João Fenerich, de Quanto Mais Vida Melhor, está no cinema e teatro e prepara expô-manifesto de refugiados de guerra


Para enveredar pela profissão de ator, o intérprete do cirurgião cardiovascular Soares, na trama das 19h, da Globo, abandonou uma bem sucedida e promissora carreira de administrador de empresas e recusou proposta para trabalhar nos Estados Unidos. “Considero que o papel do artista é levantar bandeiras, defender as causas que acredita”, explica. Em breve, vai poder ser visto em dois trabalhos que vão tocar na ferida do machismo e das relações abusivas: O filme Consequências Paralelas e a peça Yerma. “Se no futuro formos a algum festival, acredito que eu vá ser o tipo de ator que vai levantar a bandeira de que precisamos falar de relações abusivas e de feminicídio em um dos países que eventualmente mais mata mulheres por minuto, principalmente nessa pandemia”, diz João Fenerich, que também é fotógrafo e está alinhavando um projeto-manifesto para retratar a maneira com que cada refugiado se sente acolhido no país de asilo

João Fenerich, de Quanto Mais Vida Melhor, está no cinema e teatro e prepara expô-manifesto de refugiados de guerra
No cinema e no teatro, João leva o debate sobre machismo e relações abusivas (Foto: Daniel Sammy)

No cinema e no teatro, João leva o debate sobre machismo e relações abusivas (Foto: Daniel Sammy)

* Por Carlos Lima Costa

Pela primeira vez participando de uma novela inteira, João Fenerich, o cirurgião cardiovascular Soares, de Quanto Mais Vida, Melhor!, considera que como artista o papel dele é levantar bandeiras, defender as causas que acredita. Não foi à toa que, formado em Administração e Marketing, pediu demissão da Nickelodeon, empresa do grupo Viacom, quando comandava a área comercial e tinha convite para trabalhar em Nova York, deixando o promissor futuro na área para investir na carreira de ator. E tocando em feridas da sociedade brasileira, em breve vai poder ser visto tanto no cinema quanto no teatro, em histórias que abordam o machismo e as relações abusivas: o filme Consequências Paralelas e a peça Yerma, do espanhol Federico García Lorca (1898-1936).

“Sofri bastante para fazer as cenas fortes e dramáticas do filme, nas quais tínhamos que chegar a um estado emocional difícil para poder contar a história. Se no futuro formos a algum festival, acredito que eu vá ser o tipo de ator que levantará a bandeira de que precisamos falar de relações abusivas e de feminicídio em um dos países que mais mata mulheres por minuto, principalmente nesse período de pandemia, onde as pessoas ficaram em casa e os casos de relações abusivas aumentaram. Sou contrário a qualquer tipo de abuso. Então, é preciso contar essas histórias. Como o (Antonio) Fagundes fala sobre os espetáculos dele, ‘se tiver uma pessoa que se identifique e reflita sobre’, vai ser legal, porque nós somos agentes transformadores nessa sociedade”, enfatiza.

João, que antes da trama das 19h, gravou participações na novela A Lei do Amor, no seriado Sob Pressão, ambos na Globo, na série Onde Está Meu Coração, da Globoplay, e na novela Jesus, da Record, foi convidado para atuar no longa-metragem dirigido por Gabriel França e CD Vallada, quando já estava gravando a novela. No filme, ele contracenou com Felipe Hintze e Carol Macedo, que também estão no elenco de Quanto Mais Vida, Melhor!.

“É um filme que descortina uma relação abusiva num caso de feminicídio. Pedro, meu personagem é casado e é uma das pessoas que promove essa relação abusiva. Foi difícil me preparar e gravar, principalmente porque é um assunto forte, um personagem diferente de mim na sua camada mais básica. Como homem, tenho menos lugar de fala, mas esse é um assunto que precisa ser falado, trazido à tona. As máscaras têm que cair mesmo”, afirma.

João abandonou emprego de administrador de empresas para ser ator (Foto: Daniel Sammy)

João abandonou emprego de administrador de empresas para ser ator (Foto: Daniel Sammy)

João tem consciência de que o Brasil é um país machista e repleto de preconceitos. “Precisa haver uma desconstrução. Acredito que nessa vida não verei isso. Já me vi, com certeza, sendo machista em comentários, às vezes, em relações que eu já tive. Graças a Deus, a minha casa, a minha família, principalmente eu com a minha mãe, temos uma relação tão legal que a gente se permite conversar nesse lugar. Veja, minha mãe é de 1948, onde a sociedade, os aspectos e os limites sociais eram outros. Eu e meus amigos também estamos sempre falando sobre tudo isso. Embora não seja essa imagem que está no meu espectro, mais do que o meu desejo de não ser machista, tem o de ser antimachista. Temos que ser também antirracistas”, defende ele, que admira o livro Sejamos Todos Feministas (da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie), no qual ela fala que feminista na verdade é o homem e também a mulher, que reconhecem a existência de um problema de gênero que precisa ser tratado. Definitivamente temos um problema de gênero no Brasil”, crê.

