar sobre outras coisas”, afirma.

Tati Vilella e Mariana Nunes voltam à cena com 'Amor e Outras Revoluções' em 2023 (Foto: Charles Pereira)

Tati Vilella e Mariana Nunes voltam à cena com ‘Amor e Outras Revoluções’ em 2023 (Foto: Charles Pereira)

“Fizemos uma peça onde colocávamos no centro da cena um casal de mulheres, expondo seu amor, inquietações, conflitos. Já era muita exposição (risos). Foi uma experiência maravilhosa e lindo esse movimento em volta. Foi um sucesso, tanto que pretendemos voltar com o espetáculo ano que vem, entre o primeiro e o segundo semestre”, conclui Tati, sobre a montagem que provoca a reflexão do público a respeito dos obstáculos que esse amor encontra na sociedade diante das interferências do racismo e da homofobia, e como isso reverbera no relacionamento dessas mulheres.

O chamado e o caminho

Nascida e criada em Niterói, no bairro do Cubango, ela recorda o trajeto até se render à inquietação artística. “É um bairro periférico, de um lado é muito pobre e de outro, muito rico. Cresci em um família preta linda, com meu pai, mãe e irmão. E já haviam artistas na família, sambistas, compositores, escritores. Só que nem todos puderam exercer plenamente sua arte, já que precisavam de outra atividade para se manter. Eu sou das que consegue viver como artista. Tenho tias que cantavam lindamente, mas precisaram buscar outros caminhos, como empregadas domésticas, funcionárias públicas”, conta.

Muitas coisas maravilhosas acontecem na minha vida. Me sinto privilegiada, do tipo de pessoa que tudo que deseja, consegue – Tati Vilella, atriz e dramaturga

Tati Vilella revisita sua trajetória: da Química aos palcos e sets (Foto: Charles Pereira)

Tati Vilella revisita sua trajetória: da Química aos palcos e sets (Foto: Charles Pereira)

“Venho de uma família muito bem estruturada. Meus pais sempre prezaram pelos meus estudos. Meu pai hoje é funcionário público aposentado e minha mãe enfermeira aposentada. Eles sempre acreditaram no poder da educação. Eu lembro que desejava ser atriz desde pequena, fiz teatro na escola, na UFF. Fazia testes também para ser modelo, porque sempre fui magra e alta. Comecei a fazer alguns desfiles, mas a coisa não engatava. Hoje entendo muitos dos porquês: tinha o cabelo que não gostavam; era magra, mas tinha bunda. Acabei ficando no teatro, fiz algumas peças adolescentes em Niterói e quando chegou a hora de escolher a faculdade, aos 19 anos, não dava para escolher o teatro, não dava para ser pobre, precisava mudar a trajetória da galera da minha família. Decidi então fazer Química e fui estudar na faculdade Rural, em Seropédica. Gostava da matéria. Só que chegou lá e comecei a fazer parte dos grupos de teatro da faculdade (risos). Mas acabei me formando”, recorda.

Eu e Mariana optamos por resguardar algo que é muito nosso. Não quero que nossa relação fique midiática, sabe? – Tati Vilella, atriz e dramaturga

A atriz em cena do filme 'Híbrido', em fase de produção, da Confraria do Impossível, coletivo artístico do qual faz parte (Reprodução/ Instagram)

A atriz em cena do filme ‘Híbrido’, em fase de produção, da Confraria do Impossível, coletivo artístico do qual faz parte (Reprodução/ Instagram)

“Antes de me formar, eu havia passado para uma bolsa de mestrado, era um dinheiro bom. Vim morar no Centro do Rio de Janeiro, estudava e voltei a circular no meio da arte. Depois comecei a fazer a escola de teatro da Martins Pena e acabei o mestrado. Mas nunca mais visitei nada disso. A arte me chamou, precisava ser feliz, afinal temos uma vida só. Tenho essa fome de viver, de ser múltipla artisticamente, de interpretar, escrever, dar aulas, oficinas. Chegou um momento da minha vida que realmente resolvi apostar em mim e fui de cabeça. Passei por momentos ruins, de trabalhar em bar depois de ter mestrado, de pensar que já poderia estar estabilizada. Mas depois encontrei a minha galera artística. Na Confraria do Impossível e no Grupo Dembaia (família na língua da etnia Susu), que são empresas de arte, venho desenvolvendo meu ofício de escrita, dramaturgia e comecei a produzir muito. Também me formei em roteiro, conquistei um conhecimento amplo de cinema e fui me potencializando através dos encontros. Por isso, tanto no audiovisual, quanto na TV, quero estar na frente e atrás das câmeras. Temos uma urgência de vermos nossas histórias sendo contadas. É fome de arte, história, pertencimento”.

Tati em cena no espetáculo 'Cintinopolis' (Foto: Aguinaldo Flor)

Tati em cena no espetáculo ‘Cintinopolis’ (Foto: Aguinaldo Flor)