“O filme é dedicado aos ‘grunkies’. Tribo de gente talentosa, mas que não quer se enquadrar”, diz Marina Lima


Documentário sobre a cantora estreia hoje no Rio e em outros estados brasileiros. Em entrevista exclusiva ao site, Marina e Candé Salles, que o dirige, falam do processo de criação. Ela também celebra os 40 anos de estrada em turnê comemorativa: “O plano é fazer festivais onde a maioria do público, por ser muito jovem, nunca me viu ao vivo. Outra coisa bacana é a programação visual, estou adorando e é uma novidade nos meus shows. Fora isso, terminar e lançar o meu songbook”

*Por Brunna Condini

O documentário de Candé Salles, que estreia hoje em circuito nacional, “Uma Garota chamada Marina”, não se propõe a ser o diário de Marina Lima ou de uma estrela pop. É mais que isso, conforme salienta o diretor: “O filme não tem a pretensão de biografar Marina. Pelo contrário. O filme é bem louco! Do jeito que tinha de ser. Sem ser óbvio. Eu ofereço ao público o meu olhar sobre essa artista, mostro a Marina que cheguei perto e agora quero dividir com as pessoas que gostam dela”, detalha. “Hoje estreia em sete cidades: Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Curitiba, Belo Horizonte e Brasília. Depois ele estreia no Canal Curta! ”, anuncia.

Marina Lima e Candé Salles. Ele retrata a intimidade da cantora no documentário que estreia hoje (Divulgação)

O registro traz o espectador para dentro do universo, bem privê, diga-se de passagem, de Marina Lima, e ao mesmo tempo, o coloca, em um aspecto voyeurístico, observando a vida da artista pelo “buraco da fechadura”. É isso, Marina? “Com certeza. E uns podem gostar, outros não”, diverte-se.

Candé Salles dirige Marina, em 2014, no filme “Uma Garota chamada Marina” (divulgação)

De qualquer forma, é bom se preparar para se envolver com o roteiro escrito a quatro mãos, por Candé e Marina, que reflete momentos marcantes e cheios de poesia, da artista visionária, que há 40 anos canta o seu tempo. Candé, amigo há mais de 20 anos e ex-namorado, acompanhou Marina durante 10 anos (de 2009 a 2019), para realizar o filme. “Tive a sorte de acompanhar um período de muitas mudanças na sociedade, principalmente no que se refere à condição feminina que Marina, com suas músicas, retrata como ninguém”, diz o diretor, que registrou a intimidade de Marina Lima entre Rio, São Paulo, Porto Alegre e até mesmo na Alemanha, em Berlim.

Candé, como é ver nascer um projeto, em que tem tanto envolvimento, após tantos anos? “Marina diz que sem nossos produtores Letícia Monte e Lula Buarque de Holanda, esse filme não ficaria pronto nunca. Eu não pararia de filmar se não fosse eles me darem prazos e metas”, admite, aos risos. “Leticia e Lula colocaram ordem nos anos de material filmado com tanto amor, e, agora com a estreia, poder mostrá-lo para público me dá muita alegria. E trabalhar com a Marina, só fez o trabalho fluir melhor”. Marina faz coro, e acrescenta: “Foi a coisa mais natural”.

“Eu e Candé somos muito diferentes, aliás, já vi que isso me fascina”(Divulgação)

Mas será que em algum momento dessa jornada, a cantora temeu a exposição ou pensou em não continuar? “Não. Primeiro, porque eu nunca pensei que isso fosse ser lançado. Na minha cabeça era um registro dele sobre a nossa vida, a minha vida, a vida dos “grunkies”. Esse filme é dedicado aos ‘Grunkies’, que é como chamo os alternativos, os loucos mesmo. É uma tribo de gente que pensa igual, tem muito talento, mas não quer se enquadrar. Quer ser livre. Essa é a minha turma. E como tudo que está nesse filme é de verdade, é como somos e o que penso da vida, eu não temo”, decreta.

Candé complementa, informando que o documentário pretende mostrar uma Marina Lima nunca vista antes: “Em todo esse tempo de carreira, ela só tem um único DVD. Com esse projeto quis, além de homenagear, revelar o que pensa e mostrar quem é esta artista de perto”.