No Teatro, ensaia a peça Yerma, de Federico Garcia Lorca (1898-1936), com direção do Dan Rossetto, que tem estreia prevista para 7 de maio, no Espaço Open Arts, em São Paulo. No elenco, além dele estão Ângela Figueiredo e Thaís Boneville. “A Yerma é uma mulher que tenta sob qualquer circunstância engravidar, mas, pela infertilidade do marido, não consegue. Uma infertilidade um pouco velada. Em 1939, ano em que foi escrita a peça, não se falava da infertilidade masculina e é muito louco. Como esse texto impregna e faz com que essa mulher acredite fielmente de que o problema é ela e como existia a pressão das pessoas no entorno dela para que engravidasse. Nessa tentativa frustrada de gravidez, ela é silenciada o tempo inteiro nas suas relações. Silenciada por ele, que é hiperabusivo para com ela. Um cara que faz com que ela fique em casa. Estamos com uma montagem bem contemporânea, até porque esse é um problema atual também. Quero sempre usar os espaços e os meus discursos para levantar questões”, pontua ele, que, no cinema, já marcou presença no filme As Aparecidas, de Ivan Feijó.

João Fenerich caracterizado como dr. Soares, em Quanto Mais vida, Melhor! (Foto: Globo)

João Fenerich caracterizado como dr. Soares, em Quanto Mais vida, Melhor! (Foto: Globo)

Em relação à novela, João frisa que Quanto Mais Vida, Melhor! Foi uma superexperiência com a dramaturgia. Além também do fato de ter sido contratado no meio de uma pandemia, recorda os grandes parceiros de cena, como Mateus Solano, Mariana Nunes e Ana Lúcia Torre. “No primeiro dia de gravação, o Mateus virou pra mim no meio do set e pediu meu WhatsApp. À noite, quando cheguei em casa recebi dele milhões de vídeos de cirurgias, documentos em inglês, vídeo de sutura. No dia seguinte, avisei que tinha assistido tudo, que estava pronto. Aí tinha um boneco e a gente ficava brincando de ficar dando ponto no boneco”, lembra, dizendo que ainda acompanhou consultas de alguns profissionais amigos. “Considero médicos super heróis”, conta ele.

"Eu tinha um bom cargo e salário, mas é exatamente o salto no escuro que me interessa", frisa João sobre ser ator (Foto: Daniel Sammy)

“Eu tinha um bom cargo e salário, mas é exatamente o salto no escuro que me interessa”, frisa João sobre ser ator (Foto: Daniel Sammy)

João lembra que começou a trabalhar desde cedo. “Fiquei três anos na Nickelodeon. Enquanto cuidava da área comercial, comecei a me inscrever em concursos para processos de teatro, ia passando, só que de alguma maneira a minha família meio que não aprovava e aí em algum momento recebi uma proposta muito legal da empresa, onde coordenava a área comercial. Foi um momento crucial em minha vida. Estava com a possibilidade de me mudar para Nova York. Mas pensei: Vou e a minha vida vai acontecer a partir daí ou vai ficar muito tarde para eventualmente ir atrás do que eu desejava fazer”, recorda.

Com um bom emprego e um futuro próspero, realmente se questionou sobre largar o certo pelo duvidoso. Era meio um salto no escuro. “Eu tinha um bom cargo e salário, mas é exatamente o salto no escuro que me interessa. Talvez, naquela época, de forma mais ingênua. Hoje, talvez mais consciente disso”, frisa ele, que rescindiu o contrato de trabalho e viajou para a Ásia, onde passou três meses, já com a ideia de ser ator. Ao retornar, começou a estudar teatro.

"Na minha exposição de fotos, quero retratar a maneira com que cada refugiado se sente acolhido no seu país de asilo”, conta João (Foto: Daniel Sammy)

“Na minha exposição de fotos, quero retratar a maneira com que cada refugiado se sente acolhido no seu país de asilo”, conta João (Foto: Daniel Sammy)

E faz uma ressalva com relação aos colegas do antigo ofício. “Da turma que se formou comigo na Faculdade de Administração, muitos estão trabalhando em empresas, um tem restaurante, outro tem não sei o quê. Muita gente olha pra mim e fala: ‘Caramba, mas que coragem’. Pergunto se estão felizes com o que fazem. Muitas vezes ouvi um ‘não’”.

Além da atuação, João também gosta de se expressar com projetos de fotografias. Já teve fotos premiadas. Em 2018, por exemplo, foi eleito no 35Awards, TOP 70 Brazil e TOP 35  São Paulo, com uma fotografia feita em Myanmar. E deseja retratar a situação dos refugiados no mundo. Em um momento como esse, isso faz lembrar os ucranianos que defendem seu país contra os ataques russos. “A fotografia entrou na minha vida de forma muito sem querer. Fui fazer uma viagem a Cuba e pedi uma máquina fotográfica emprestada a um amigo. Conversava com as pessoas na rua e, de repente, já estava na casa delas. Depois, comprei meu equipamento. Foi quando fui para a Ásia, viagem que me rendeu cliques incríveis. Alguns eu já coloquei em concursos internacionais de fotografias”, relata.

Mais recentemente, após uma amiga, empresária de atores, em São Paulo, postar uma foto de seu novo agenciado, um refugiado, recém-chegado do Haiti, ele decidiu presenteá-lo com um ensaio. “Me deu uma ideia de fazer um retrato dele específico, se autoabraçando e fiquei com essa imagem muito forte na minha cabeça, de que maneira esse cara se sente abraçado aqui no Brasil, sabe, de que maneira países abraçam refugiados, principalmente nesses momentos não só de guerra, como a Ucrânia vem vivendo, mas de Brasil de (Jair) Bolsonaro mesmo. O (Donald) Trump negava refugiados nos Estados Unidos, então, mais do que um projeto fotográfico, com a exposição Everyone Is Welcome, o meu grande objetivo é fazer um manifesto de rua. Quero que tenham frases escritas pela cidade em vários idiomas. Quero retratar, na verdade, a maneira com que cada refugiado se sente acolhido no seu país de asilo”, explica.

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