“Sofri abuso em um relacionamento em que não via o que estava me abafando, Não enxergava”, diz Elisa Volpatto


Na pele da delegada Anita no sucesso ‘Bom dia, Veronica’, na Netflix, a atriz fala da personagem que é antagonista da Verônica de Tainá Muller, expondo como o machismo estrutural afeta inclusive mulheres. “Minha personagem mostra machismo respingando na mulher. Já eu, sou feminista e apoio as manas”, frisa

*Por Brunna Condini

Ela é uma espécie de antagonista em ‘Bom dia, Verônica’ série elogiada e entre os top ten da Netflix. Elisa Volpatto é a delegada Anita que tem suas rusgas com a policial Verônica do título, vivida por Tainá Müller. E se na trama sua personagem se incomoda com o idealismo da protagonista – uma inexperiente escrivã – na vida, a atriz é uma feminista e apoia suas ‘manas’ com convicção e sororidade. “Não é porque estamos fazendo uma série empoderada, feminista, que não vamos retratar que o comportamento machista não respinga nas mulheres também”, diz. “Eu e Tainá não quisemos deixar essa relação delas no mi mi mi. Elas divergem, pensam diferente. A Verônica é audaciosa, atravessa a hierarquia. E a Anita, além dela, comanda muitos homens. Não deve ser fácil para uma mulher dentro desse universo chegar neste lugar. Cria-se uma casca”.

“Não é porque estamos fazendo uma série empoderada, feminista, que não vamos retratar que o comportamento machista não respinga nas mulheres também” (Divulgação)

Elisa se anima quando pensa na repercussão da série e no retorno que tem recebido. “Muita gente diz: te odiei neste trabalho, te achei uma ‘escrota magnifica’ (risos). E dizem que se eu causei isso é porque fiz um bom trabalho. Estamos felizes com a repercussão. Logo que assisti a série falei com Tainá que sabia que era um assunto forte e chamaria atenção, mas tem sido muito rápido. Acho que essa resposta imediata do público tem a ver com a vontade de falar do tema que gira em torno da violência doméstica, da violência contra a mulher. Acho que o espectador tem vontade de gritar junto com a gente. Tenho visto grupos de mulheres compartilhando e recomendando que outras assistam. E pessoas que passam por algo análogo se sentem representadas”.

Com esse sucesso todo já existe previsão de uma segunda temporada? “Não sei (risos). Não sei de nada a esse respeito, mas acredito que com toda essa repercussão deva ser uma possibilidade concreta. Posso dizer que tenho vontade de desenvolver mais a Anita. Para além deste machismo que ela está impregnada na primeira temporada. Mesmo estando em situação de poder, ela reproduz algo que fomos ensinadas”.

‘Posso dizer que tenho vontade de desenvolver mais a Anita. Para além deste machismo que ela está impregnada” (Divulgação)

A gaúcha de 33 anos completa: “Sou uma feminista na vida. Meu grupo de teatro aqui, em São Paulo, tem essas pautas, o ‘Vulcão [criação e pesquisa cênica]’. Fundei o coletivo ao lado de outras atrizes em 2016 e desenvolvemos a temática do espaço social da mulher. Realizamos o espetáculo ‘Pulso’, dirigido pela minha parceira Vanessa Bruno, inspirado na poetisa norte-americana e ícone feminista Sylvia Plath, que foi acachapada. E, no momento, estamos em fase de construção de “Orlandx”, inspirado no romance de Virginia Woolf que conta a história de um homem que, após 300 anos de vida, acorda mulher”, conta Elisa.

“E é por isso e pela minha história que muitas cenas como Anita, lidando com outras mulheres, me doíam um pouco. Tipo umas de interrogatório, onde parece que a vítima que é a culpada quando você pergunta sobre a roupa que estava usando, se bebeu ou não, entende? Poxa, ela é a vítima. Gravar isso foi difícil para mim. Na vida eu apoio todas as manas. A Anita foi um desafio do início ao fim. Nunca tinha vibrado nesta energia. Inclusive para defendê-la. Fazê-la trouxe ainda mais reflexão para este momento”.

Em seu lugar

No início deste ano, antes do período de isolamento social causado pela pandemia do novo coronavírus, a atriz estava gravando a segunda temporada da série ‘Aruanas’, da Globoplay. As gravações serão retomadas só em 2021. Elisa salienta ainda, a congruência temática de violência contra a mulher em outras séries recentes que fez, como ‘Assédio’, dirigida por Amora Mautner. A obra é inspirada na história real de Roger Abdelmassih, condenado a mais de 173 anos de reclusão pelo estupro de pacientes, e ‘Vítimas Digitais’, de João Jardim, na GNT. “Esses produtos colocam luz na história das mulheres, no discurso delas. E não no agressor. Esses assuntos me perseguem e me interessam. Estou falando do tema em veículos diferentes, mas tudo muito na mesma linha. Tenho tido vontade de gritar cada vez essas questões sociais graves por meio da minha arte, que é o que posso fazer, e já é uma atitude política”, analisa.

“Esses produtos colocam luz na história das mulheres, no discurso delas. E não no agressor. Esses assuntos me perseguem e me interessam” (Foto: Sabrina Gabana)

Ela acredita que a sociedade vem mudando, mas que ainda há muito espaço para ser tomado e muitos diálogos para serem travados. Elisa destaca também a necessidade de empatia quando falamos de violência contra a mulher. “Eu mesma já passei por abuso. E conheço muitas mulheres que já passaram. Aliás, acho difícil mulheres que não tenham enfrentado alguma situação de assédio moral, físico. Já tive um relacionamento em que não via o que estava me abafando, não enxergava. A gente fica meio cego quando está dentro”.

“Eu mesma já passei por abuso. E conheço muitas mulheres que já passaram” (Foto: Sabrina Gabana)

Novela

A atriz também acaba de lançar o curta-metragem *E se fossem crianças*, dentro do projeto ‘Crônicas da Pandemia’, idealizado pelo cineasta André Gustavo e todo gravado com o celular durante o período de isolamento social e dirigido via zoom, com roteiro de seu companheiro, Guto Portugal.

Além disso, para o primeiro semestre de 2021 também está previsto o lançamento do longa-metragem ‘Depois de Ser Cinza’, dirigido pelo cineasta gaúcho Eduardo Wannmacher. “Me sinto muito privilegiada. Sou grata de seguir trabalhando nestes anos todos, porque não é fácil viver da profissão. Essa pandemia foi um momento que refleti ainda mais sobre isso, porque escancarou as desigualdades sociais. Isso foi uma das coisas que mais me bateu. Hoje é só gradecer, nada a pedir. Só pelos outros”.

E deixa escapar um desejo: “Gostaria de fazer uma novela. É uma dramaturgia que não conheço e sonho em experimentar”.

“Gostaria de fazer uma novela. É uma dramaturgia que não conheço e sonho em experimentar” (Foto: Sabrina Gabana)