Marina Lima e Candé Salles em um dos sets da produção que estreia hoje em sete estados brasileiros (Divulgação)

O que mais o atrai na trajetória da Marina? “Ela tem uma obra. São 22 discos. Mais de 300 músicas. Me atraio por essa artista que não sucumbiu ao sistema, à fama, ao poder, ao dinheiro, e mesmo assim, construiu uma obra linda e popular”, frisa o diretor. “Marina não estudou música para ser cantora. Estudou para ser maestrina. Daí, se juntou com Cícero, (Antônio Cícero, irmão da cantora, compositor, poeta e membro da Academia Brasileiras de Letras), e começou a cantar. Marina segue aprimorando seu talento até hoje com muita disciplina e horas e horas dedicadas à sua música. Ela é uma estudiosa”.

O poeta e compositor Antonio Cícero e Marina (Acervo pessoal)

O que essa experiência dela pode inspirar nas gerações atuais e as futuras? “O Cao Albuquerque ( figurinista) dá uma entrevista no filme, e diz que a Marina ensinou as mulheres a saírem sozinhas. Adoro isso que ele fala: que nos anos 80, Marina saía sozinha, ia dançar numa boate sozinha, marcava com uma pessoa e na hora decidia ir para um outro lugar. Essa personalidade autêntica que ela tem, influencia muita gente até hoje”, compartilha.

O cineasta e Marina filmando na noite de São Paulo em 2015 (Divulgação)

O start para a criação do documentário veio com a mudança dela do Rio de janeiro para São Paulo? “Em 2009, fui morar com Marina na Lagoa, no Rio. Na época, ela estava insatisfeita com a cidade, gravava um disco, “Clímax”, no estúdio de sua casa, e ensaiava um show em Porto Alegre, com direção de Isay Weinfeld para estrear em São Paulo, uma temporada no Sesc. Aí, começou a falar que queria ir morar em São Paulo. E pensei: está rolando muita coisa aqui. Muita criação. Muita energia de mudança rolando. Vou filmar! Comecei a filmar tudo e fiquei filmando até 2019. Marina, na real, nunca se importou ou se preocupou com a minha câmera”.

Marina, que ama os animais, em um momento de carinho com sua poddle Karola (Divulgação)

O cineasta, aproveita para entregar algumas curiosidades que estão na produção. “Tem a relação dela com os bichos, por exemplo. Marina teve três poodles e ela tem muito amor pelos animais. Como filmei 10 anos, eles três morreram durante o filme e Marina adotou um gato, que deu o nome de Wesley Safadão. Acho essa relação de amor pelos animais reveladora. Pedro, o poodle de Marina, dormiu 22 anos na cama com ela. E ela confessa no filme: os bichos são os meus donos”, conta Candé. “Também adoro quando ela conta que posou nua para a icônica edição da playboy ( fotos Murillo Meirelles, direção de arte Giovanni Biancco e texto de Fernanda Young, em 1999 ) aos 45 anos, por prescrição médica do doutor Arnaldo Goldenberg”.

A cantora, por sua vez, fala da intimidade com o cineasta, que gerou o doc. “Nós somos muito diferentes, aliás, já vi que isso me fascina. Eu diria que eu e Candé somos complementares, eu consigo entender, rir e torcer pela loucura dele e vice-versa”.

Quando olha para sua carreira, do que se orgulha de ter construído? “Meu nome”, afirma. E comenta sobre a turnê comemorativa dos 40 anos de carreira, iniciada no fim do ano passado: “Já fizemos dois shows, no MECA, festival em Inhotim, e no Festival P.I, em Fortaleza. O plano é fazer festivais onde a maioria do público, por ser muito jovem, nunca me viu ao vivo. Outra coisa bacana é a programação visual, estou adorando e é uma novidade nos meus shows. Fora isso, terminar e lançar o meu songbook”.

Você sempre foi uma mulher de vanguarda, tocando em sentimentos e temas atuais, e embalou muitas gerações. Da sua extensa discografia, o que se faz presente nesta turnê ? “Ela é bem solar. Acho que ter “Criança”, “Beija-flor”, “Virgem” no repertório, provoca isso. Estou adorando”, diz, e confidencia sobre seus sonhos musicais: “Quero fazer um trabalho com o Mano Brown, lançar meu songbook, voltar a ter aulas de guitarra e teclado para compor melhor e cantar tudo que me interessar.

A cantora, que trocou o Rio por São Paulo, por que “sentia o Rio com preguiça e só olhando para o próprio umbigo”, mantém o papo direto e descomplicado, é estrelar, mas não tem ares de. Aos 63 anos, mantém a “garota” do título do filme viva e curiosa, e até por isso, tantas gerações seguem ainda descobrindo Marina Lima.

Hoje, se tivesse que participar, seria de que “festa em outro apartamento” (em alusão ao trecho do single “Acontecimentos”, de 1991)? “Uma festa com a Preta Ferreira, Maria Casadevall e os meus amigos em alguma quebrada dessas”.