No ar em “A Lei do Amor”, Marcella Rica comenta as ambições de sua personagem e se posiciona no tema estupro: “Como mulher, eu luto pela liberdade”


Engajada em outros movimentos sociais da modernidade, a atriz destacou a importância dessas lutas estarem ganhando força. Segundo ela, como figura pública, é uma “benção” poder dar voz a essas causas. “É muito bom fazer parte de uma geração que não deixa essas lutas em segundo plano, que cada vez mais levanta essas bandeiras, que vai para as ruas e briga pelo direito de ser, pela liberdade, pela segurança e principalmente pelo respeito”

Ela é um dos destaques de “A Lei do Amor”. Na pele da intensa Jéssica, Marcella Rica cresceu sua personagem com o passar dos capítulos. Na trama de Maria Adelaide Amaral e Vicent Villari, a jovem é extremamente ambiciosa, já se prostituiu, vendeu drogas e prejudicou a mãe, interpretada por Cláudia Raia, por dinheiro. Com tantos dramas que circundam a Jéssica, Marcella Rica contou que sua preparação precisou ser tão intensa quanto a personagem. Com um jeito doce e uma trajetória artística marcada por papéis meigos e delicados, a atriz precisou se redescobrir para o novo desafio no horário nobre. E as mudanças e preparações para o papel foram plurais.

Em entrevista ao HT, Marcella Rica disse que não precisou se dedicar muito à questão da prostituição porque, desde os primeiros capítulos, já sabia que esta seria uma consequência da ambição extrema da personagem. Por isso, a atriz preferiu mergulhar no assunto ganância. “A Jéssica é movida por uma ambição sem limites, capaz de passar por cima de tudo e de todos pra ascender socialmente, ter dinheiro, uma vida boa e tudo que ela sonha. A raiva da mãe vinha também do fato de ela não entender como a Salete (Cláudia Raia) não alimentava as mesmas ambições e como se conformava com aquela vida no posto de gasolina, que ainda atrapalhava seus objetivos, envergonhando-a socialmente”, explicou a atriz que teve o preparador de elenco Eduardo Milewicz como aliado para entender o pensamento da personagem.

Durante o laboratório, Marcella contou que analisou muitas séries que tinham histórias como a da Jéssica de “A Lei do Amor”. “Muito da composição corporal, os trejeitos, o cuidado com o cabelo, a paixão por bolsas e roupas de grife, eu busquei nessas séries, como ‘Gossip Girl’ e ‘Pretty Little Liars’. E acredito que a relação com a mãe foi fruto de um estudo conjunto, uma descoberta diária, resultado de uma linda parceria com a Cláudia (Raia), que me ajuda e ensina muito, sempre”, completou Jéssica que definiu o atual trabalho como uma “experiência maravilhosa”. “Com esta personagem, eu visitei muitos lugares até então desconhecidos pra mim. Sem dúvidas, a Jéssica é um presentão”, comemorou.

Marcella Rica interpreta a ambiciosa Jéssica, em “A Lei do Amor” (Foto: Vinicius Mochizuki)

Além da preparação artística e de todo o conceito criativo da personagem, Marcella Rica foi além para interpretar a Jéssica de “A Lei do Amor”. Dona de um visual meigo, a atriz passou a adotar as longas madeixas, emagreceu sete quilos e aderiu à postura mais sexy para o papel. Apesar de ter se dedicado durante alguns meses e visto toda a transformação para a personagem com o passar das semanas, Marcella contou que só enxergou a Jéssica em seu corpo quando vestiu os ousados e sensuais figurinos da personagem. “Até então, eu já estava fazendo preparação física, tinha mudado os hábitos alimentares e o cabelo. Mas só registrei mesmo a mudança quando me vi no espelho com tudo pronto”, contou Marcella que aprovou a mudança. “Estou amando essa oportunidade de fazer algo tão diferente de tudo que já fiz”, disse.

