Indicado ao Emmy Internacional, Raphael Logam critica estereótipo de ator negro: ‘Sempre segura arma com cara de mau’


“A gente estuda tanto para fazer um personagem mais forte, para interpretar de uma forma mais intensa, mas acaba fazendo o que a gente vê nas favelas. No entanto, de um tempo para cá, passei a recusar trabalhos assim. E negar trabalho não é fácil quando se tem uma filha de 11 anos. Sempre bati na tecla, desde meus 13 anos, que seguiria nessa carreira, mesmo ciente que é um caminho muito duro. Com isso, foquei na minha segunda profissão, que é a de professor de capoeira. No entanto, o roteiro de ‘Impuros’ era muito mais do que segurar uma arma”, afirma o ator

*Por Karina Kuperman

Raphael Logam é protagonista da série “Impuros”, sucesso na Fox, e foi indicado ao Emmy Internacional como “Melhor Ator” por seu desempenho como Evandro. É até difícil pensar que relutou ao papel de bandido da série, que conta a história de vingança do protagonista que teve o irmão assassinado. O motivo? Ele não queria ficar estigmatizado em papeis de tipos barra-pesada dos morros. “Na verdade, eu vinha negando muito trabalho assim. Mas, antes de tudo, é bom dizer que é muito difícil ser ator preto no Brasil. E como uma onda, ‘Cidade de Deus’, foi importante porque abriu portas, mas acabou caindo quase na mesmice de personagens, porque, desde então, quase que em todas as produções se apresenta o negro segurando arma e fazendo cara de mau, com gírias. Com isso, as oportunidades que surgiam eram poucas para gente mostrar talento”, lamenta.

Raphael é Evandro em “Impuros” (Foto: Reprodução)

“A gente estuda tanto para fazer um personagem mais forte, para interpretar de uma forma mais intensa, mas acaba fazendo o que a gente vê nas favelas. No entanto, de um tempo para cá, passei a recusar trabalhos assim. E negar trabalho não é fácil quando se tem uma filha de 11 anos. Sempre bati na tecla, desde meus 13 anos, que seguiria nessa carreira, mesmo ciente que é um caminho muito duro. Com isso, foquei na minha segunda profissão, que é a de professor de capoeira, e fazia alguns trabalhos de ator nos quais os personagens não tinham esse estereótipo, mas eram poucos. E quando recusava um trabalho, indicava amigos. Um tempo depois, fechei com uma amiga de longa data, a Clara Araújo, pra cuidar da minha carreira. Nisso, acabei acertando de fazer o filme ‘Pacified’, onde eu também segurava arma, mas era porque o personagem tinha depressão, tinha um trabalho de consciência, um trabalho psicológico do personagem… Fiz o longa, mas jurei que esse seria o último desse tipo que eu faria. No entanto, em seguida, surgiu o convite para ‘Impuros‘. Fiquei receoso no começo, mas, incentivado pela minha empresária, fui fazer o teste por ser o personagem principal e porque o roteiro era muito bom…”, lembra. “E, na verdade, era um trabalho que de fato precisaria que eu estudasse, não apenas segurasse uma arma. Fiz o teste sem expectativa e conheci René Sampaio e Tomás Portella, diretores da série. Me senti em casa quando ainda encontrei amigos por lá no dia do teste. Eu estava mais magro do que sou e barbudo, um tipo físico que não combinava com o Evandro, mas um dos produtores acreditou em mim”, conta, sobre a série que já tem toda a primeira temporada disponível e estreia a segunda em novembro.

E a terceira temporada já está em fase de pré-produção. Será que ele esperava tamanho sucesso? “Sendo muito modesto: da forma como todo o elenco e a equipe se entregaram ao projeto, tivemos uma linda preparação com o mestre Sergio Penna, conversamos com policiais, que também nos ensinaram a mexer no armamento, eu esperava sucesso, sim. A gente acreditou e acredita nesse projeto. Na segunda temporada, com todo mundo mais próximo, foi tudo mais leve no set. A gente estava mais unido, mas com a mesma entrega da primeira temporada”, elogia.

Raphael Logam (Foto: Sergio Baia)

A série fala sobre o narcotráfico carioca em 1990, mais precisamente no morro do Dendê. Raphael garante que há possibilidade de traçar um paralelo da ficção com a história do Rio hoje. “Sergio Malheiros e Rui Ricardo Dias, que estão no elenco comigo, sempre conversamos sobre essa distância de 1990 pra 2019.. E a gente fica impressionado de como quase nada mudou. O narcotráfico ficou mais ‘moderno’. No entanto, se pegar as situações, os fatos, você acaba percebendo que eles aconteceram há muitos anos, mas parecem ser mais atuais, porque a história ainda é quase a mesma”, diz o indicado ao Emmy de Melhor Ator. “Eu não esperava ser indicado ao Emmy. Eu acreditava e torcia para que todo mundo fosse indicado a tudo, de todos os setores. Acho que a série tinha que ser indicada e cada um que participou também. Individualmente, eu estou muito feliz. Isso mostra que esse meu mergulho no personagem foi bom pra caramba! Só a indicação já está bom, parece até clichê falar isso, que ‘o importante é competir’…mas é sim. Porque estar indicado, depois de passar por um longo processo, a peneira é forte, e você chegar lá é maravilhoso”, ressalta.

