Uma das revistas mais simbólicas sobre a temática LGBT dos anos 1990 e 2000, a G Magazine está no centro de uma polêmica entre o Globoplay e a Jetix, empresa que possui em seu catálogo um conglomerado de marcas de produtos extintos, como as revistas Chiques e Famosos, Íntima e Pessoal e a própria G Magazine – tanto neste nome como no antigo, “Bananaloca“. Advogado e representante da Jetix, Rodrigo Ipolito Rodrigues da Silva diz que “até o momento” ninguém do Globoplay os consultor formalmente para falar sobre o uso do nome e da marca no documentário que o player da Globo está preparando e que tem estreia prevista para 2025.
Em agosto de 2024, a Globoplay anunciou que faria um documentário sobre a G Magazine revista publicada entre abril de 1997 e junho de 2013, com uma periodicidade mensal ao longo de mais de 15 anos. De acordo com o Instituto Verificador de Circulação (IVC), a revista registrou uma média de vendas de 180.000 exemplares por edição. Em 2008, a revista foi vendida ao grupo norte-americano Ultra Friends International da forma “porteira fechada”, ou seja, com tudo dentro – desde marca, logo, arquivos, domínio de site e produtos relacionados.
Durante sua trajetória, a revista contou com a participação de diversos artistas, atletas e personalidades que realizaram ensaios fotográficos, incluindo Alexandre Frota, Mateus Carrieri, Roger Moreira, Vampeta, Latino, Túlio Maravilha e Victor Wagner. Inicialmente chamada “Bananaloca”, em razão de dois jornalistas já terem essa marca registrada, houve uma ruptura entre os sócios ainda em 1997, ano do seu lançamento, e isso acabou por rebatizar, em outubro daquele ano, a publicação com o nome com o qual ficou famosa. As negociações com os modelos de capa era sempre delicadas, porém com os jogadores de futebol, mais.
Consideramos que, por ser um material inteiramente baseado na G Magazine, deve haver um diálogo entre as partes para evitar conflitos de interesse. Como o documentário será exibido em uma plataforma paga, é possível que sua produção seja interpretada como exploração comercial da marca de terceiros. Estamos abertos a uma conversa transparente com a TV Globo para garantir que o projeto seja benéfico para todos os envolvidos” – Rodrigo Ipólito, advogado e representante da G Magazine
Procurada, a Globo emitiu a seguinte nota: “Os Estúdios Globo estão produzindo um documentário biográfico sobre a história da revista G Magazine e a sua importância na década de 1990 no Brasil, para a comunidade LGBTQIA+, bem como o efeito na vida dos diversos personagens da época, incluindo a fundadora da revista, Ana Fadigas”.
Fontes ligadas à produção do documentário ressaltam que até o momento a série segue sendo produzida normalmente, em vias de finalização, e com lançamento previsto para o ano que vem. No que tange à G Magazine, o pedido de registro da marca deu-se em 01/03/2023 e deferido pelo INPI em 10/09/2024. A Globo anunciou a produção do documentário em agosto. Os direitos do uso da marca pela Jetix se estendem por 10 anos, ou seja, até 10/09/2034.
Rodrigo Ipólito intenciona relançar a G ainda em 2025 como uma revista eletrônica gratuita com jornalismo e, claro, com a nudez masculina. Para ele, “há uma percepção de que o mercado editorial tem tratado os temas relacionados à comunidade LGBTQIAPN+ de forma superficial, muitas vezes reforçando estereótipos. A nova G Magazine vem como um refúgio, oferecendo um espaço que combina credibilidade jornalística com representatividade. O formato escolhido será o de uma revista eletrônica gratuita, acessível a todos, reafirmando o compromisso com a democratização da informação e o fortalecimento de vozes diversas”.
A Jetix, empresa nova no mercado, especializou-se em trazer para o seu catálogo, títulos de publicações extintas ou, de certa forma, abandonadas. Seu próprio nome é o mesmo de um extinto canal da Disney, da TV por assinatura. Em se falando de Disney, eles também detiveram a marca “TV Cruj“, nome do quadro do programa “Disney Club” exibido pelo SBT entre 1997 e 2001, que mudaria mais tarde para “Disney Cruj“. A Jetix também tentou ter os direitos sobre o nome e a logo da Revista Ele Ela, do catálogo da Bloch Editores, indeferido em julho deste ano, por “imitar os seguintes registros de terceiros, sendo, portanto, irregistrável”.
Atualmente, todas as marcas citadas, com exceção da Ele Ela, estão no nome do próprio Rodrigo Ipólito. A empresa também requer o uso dos nomes “Note e Anote“, antigo programa da Record, apresentado por Ana Maria Braga e “Notícias Populares“, extinto jornal paulistano, segundo consta no site do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O site tentou contato com o SBT para saber sobre a possível perda dos direitos do uso do nome “TV Cruj“, ou se já o teve, e a emissora disse não o haver registrado, bem como as variantes do programa – como “Disney Club” e “Disney Cruj“.