O fato é que o desafio, realmente, é uma das palavras que conduzem esta personagem de Marcella Rica. Como consequência da ambição sem limites de Jéssica, a jovem acabou sendo estuprada por Tião (José Mayer). Na novela, esta cena envolveu todo um cuidado e uma preparação especial para tratar de um tema forte e em alta nas discussões contemporâneas. “O caso da menina de 16 anos chocou e mobilizou milhares de pessoas em função da brutalidade e do horror que foi a história. Isso levantou uma discussão maior sobre o assunto, que é extremamente grave e muito mais frequente do que todos imaginam”, relembrou Marcella que, para a cena, estudou o assunto e se assustou com o que leu. “A cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil. Quando eu li isso pela primeira vez, me lembro da sensação do estômago embrulhando, de tentar imaginar a angústia dessas mulheres. Eu me lembro de sentir medo. E foi essa sensação que me preencheu em todas as cenas”, disse.

Por dentro dos discursos e histórias que envolvem o estupro moderno, Marcella Rica alertou que a ignorância da sociedade é um fator presente nos casos. “Muita gente acredita que o estupro acontece pela vítima usar uma roupa mais provocativa, por ter ingerido bebida alcoólica, ter dado a entender uma possibilidade de relação sexual e depois voltado atrás… Enfim, situações em que a vítima deveria supor que isso aconteceria e evitar com uma mudança no seu comportamento. No entanto, isso não condiz com a realidade, uma vez que 70% dos abusos acontece por pessoas que a vítima conhece. No caso de crianças, apenas 12,6% dos casos são praticados por desconhecidos. É um absurdo a frequência com que isso ocorre e ainda mais o fato do abuso muitas vezes começar de forma velada, naturalizada e a vítima se sentir coagida a ponto de muitas vezes até se sentir culpada”, indignou-se Marcella ao tratar do assunto.

Por outro lado, a atriz comemorou a oportunidade de abordar uma situação tão séria e frequente em nossa sociedade no horário nobre da televisão brasileira. “É preciso denunciar, sempre! Como mulher, eu luto pela liberdade, eu quero poder usar a roupa que eu quiser, me comportar como bem entender, sem que isso me coloque em risco, sem que qualquer atitude minha possa ser vista como um ato permissivo para uma agressão. É um prazer como artista fazer parte de um produto bem elaborado, bem cuidado, com uma linda direção, parceiros incríveis de trabalho, mas que além disso, tem um produto final transformador. A novela tem um alcance único, ela invade a casa das pessoas e é sim capaz de provocar mudanças através da dramaturgia”, completou.

Em tempos de novos discursos sociais, Marcella Rica reconheceu seu engajamento, principalmente na causa feminina (Foto: Vinicius Mochizuki)

Depois de viver essa experiência na ficção, Marcella Rica mergulhou ainda mais no assunto empoderamento feminino. Com um discurso altamente voltado e em valorização da mulher, a atriz comemorou que hoje estejamos vivendo um momento em que diversos movimentos estão dando vozes à minorias que por muito tempo ficaram caladas. “Apoio todo movimento que luta contra a desigualdade, cultura do estupro e pela queda de um pensamento repressor que inferioriza a mulher. Acho muito importante o feminismo estar tão em foco. É essencial essa luta em prol da liberdade de expressão, do respeito à mulher e que derrube as velhas desculpas culturais usadas pra justificar atitudes machistas. Abraço essa causa e sigo junto na luta, sempre. Eu acho uma vitória, um passo à frente dos muitos que ainda precisamos dar. É muito bom fazer parte de uma geração que não deixa essas lutas em segundo plano, que cada vez mais levanta essas bandeiras, que vai para as ruas e briga pelo direito de ser, pela liberdade, pela segurança e principalmente pelo respeito”, argumentou.