A série aborda o narcotráfico em 1990 (Foto: Reprodução)

O ator, que já integrou elencos de novelas e filmes como “A Regra do Jogo” da Globo, “A lei e o crime”, da Record, “Questão de família”, do GNT, “Como é cruel viver assim” de Julia Resende, “Doidas e Santas” de Paulo Thiago e “M8. Quando a morte socorre a vida” de Jeferson De, conta que gostaria de investir mais no humor. “Quando comecei minha carreira, tinha mais trabalho para novelas e filmes. E eu não tive muitas, aliás, foram pouquíssimas, chances de ser testado para ser personagem fixo em novelas. Sempre fui chamado para participações como bandido, escravo… era muito difícil negar esses testes. Eram chances pequenas – agradeço os convites dos produtores de elenco que me chamaram –, mas realmente eram testes para personagens que iam segurar arma, ter cara de mau e falar pouco. Aí veio um presente lindo, fui chamado pra fazer o Saci Pererê na ‘Turma do Pererê’, na TV Brasil, em 2009. Foi uma delícia… meu primeiro protagonista que eu fiz com muito amor e responsabilidade. E, no cinema, tenho mais experiência de participação com esses personagens estereotipados, como meu trabalho no filme ‘Última parada 174′, do Bruno Barreto. Nele, fiz um pai, traficante… Fora isso, foi tudo participação. O curioso, que eu gosto muito, é de fazer comédia, e também fiz participações em uns longas. Foi bem legal trabalhar um lado que eu gosto muito, que é o do humor”, conta.

Ele também gosta muito de fazer humor (Foto: Sergio Baia)

De fato, Raphael foi sucesso na divertida “Homens?”, do Comedy Central, ao lado de Fábio Porchat e um elenco incrível. A história aborda temas como machismo, impotência sexual, relacionamento com prostitutas e outros – sempre com muito humor e leveza. “A série é ótima e o assunto é realmente importante de se falar, que é o machismo. A gente precisa evoluir. Não que todos os homens sejam assim. Contamos a história de quatro amigos, bem-sucedidos que não conseguem viver nesse mundo atual. Estamos num momento de mulherada forte e empoderada que esses caras não sabem viver. Claro que a gente não vai se ‘curar’ e ser 100% não machista da noite para o dia, mas a gente precisa estudar e rever nossos conceitos, reaprender tudo e tentar chegar nesse zero machismo”, pondera. “O Fábio (Porchat) com essa inteligência dele, conseguiu trazer isso num programa de comédia com responsabilidade, mas com essa leveza que o humor traz. Gravar essa série foi incrível. Fábio é alegre e é muito bom ator, é um gênio, Gabriel Louchard é pura animação, ele domina o set e o Gabriel Godoy, um ator incrível e super dedicado, virou meu grande amigo. O nosso ambiente era maravilhoso, mesmo tratando de um assunto sério. E não posso deixar de elogiar as mulheres da série, porque o projeto conta a história de quatro homens, imbecis, mas aprendendo com elas. Contracenei com atrizes maravilhosas e empoderadas como Gisele Froes, Giselle Itié, Julianne Trevisol, Lorena Comparato que, inclusive, é minha mulher em ‘Impuros‘. São atrizes maravilhosas que nos ensinaram muito”, destaca.

A série “Homens?” foi sucesso no Comedy Central (Foto: Reprodução)

“Sou apaixonado por comédia. Não sou comediante como  Rafael Portugal, Porchat, Caruso, Gregório…eles têm veia cômica sinistra, mas eu gosto muito sim de rir e de fazer rir. O legal é que quando fiz o “Última Parada 174”, o Bruno Barreto, diretor, disse numa entrevista que estava surpreso com meu personagem dramático no filme,  já que eu tinha vindo da comédia. Achei ótimo ler isso, porque não vim da comédia, mas adoro ver meus amigos rindo, amo fazer comédia e quero sim ter mais chance pra mostrar o que sei fazer”, diz ele, que já está confirmado na próxima temporada da trama. “Estou bem focado nessas duas séries, projetos que devem durar até janeiro.. Mas estou aberto a novos convites. Sou ator, amo o que faço e não quero parar”.