A aquisição dos direitos de uso de marcas e logos pela Jetix seria assegurada pela Lei da Propriedade Industrial 9.279/96, cedida pelo órgão em razão da caducidade, ou seja, a marca foi “abandonada” por seus então proprietários e por isso ficou “sem dono”. “A titularidade nos foi concedida em decorrência da caducidade, um procedimento legal. “Nós detemos os direitos da marca e logotipo da G Magazine, conforme registro concedido pelo INPI após a declaração de caducidade do registro anterior. O processo foi conduzido estritamente dentro dos parâmetros legais, por meio de pedido de caducidade junto ao INPI, devido à falta de uso da marca pela antiga titular, Fractal Edições”. A Jetix é tácita ao afirmar que não houve compra da marca, apenas o seu registro e reivindicação através desse dispositivo legal.
Fontes extraoficiais apontam também que supostamente haveria uma dívida da Fractal Edições com ex-funcionários do grupo. Falida e fechada desde 2023, não conseguimos contato com os representantes da empresa até o fechamento desta matéria. Contudo, a Jetix diz não ser a sucessora dos passivos da empresa, bem como de seus ativos. Por ter direito apenas à marca, seria uma nova empresa. “A aquisição da titularidade da marca G Magazine por meio do processo administrativo de caducidade no INPI não nos torna sucessores dos passivos da antiga empresa, Fractal Edições. A marca é um ativo distinto da pessoa jurídica que a detinha anteriormente. Logo, a marca G Magazine não deve nada a ninguém. Assim, quaisquer questões relativas a direitos trabalhistas ou outras obrigações da Fractal Edições devem ser tratadas no âmbito do processo de falência da referida empresa. Não temos ingerência sobre essas questões e não nos cabe legalmente assumir responsabilidades por obrigações pretéritas da Fractal Edições. Que os ex-funcionários busquem orientação junto ao administrador judicial da massa falida ou seus advogados para tratar de seus direitos”, pontua Rodrigo Ipólito.
Sobre os antigos ensaios e publicações, a empresa também se exime de qualquer responsabilidade, quanto a qualquer suposto pirateamento – já que todo o acervo está disponível e acessível na Internet. “Antes mesmo de lançar o projeto, formamos uma equipe jurídica especializada para atuar em casos de pirataria e uso não autorizado de conteúdo da G Magazine. Perfis em redes sociais, sites ou plataformas que infrinjam direitos autorais ou de marca serão devidamente notificados e removidos. Nosso compromisso é proteger a integridade da marca e garantir que os conteúdos sejam acessados de maneira ética e autorizada”.
A empresa prossegue dizendo que não tem nem mesmo ela, acesso aos arquivos históricos da G Magazine. “Esse acervo não integra o projeto atual, pois não temos qualquer relação com os antigos proprietários da marca. A nova G Magazine é totalmente independente. Não exibiremos o conteúdo produzido anteriormente, o que nos permite moldar uma identidade completamente nova e alinhada aos valores contemporâneos”, diz Ipólito.
NOVA G
Segundo afirma Rodrigo Ipólito, a ideia de retomar a revista “surge como parte de um projeto maior do conglomerado de marcas pertencente à Jetix. Este conglomerado pretende se posicionar como uma das maiores licenciadoras de marca no mercado, além de se consolidar como uma empresa de criação e desenvolvimento de formatos para TV e streaming. A escolha da G Magazine como projeto inaugural foi estratégica devido ao peso histórico da marca e seu potencial para alavancar iniciativas futuras”.
Em um tempo em que plataformas como OnlyFans e Privacy e de conteúdo erótico acessível de forma gratuita tanto no X/Twitter como nos sites do gênero, a “nova” G supostamente recusa estabelecer parceria com esses produtores de conteúdo, num primeiro momento.”Estamos abertos a parcerias comerciais, visto que não há concorrência direta entre nossos produtos. O diferencial da G Magazine não está na nudez por si mesma, mas na combinação entre jornalismo de alta qualidade e a apresentação artística da nudez masculina de figuras públicas e personalidades relevantes. Nossa abordagem não é apenas estética, mas também cultural e informativa, o que nos distancia dos modelos dessas plataformas”.
Como a edição dos exemplares seria gratuita, uma das formas de capitalizar, segundo Ipólito, seria mediante licenciamentos de produtos: “Além da revista eletrônica, o projeto envolve estratégias de licenciamento de marcas, criação de uma plataforma de publicidade contextual e o lançamento de uma linha de cosméticos. Há a negociação para trazer ao Brasil a fragrância “Voodoo”, já reconhecida internacionalmente, além da possibilidade de abrir lojas físicas com potencial de expansão via franquias”. Rodrigo, no entanto, não especifica o ramo do mercado que a G enquanto loja, se instalaria. Se como uma perfumaria ou uma sex shop, por exemplo.
Para um representante da revista em sua versão original, de 1997, o papel da publicação é pétreo no mercado editorial e para a comunidade LGBT. “A revista rompeu muitos preconceitos, quebrou várias barreiras, porque naquela época o jornalismo, especialmente o mais tradicional, era muito masculino. Acho que essa coragem que tivemos em entrar em um jornalismo mais direcionado, algo mais voltado para a cidadania, foram determinantes. Embora a publicação fosse muito conhecida pelas fotos de nudez, o diálogo que mantinhamos com os leitores era profundo e significativo. As matérias tinham esse foco. Criavam pontes entre o conteúdo e o público de maneira única, especialmente se pensarmos no contexto editorial da época. Comparar a G com qualquer outra coisa é complicado, porque ela era única nesse sentido. Criamos uma marca muito poderosa, mas, infelizmente, também enfrentamos problemas após a venda para outra empresa”.
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