Com discursos e posicionamentos tão fortes, Marcella Rica disse que não reprime os seus pensamentos por ser uma figura pública. Pelo contrário. A atriz acredita que defender pontos de vistas como os apontados por ela é um dever de todo artista que preza por um mundo melhor e mais justo. Para analisar essa questão, Marcella Rica se apropriou de um pensamento da diva da dramaturgia Laura Cardoso sobre a função do artista nos tempos modernos. “O ator tem a obrigação de ser culto, de ir à escola, de estudar a vida inteira. Ele tem que acompanhar o seu tempo em todos os sentidos. O ator é uma coisa importante, ele fala com o povo, com o público. Ele não pode falar besteira”, relembrou Marcella o pensamento de Laura Cardoso. E a jovem atriz foi além: “Ser uma figura pública traz o desconforto de ser sempre avaliado, estar em análise frequente e traz também o medo de ser mal interpretada. Mas ao mesmo tempo, é uma benção poder ter uma voz com tanto alcance e poder usá-la para o bem, para fazer alguma diferença nesse mundo”, completou.

Mas não é só. Além do talento na teledramaturgia, no engajamento de questões da sociedade contemporânea e na consciência de sua função em tempos de crise, Marcella Rica ainda tem tempo e energia para mais. Apaixonada por música, a artista trilha paralela a sua carreira na televisão a função de diretora de videoclipes. Ela, que toca alguns instrumentos musicais e também é DJ nas horas vagas, já assinou dois clipes da cantora Lua Blanco e dirigiu o show da Maria Luiza ao lado de Roberto Menescal. Formada em Cinema, Marcella Rica contou que sempre foi apaixonada pelo trabalho nos bastidores. Hoje, ela também tem uma pequena produtora de conteúdo audiovisual onde trabalha essa sua outra veia artística. “Tenho muito chão pela frente e muita coisa pra estudar e aprender. Mas é muito bom poder criar novos projetos e ir descobrindo caminhos diferentes”, disse a atriz que reconheceu como a função de diretora enriqueceu sua experiência artística. “Hoje em dia eu tenho outra visão do set, do tempo das gravações, da função de cada um e de como posso ajudar mais a equipe como atriz”, contou Marcella que, nesta função, sonha em fazer um trabalho que aborde o preconceito.

A atriz também tem uma pequena produtora de conteúdo audiovisual e já assinou a direção de clipes e show (Foto: Vinicius Mochizuki)

Hoje, com 25 anos de idade e 13 de carreira, Marcella Rica é uma coletânea de experiências diversas. Ela, que se desdobra no meio artístico para conhecer todas as áreas, também já passou pelos palcos. No teatro, Marcella teve um de seus principais e mais marcantes trabalhos. E não necessariamente pela brilhante atuação. Em “Otello”, quando interpretou Shakespeare aos 16 anos, a atriz recebeu duras críticas por sua atuação. Na época, Marcella Rica ouviu que havia começado a carreira com o pé esquerdo e que sua interpretação era apenas superficial. Hoje, com inúmeros trabalhos de sucesso na trajetória, ela reconhece a importância dessas críticas do passado. “Ter feito Otelo foi o melhor trabalho que poderia ter feito na minha vida. Eu era muito nova, muito inexperiente e foi uma aposta arriscada do Diogo (Vilela, diretor do espetáculo). A peça passou por muitas adaptações e questões, mas esse processo rico de mudanças e amadurecimento constante durante a temporada foi muito importante pra mim. Foi uma experiência muito linda e inesquecível acima de qualquer crítica”, lembrou.

Para o futuro, Marcella contou que sua produtora de conteúdo audiovisual e o teatro estão garantidos em seus planos. Para a tevê, a atriz espera que o sucesso da Jéssica de “A Lei do Amor” abra novas portas e traga oportunidades para a carreira. “Na produtora, eu estou tocando os canais e na pré produção de alguns projetos novos no digital. Fora isso, estou com uma peça aprovada na Lei Rouanet em processo de captação para dirigir e outra para começar a ensaiar como atriz”, adiantou a atriz Marcella Rica.